Zerozero
·7 November 2024
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·7 November 2024
Campeão no Benfica? Certo.
Bicampeão no Sporting? Sim senhor.
Protagonista imprevisto de um famoso título do FC Porto? Ademir que o diga.
Melhor guarda-redes do Europeu de sub19 em 1971? Confirmado.
Homem da RTP e comunicador de excelência? É ele, António Fidalgo, 72 anos bem vividos e carregados de boas memórias.
O eterno suplente de Manuel Bento - na Luz e na Seleção - é convidado do DESTINO: SAUDADE, no dia em que celebra mais um aniversário. Não há coincidências.
[Veja o VÍDEO para aceder à entrevista completa com o António Fidalgo]
zerozero – O Fidalgo foi das pessoas mais próximas do falecido Rui Jordão. Chegaram a viver juntos. Há uns anos, dizia numa entrevista que ele só bebia whisky com uma colher de chá.
António Fidalgo - Essa era uma particularidade do Jordão, que não bebia. Não bebia álcool e de vez em quando nos convívios havia muita gente que bebia. Uma vez perguntámos ao Rui se ele bebia whisky e ele disse assim: ‘Só daquele velho, de 30 anos, e bebo uma colher de chá’. Queria dizer que ia lá, bebia um bocadinho e já estava. Foi um grande jogador e, acima de tudo, um grande homem. Sabem onde conheci o Jordão?
zz – Nem ideia.
AF – Conheci-o no dia em que ele chegou ao Benfica porque, curiosamente, foi também o dia em que eu cheguei ao Benfica. Fomos os dois para os juniores e ficámos a viver no lar do clube. A nossa vida cruzou-se vezes várias a partir daí e passámos a ser muito amigos também fora do futebol.
zz – Onde jogou o Fidalgo antes de assinar pelo Benfica?
AF – Jogava no SC Espinho, foi aí o meu início no futebol. Eu estava nos juvenis, era baixinho, pequenino e jogávamos no campeonato distrital de Aveiro, que vencemos. Batemos o Avanca na final. Seguimos para o Campeonato Nacional e aí fomos eliminados pelo Leixões. O curioso nessa história é que acabou o campeonato e fomos jogar uma prova da federação chamada Taça Ribeiro dos Reis.
zz – Exatamente.
AF - A minha grande surpresa é que o treinador do SC Espinho, da equipa principal, um ex-jogador que eu admirava, chamou-me e eu lembro-me de lhe ter dito assim: ‘Mas ainda nem sequer joguei nos juniores…’ E ele lá insistiu em mim. ‘Filho, ao menos vais treinar connosco, para ver se evoluis ainda mais um bocado e tal…’ E eu comecei a treinar, e para a minha grande surpresa, e para a surpresa talvez de muita gente, fui titular logo no primeiro jogo. Acho que em Aveiro e contra o Beira-Mar. Foi o princípio de tudo o que viria a acontecer. Na semana seguinte, fui chamado ao Campo da Avenida e disseram-me que tinha sido convocado para a Seleção Nacional de Juniores. Fui eu, o Pinhal, do Sporting, e o Quim, do FC Porto, três guarda-redes.
zz – E que tal a experiência?
AF – O estágio foi cancelado (risos). Não sei se chorei, mas devo ter chorado. E lá continuei a jogar no SC Espinho.
zz – Até ir para o Benfica?
AF – Antes disso, tive um convite do FC Porto. O meu pai, que era o meu representante legal, disse-me que tinha recebido uma carta do FC Porto e que eu podia lá ir treinar. ‘Queres ir?’ E eu disse que sim, claro que sim. Até ia a pé. Era na altura do Natal e lá fomos, o meu pai levou-me.
zz – Não ficou no FC Porto?
