Jogada10
·27 June 2025
Denúncia criminal e esportiva: as investigações sobre Bruno Henrique

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·27 June 2025
O cartão amarelo recebido por Bruno Henrique em um jogo do Brasileirão de 2023, contra o Santos, acendeu um alerta no futebol brasileiro. Monitoramentos de mercado apontaram movimentações atípicas em apostas relacionadas a advertências naquele confronto, o que levou o Ministério Público do Distrito Federal a apresentar denúncia há duas semanas. O jogador foi incluído no processo após conversas entre ele e seu irmão, também investigado, sugerirem conhecimento prévio da punição em campo.
Apesar da repercussão, o caso ainda está na fase inicial da Justiça comum, que deve decidir se aceita a denúncia e transforma os investigados em réus.
Já na esfera esportiva, Bruno Henrique foi alvo de inquérito no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), que concluiu sua investigação recentemente. Agora, a procuradoria tem cerca de 60 dias para denunciar o jogador, que só então pode ser suspenso.
Arthur Sodré Prado/Arquivo Pessoal
O cenário ilustra um padrão observado em outros episódios semelhantes: enquanto processos administrativos e esportivos caminham com mais agilidade, os desdobramentos penais costumam ser mais lentos. Essa diferença tem gerado questionamentos: o que faz com que suspeitas de manipulação de resultado avancem de forma distinta entre o campo esportivo e o jurídico? Há fatores legais e técnicos que explicam essa separação.
“A Justiça Desportiva tem autonomia e ritos próprios. Ela julga condutas que ferem o regulamento das competições, mesmo quando não há crime previsto em lei. Já na esfera penal, é necessário verificar se houve de fato um ilícito criminal e se há provas suficientes para dar continuidade ao processo, explica Arthur Sodré Prado, doutor em direito e professor da FGV Direito SP – Fundação Getúlio Vargas, em bate-papo exclusivo com o Jogada10.
“O processo penal exige mais cautela. A investigação precisa ser aprofundada para que não haja denúncias precipitadas. Isso naturalmente faz com que o tempo de tramitação seja maior do que na esfera esportiva”, completa,
Segundo o advogado, há diferenças importantes entre o que configura infração esportiva e o que pode ser considerado crime. Apesar da CBF, bem como quase a totalidade de federações do mundo, proibirem envolvimento de atletas com apostas esportivas, isso não é um crime. O que resta, dessa forma, é discutir se a gravidade dessas ações é grande o suficiente para que elas se tornem casos criminais.
“No Direito, nós trabalhamos com o princípio de que o crime cometido por uma pessoa deve ser grave para que exista a possibilidade de cadeia. É necessário um desvio de conduta muito sério. Nos casos das manipulações de apostas, existem situações em que o atleta pode ter cometido uma irregularidade, sim, mas ela causou pouco risco ou dano para a partida ou outras pessoas. Essas situações não são consideradas suficientemente graves para justificar uma punição criminal”.
Esse entendimento ajuda a explicar por que, em alguns casos, as sanções se restringem à esfera esportiva. Mas isso não significa que o atleta esteja isento de responsabilidade legal.
Outra dúvida comum diz respeito ao tipo de manipulação envolvida. Há diferença entre influenciar o resultado de uma partida inteira e realizar uma ação pontual, como forçar um cartão, por exemplo? Neste âmbito, podemos enxergar atletas que mudam pequenos momentos de uma partida para benefício próprio ou de outros em apostas, ou até mesmo o famoso caso do árbitro Edilson Pereira de Carvalho, condenado em 2005 por manipulação de (ou tentativa) resultados de partidas.
“Não há uma resposta clara para essa questão, visto que ela fica aberta à interpretação de quem estiver à frente da denúncia”, pondera Arthur Sodré Prado. “Há duas formas de pensar essa questão: a ação do jogador causou algum tipo de relevância para alterar o resultado do jogo? Ou o próprio ambiente de aposta foi manipulado, prejudicando os usuários das plataformas?”
Ele lembra que a lei que trata especificamente de manipulação de resultados foi sancionada em 2023:
“Ainda é um campo novo, que exige adaptação das autoridades responsáveis por investigar e denunciar.”
Além disso, o caminho até uma eventual punição criminal envolve etapas complexas: inquérito policial, denúncia do Ministério Público, aceitação da Justiça, julgamento e possível condenação. Já no âmbito esportivo, os prazos são mais curtos e os critérios, muitas vezes, mais objetivos.
Isso não significa, necessariamente, que os casos não estejam sendo analisados pela Justiça comum — mas que as respostas penais dependem de requisitos mais rígidos e investigações mais extensas. Enquanto isso, atletas citados em investigações seguem, na maioria das vezes, com condição legal de atuar até que haja decisão definitiva.
“O MP só oferece denúncia quando entende que há elementos mínimos de autoria e materialidade. Mas nem sempre essas evidências aparecem com clareza em casos de apostas, o que torna o processo mais demorado”, finaliza.
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