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·30 April 2025
20 anos depois, Mourinho recorda título no Chelsea: 'Volta para Portugal, queremos o Ranieri'

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Há exatos 20 anos, o Chelsea conquistava a Premier League pela primeira vez. O primeiro título inglês do clube em 50 anos. José Mourinho foi protagonista do feito e conversou com Rui Miguel Tovar para entrevista no "Barrilete Cósmico", publicado mensalmente no nosso site parceiro em Portugal, o zerozero.pt. O texto abaixo é reprodução da coluna.
Maio de 2004, dia 26. O FC Porto conquista a Liga dos Campeões com pompa e circunstância, em uma final de domínio absoluto contra o Monaco, em Gelsenkirchen (3 a 0). Na campanha brilhante de 13 partidas — seis na fase de grupos e sete no mata-mata — o time não perdeu nenhum jogo fora das Antas. Nenhum. Na decisão, Vítor Baía não precisou fazer nenhuma defesa. Nenhuma, repetimos. Z-e-r-o.
Junho de 2004, dia 2. Exatamente uma semana após o título europeu, José Mourinho é apresentado como técnico do Chelsea. Ao ser questionado se estava pronto para a Premier League, o ar entediado do treinador já dizia tudo. E a resposta, então, virou história: “Acabei de ser campeão europeu (...) I’m the special one.”
Agosto de 2004, dia 15. Estreia na Premier League, em casa, contra o Manchester United. Vitória por 1 a 0 com gol do islandês Gudjohnsen. O time titular: Cech; Paulo Ferreira, Gallas, Terry e Bridge; Geremi, Makelele, Lampard e Smertin; Drogba e Gudjohnsen.
Setembro de 2004, dia 19. Segundo empate seguido do Chelsea, agora em casa, contra o Tottenham (0 a 0). O Arsenal, atual campeão, abre dois pontos de vantagem. Na entrevista após o jogo, Mourinho solta uma frase que vira febre: “They put the bus in front of the goal.” (“Eles estacionaram o ônibus na frente do gol.”) A expressão pega, e na semana seguinte a agência Reuters escreve que o Middlesbrough “estacionou o ônibus” para evitar uma goleada do Chelsea.
Outubro de 2004, dia 16. Primeira e única derrota do Chelsea na temporada, para o Manchester City. Gol de Anelka, de pênalti sofrido por ele mesmo em lance com Paulo Ferreira. O Arsenal segue firme na liderança, agora com cinco pontos de vantagem.
Novembro de 2004, dia 6. Gol de Robben garante a vitória sobre o Everton em Londres e coloca o Chelsea na liderança isolada pela primeira vez. Seis vitórias nos oito jogos seguintes encerram o ano com cinco pontos de vantagem sobre o Arsenal.
Fevereiro de 2005, dia 2. Robben marca o gol da vitória por 1 a 0 contra o Blackburn, em noite em que Paulo Ferreira comete mais um pênalti — desta vez defendido por Cech, em chute de Dickov. É a oitava vitória seguida, e o Arsenal já está 13 pontos atrás. Arsène Wenger reconhece: “Estamos fora da briga pelo título.”
Março de 2005, dia 5. O Chelsea segue vencendo de forma implacável, agora contra o Norwich (3 a 1). O gol sofrido por Cech é o primeiro após 1028 minutos — novo recorde de invencibilidade na Premier League, superando Peter Schmeichel (695 minutos).
Abril de 2005, dia 30. A quatro rodadas do fim, o Chelsea vence o Bolton por 2 a 0 (dois gols de Lampard) e conquista o título inglês pela primeira vez em 50 anos. No banco de reservas, José Mourinho comemora como ninguém. O título é dele, muito dele. E ainda é. Agora, 20 anos depois, o técnico português responde nosso e-mail. Aqui estão as 16 perguntas — ao estilo antigo: 11 titulares e 5 reservas.
Quando aconteceu o primeiro contato com o Chelsea?
José Mourinho – Março / abril, por volta das quartas de final da Champions.
O Chelsea sempre foi sua primeira escolha?
Eu ouvia todos, como ainda faço hoje — por respeito e também para analisar com calma, sem precipitação. Eu queria ir para a Premier League, mas também havia propostas da Itália. Quando me reuni com o Chelsea, virou minha prioridade.
Qual era sua relação com o futebol inglês antes de 2004?
Trabalhei por anos com um grande senhor do futebol inglês, o Bobby Robson. Aprendi muito com ele: sobre a cultura, as tendências e as evoluções do jogo.
Você já tinha assistido a algum jogo do Chelsea ao vivo?
Sim. Jogamos contra o Chelsea quando eu estava no Barcelona, pelas quartas da Champions (1999–2000 — o Barça avançou na prorrogação), jogamos também num amistoso de pré-temporada com o FC Porto em Stamford Bridge e fui assistir à semifinal Chelsea x Monaco (um dia depois do nosso 1 a 0 contra o Deportivo, na Corunha).
O que mais te surpreendeu ao vivenciar de perto o futebol inglês? Organização da Premier League, torcedores, arbitragem, nível de competitividade, análise esportiva, camaradagem…?