AF – O treino era no Estádio das Antas, no campo de baixo, mas tínhamos de ir lá dentro ao roupeiro buscar o equipamento. Fui lá, deram-me o cesto da roupa, mas não me entregaram as chuteiras. Pedi umas e a resposta foi negativa. O meu pai ouviu aquilo e já nem me deixou treinar. ‘Se eles te convidaram para vires treinar, pelo menos têm de te dar umas chuteiras’. Talvez até fosse normal ser o jogador a levá-las, mas a verdade é que o meu pai me tirou logo dali. Eu teria uns 17 anos. Por coincidência, no dia a seguir recebi uma carta do Sporting e outra do Benfica.
zz – Duas cartas no mesmo dia?
AF – No mesmo dia. O meu pai telefonou primeiro para o Sporting. ‘Ah, querem que ele vá aí treinar? E pagam o transporte? Ah, não pagam o transporte…’O meu pai agradeceu e ligou para o Benfica. ‘Ah, sim, temos acompanhado o seu filho e tal…’ Bem, fiquei muito feliz. O meu pai disse-me que não era para treinar, era mesmo para assinar pelos juniores e começar na época a seguir. A minha vida mudou completamente.
zz – Foi fácil decidir.
AF – Foi fácil, sim. O Benfica pagava a alimentação, a estadia e o colégio para eu continuar a estudar. Eu tinha as provas de admissão à faculdade em setembro. Mas já não as fiz. Eu fui cheio de vontade, queria jogar e estudar, mas vi-me sozinho em Lisboa, envolvido naquele espírito do Benfica e já não fui às provas. Nos juniores fui quase sempre o titular da baliza do Benfica e acabei por ser chamado novamente à seleção.
zz – Quem era o selecionador?
AF – O Peres Bandeira. A minha estreia foi na Tapadinha e ganhámos 3-2 à França. Nunca tinha jogado num ambiente daqueles, o estádio cheio. Na segunda volta, em Paris, 0-0. Qualificámo-nos para o Europeu. Chamava-se Campeonato da UEFA e a fase final foi na Checoslováquia. Num jogo de preparação, contra a Roménia, o João Alves lesionou-se e abriu uma vaga para outro nome. Sabem quem foi?
zz - …
AF – O Rui Jordão. A nossa equipa nos juniores do Benfica era ótima. José Rachão, João Alves, Francisco Vital, Luís Norton Matos, Eurico Caires, Fernando Santos…
zz – Que tal o Fernando Santos?
AF – Era bom jogador, mas não era assim uma coisa… jogava a lateral direito ou a médio. O João Alves é que era um espetáculo, fazia coisas incríveis e já jogava de luvas pretas.
zz – Como correu esse Europeu?
AF – Três vitórias por 1-0 na fase de grupos. Na meia-final apanhámos a RDA, a seleção com mais potencial de todas. Ganhámos 2-1 e fomos à final contra Inglaterra. E, pronto, fico-me por aqui… (risos)
zz – Perderam 3-0, certo?
AF – Ficámos no segundo lugar.
zz – Como reagiu a família à mudança de Espinho para Lisboa, ainda tão jovem?
AF – Os meus pais visitavam-me muitas vezes, apareciam sem avisar. E os meus irmãos acompanhavam muito o meu percurso. Guardo com orgulho tremendo um dossier com recortes de jornais que o meu irmão, o jornalista Joaquim Fidalgo, julgo que conhecem, me ofereceu num aniversário. Guardo isso religiosamente em minha casa. A minha família sempre me acompanhou, sempre fomos muito próximos e agora mais próximos estamos porque vivemos todos em Espinho e todos perto uns dos outros.
zz – É, então, promovido aos seniores do Benfica na condição de vice-campeão europeu. Fez parte dos invencíveis do treinador Jimmy Hagan?
AF – Sim, mas só no balneário. Nessa altura nem convocado era. O Manuel Bento ainda estava no Barreirense, os guarda-redes eram o José Henrique e o João Fonseca.
zz – Como era o Jimmy Hagan?
