
Central do Timão
·16 July 2025
Andrés Sanchez pode ser processado por gastos pessoais no cartão do Corinthians? Entenda legislação

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·16 July 2025
Na noite desta segunda-feira, 14, o Conselho de Orientação (CORI) do Corinthians se reuniu no Parque São Jorge. Em encontro que já estava marcado para tratar de pautas como as contas do primeiro trimestre de 2025 do clube, outro tema dominou as discussões: o uso do cartão corporativo para pagamento de despesas pessoais confessado pelo ex-presidente Andrés Sanchez.
Após os debates, o CORI aprovou pedido para que a Comissão de Ética e Disciplina (CED) abra três procedimentos, sendo um para apurar a demora do próprio órgão em analisar as demandas recebidas, outro para avaliar a conduta do presidente afastado Augusto Melo e cinco aliados políticos em relação a supostos vazamentos de informações sigilosas do clube, e um último contra Andrés, para investigar seus gastos no cartão corporativo alvinegro.
Foto: Rodrigo Coca/Ag. Corinthians
No entanto, mesmo com a medida tomada pelo CORI, ainda existe um apelo entre torcedores nas redes sociais para que as apurações contra o ex-mandatário extrapolem a esfera política do Parque São Jorge e cheguem à Justiça. Enquanto alguns utilizam artigos da Lei Pelé (9.615/98) ou mesmo da Lei Geral do Esporte (14.597/2023) que tratam de gestão temerária para justificar uma punição, outros recorrem ao Código Penal para atribuir a Andrés o crime de apropriação indébita. Mas o que é isso?
O que diz a lei
O crime de apropriação indébita é descrito no artigo 168 do Código Penal, instituído pelo Decreto-Lei 2848/40, sendo definida como: “Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção”. Ou seja, é um crime que acontece quando alguém se apropria, toma para si, um bem ou valor que recebeu de outra pessoa ou instituição, e retém para si sem autorização. É um crime que, sobretudo, envolve o abuso da confiança de quem entregou este bem ou valor.
No caso envolvendo Andrés, defende-se que tal bem seria o cartão corporativo, cedido a ele pelo Corinthians por ser presidente do clube. E que, ao usá-lo para gastos pessoais sem reembolsar os valores na sequência, o ex-presidente teria assim abusado da confiança do clube, caracterizando o delito.
A pena prevista para o crime de apropriação indébita é de um a quatro anos, além de multa. No entanto, o parágrafo primeiro do artigo 168 elenca hipóteses onde esta pena aumenta em um terço, e uma delas pode se aplicar em tese a Andrés. No item III, o texto da lei determina este aumento quando o agente recebeu a coisa, ou seja, o bem ou valor, “em razão de ofício, emprego ou profissão”. Andrés ocupava o ofício de presidente do Corinthians à época dos fatos. Ao se considerar este aumento, a pena prevista passaria a ser de um ano e três meses a cinco anos e três meses.
Importante observar, ainda, que a apropriação indébita é um crime de ação penal pública incondicionada. Isso significa, em outras palavras, que qualquer um que tenha ciência dos fatos criminosos pode fazer uma denúncia, e não apenas a vítima, que seria o Corinthians neste caso. Até mesmo o Ministério Público, de ofício, pode iniciar uma ação penal, se assim desejar.
Mas e a prescrição?
No entanto, outra dúvida persiste: ainda daria tempo de processar o ex-presidente nestes termos? Ou a possibilidade de punição já teria expirado, devido à prescrição do suposto crime? Para isso, é necessário entender primeiro o que é prescrição e, então, como ela é calculada em tese.
Prescrição é um instrumento jurídico que determina quando termina o prazo de se exigir algo em juízo, ou seja, quando uma pessoa ou instituição perde o direito de entrar com uma ação na Justiça para reclamar algo. Existem dois tipos de prescrição: a punitiva, que é quando o Estado perde o direito de aplicar uma pena ao infrator (aplicável antes do trânsito em julgado da sentença); e a executória, é quando o Estado perde o direito de executar a pena imposta em uma sentença condenatória já transitada em julgado, ou seja, sem possibilidade de recurso.
No caso de Andrés, o prazo de prescrição em andamento é o da prescrição punitiva, pois os supostos crimes ainda não foram sequer denunciados à polícia, portanto, não são parte de um processo na Justiça nem estão sendo investigados em um inquérito. Mas na prática, ainda daria tempo, em tese, para tais investigações acontecerem?
Segundo advogados ouvidos pela Central do Timão, a resposta é sim: em tese, ainda há tempo. A norma que regula prescrições também está no Código Penal, mas no artigo 109, que estipula os tempos de prescrição em casos onde não há uma sentença condenatória transitada em julgado:
“Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
VI – em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.
VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.”
Considerando o texto da lei, é possível “encaixar” a suposta apropriação indébita do ex-presidente corinthiano no item III, pois o suposto crime teria a pena acrescida devido à qualificadora citada no início desta matéria. Assim, a prescrição se daria apenas após 12 anos do ato consumado, ou seja, da data em que cada gasto pessoal foi realizado por Andrés no cartão corporativo do clube.
Para fins de ilustração, os gastos realizados em Tibau do Sul-RN confessados pelo ex-dirigente, no valor total de R$ 9.416 e que segundo Andrés teriam sido ressarcidos nos últimos dias, teriam sua prescrição atingida apenas nos dias 29 e 30 de dezembro de 2032 e 2 de janeiro de 2033. Em outras palavras: até estas datas, teria que haver a investigação policial, a apresentação do inquérito ao Ministério Público, o oferecimento de denúncia ao Judiciário e a aceitação desta denúncia por um juiz, tornando Andrés réu.
Durante o contato da redação com os advogados consultados, porém, um alerta foi feito: para que uma denúncia contra o ex-presidente prospere, será necessário que se prove de forma inequívoca que Andrés sabia que estava usando o cartão corporativo do clube para fins pessoais. Isso pois o crime de apropriação indébita só possui a modalidade dolosa no Código Penal, ou seja, é um crime que não pode ser cometido “sem intenção”.
E no Parque São Jorge?
Além de ver o CORI aprovar pedido de abertura de procedimento contra si na Comissão de Ética do Conselho Deliberativo (CD), Andrés Sanchez deverá ter que responder a outras demandas semelhantes, vindas de associados. Apenas nesta terça-feira, 15, foram protocolados na secretaria do CD pelo menos dois pedidos de investigação contra o ex-presidente – um do Coletivo Família Corinthiana, subscrito por 148 associados, e outro individual assinado pelo sócio Rodrigo Lança Hernandez.
Segundo Romeu Tuma Júnior, presidente do CD, afirmou à Central do Timão nesta segunda-feira, 14, a expectativa é de receber mais pedidos durante a semana, quando deverá se manifestar sobre os próximos passos, o que inclui encaminhar as demandas à CED para que também analise, junto com o pedido já feito pelo CORI.
Na Ética, deverá ser aberto um procedimento ético-disciplinar contra Andrés, que após ser notificado terá um prazo para se defender das acusações e produzir provas a seu favor. Em seguida, a CED terá que analisar o caso e emitir um parecer, recomendando ou o arquivamento do caso, ou uma punição, que pode variar de uma simples advertência até o desligamento do ex-presidente do quadro associativo do Corinthians.
Conforme os advogados ouvidos pela redação, um dos desafios da CED na análise das acusações contra Andrés será definir se os atos praticados pelo ex-presidente ainda são estatutariamente puníveis. Isso pois a constituição corinthiana não define prazos de prescrição para sancionar associados ou conselheiros do clube.
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