Surpresa, pouca, porque eu já conhecia bastante. Mas sentir a paixão ali, de perto, foi muito marcante.
Arsenal (campeão invicto em 2004), Manchester United e Liverpool (campeão europeu em 2005). Antes de começar a temporada, qual era o adversário que mais te preocupava?
O Arsenal invencível e o Manchester United, um gigante ferido.
Curiosamente, nenhum dos três venceu o Chelsea — Liverpool e United perderam os dois confrontos. Sua única derrota no campeonato foi contra o Manchester City do Keegan, com pênalti convertido pelo Anelka. Como foi lidar com esse 1 a 0?
Anormal seria nunca perder. O anormal foi o Arsenal de 2003–2004. Nosso foco era ser campeão e nunca nos desviamos disso — nem em um jogo sequer. Aquele 1 a 0 contra o City foi uma migalha no caminho.
Sua relação com os torcedores do Chelsea ia além dos jogos? Tem alguma história curiosa?
A melhor foi naquela semifinal europeia que fui assistir em Londres, com o AVB (André Villas-Boas). Já se falava muito que eu seria o próximo técnico, e um grupo pequeno gritou na minha direção na entrada do estádio: “Vai pra Portugal que aqui queremos o Ranieri!”
"They put the bus in front of the goal" foi sua frase após o 0 a 0 contra o Tottenham. Era comum os times jogarem tão fechados contra o Chelsea?
Isso era raro na Inglaterra. Mesmo nas Copas, que a nossa geração acompanhava com atenção em Portugal. Mesmo nos duelos entre times da Premier e das divisões inferiores. Eu não sabia na época, mas Chelsea e Tottenham são rivais históricos de Londres. Eles tomaram sufoco o jogo inteiro, mas colocaram mesmo um ônibus de dois andares dentro da área. Resultado: 0 a 0.
Qual vitória daquela temporada te deu mais satisfação?
A de Bolton, porque ali o Chelsea conquistou a Premier League.
Me corrija se eu estiver errado: você começou a temporada com o 4-4-2 e só depois, em outubro, passou para o 4-3-3, que seguiu até maio? Se sim, por que a mudança?
Fui campeão europeu pelo Porto usando muito o 4-4-2 em losango e gostava bastante das dinâmicas. Pensei em repetir e até tivemos bons resultados no início da temporada. Mas ao entender melhor o Lampard, o Duff, o Robben, o Joe Cole… percebi que não podia forçar jogadores a um sistema que não valorizava suas qualidades. Lampard era um 8, Cole era ponta, não eram meias-armadores. E Robben e Duff eram tão bons que não dava pra deixá-los no banco. Tiago, Smertin e Gudjohnsen perderam minutos, mas ganhamos um time mais forte.
A entrada da Wikipedia sobre o Chelsea 2004–05 começa assim: “A temporada foi histórica pela quantidade de recordes batidos na Premier League: mais pontos (95), mais vitórias fora de casa (15), mais jogos sem sofrer gols (25), menos gols sofridos fora de casa (9), mais vitórias (29) e menos gols sofridos (15)". Vinte anos depois, o que sente ao ler esse parágrafo?
Um time gigante, que até hoje não tem o reconhecimento que merece na história da Premier League.
O Chelsea contratou Paulo Ferreira, Cech, Robben, Kezman, Drogba, Tiago, Ricardo Carvalho e Nuno Morais. Todos foram ideias suas? Algum foi mais difícil de contratar que os outros?
Cech e Robben chegaram junto comigo, mas já tinham sido negociados antes. Drogba foi complicado, porque era muito caro e ainda não tinha o prestígio reconhecido na Inglaterra. Só assinamos com ele por insistência minha. Numa época com menos tecnologia, tive a sorte de jogar contra ele e, depois, fui várias vezes ver o Olympique de Marselha ao vivo. Era o 9 certo pra ganhar a Premier League.
O Chelsea dispensou Bogarde, Verón, Jimmy, Desailly, Melchiot, Petit, Stanic, Gronkjaer, Carlton Cole, Crespo, Zenden e Ambrosio. Todas essas saídas foram decisões suas?
Todas. A ideia era fazer com que jogadores como Terry e Lampard dessem um passo à frente. Precisávamos romper com o passado, com lideranças já institucionalizadas, e iniciar um novo ciclo. Eram bons jogadores, mas às vezes o time precisa mesmo de renovação.
Você foi campeão em Bolton, exatamente há 20 anos, em 30 de abril. Qual é sua lembrança mais viva daquele dia?
Ver o Lampard driblar o goleiro, e eu já comemorando o título antes mesmo de ele empurrar a bola pro gol vazio.
Você foi campeão europeu com o Porto em 2004 com apenas dois estrangeiros no time titular contra o Monaco (Carlos Alberto e Derlei). Menos de um ano depois, foi campeão inglês com o Chelsea com apenas dois ingleses no onze inicial (Terry e Lampard), e outras sete nacionalidades. Como é que se passa de um extremo ao outro sem perder em nada a eficácia?
Empatia no futebol é muito mais importante do que se costuma pensar.