AF – Corríamos muito. E ele corria à nossa frente, chamávamos-lhe tantos nomes (risos). Era em português, ele não percebia. O mister Hagan tinha 54 anos já e corria connosco.
zz – Esse plantel de 71/72 tinha outra personagem fantástica, o Vítor Baptista.
AF – Era um animal de área, espetacular. Conto uma história sobre ele, para tentarem perceber o perfil do Vítor. Uma vez estávamos no balneário a falar, eu devia estar a suplente nesse jogo, e as coisas não estavam a correr bem. Só me lembro do Vítor dizer, naquela forma dele falar connosco: ‘Oh pá, vocês não sabem fazer isto, cruzem a bola, e tu Nené, tu Nené, vais para o pé de mim, porque eu posso não chegar lá, mas ele também não chega, e a bola vai sobrar ali. E tu és o maior e fazes mais um golo’.
zz – Mas vocês perceberam quando ele começou a entrar nos maus caminhos?
AF – Sim, sim, percebemos que ele nos estava a esconder isso. Sei que o Toni foi falar com ele várias vezes e dizia-nos isso, o Humberto [Coelho] também. O Vítor dizia que sim, mas depois teve momentos maus, uma fase triste. Uma fase triste de alguém que merecia muito mais, mas uma fase triste por responsabilidade própria. Mas guardo grandes recordações dele, até mais fora do campo.
zz – Dava-se bem com o Vítor?
AF – Sim, íamos almoçar muitas vezes. Levava-me a almoçar. Era diferente. Um dia disse-lhe que ele estava a conduzir em contramão. ‘A sério?’, respondeu ele ao volante (risos). ‘Ah, então deixa-me lá fazer marcha atrás’.
zz – E quando entrou no mundo da droga, ele continuou a treinar?
AF – Sim, continuava a jogar muito, a fazer golos, mas já não era o nosso Vítor Baptista.
zz – Era forte com a cabeça e com os pés, não era?
AF – Completamente. Nos treinos ninguém se aproximava dele, era fortíssimo e os treinos eram duríssimos. Os contactos físicos eram constantes e o Vítor transpunha tudo isso para dentro do campo. Nos duelos individuais, a nível físico, ele ganhava 70, 80 por cento ou mais. E nem vale a pena falar na história do brinco (risos). Nessa tarde eu estava na bancada.
zz – Os outros avançados do plantel também não eram fraquinhos: Artur Jorge, Eusébio, Nené e Rui Jordão.
AF – E ainda havia o António Simões. São nomes desconhecidos para esta nova geração, mas que jogavam muito.
zz – O que era jogar muito nessa altura?
AF – Saber ter a bola, ser ofensivo, saber fazer passes, mas sem aquelas coisas muito apertadas de esquemas táticos. Era muito por instinto. Posso fazer uma publicidade?
zz – Força.
AF – Na Luz antiga havia um placard dos Cafés Sical e nós sabíamos que era ali que devíamos cruzar para o Vítor [Baptista]. ‘Quando eu estiver nos Cafés Sical, já sabes, vai para a área e eu cruzo.’ Era logo depois de passar o meio-campo. O futebol era menos trabalhado.
zz – Nesse primeiro ano de sénior no Benfica ainda vivia no lar do futebolista?
AF – Aí já vivia numa pensão. Acho que foi nesse primeiro ano que comecei a ser convocado para a equipa principal, porque o Fonseca estava na tropa. Ele foi afastado, porque o exército não o deixava treinar, e eu passei a suplente do José Henrique. Lembro-me de estar no banco em Sófia, num jogo europeu, por exemplo. Nevava como tudo. Eu era dos que ganhava menos dinheiro e um prémio de jogo equivalia a dois ordenados mensais. Comecei a ganhar alguns prémios, por ir ao banco, e passei a ter outro desafogo financeiro. Em Sófia lembro-me de ver a malta a fazer fogueiras no balneário para aquecer os pés.
zz – Estava no treino em que houve barraca do Jimmy Hagan com o Toni e o Humberto?
AF – Estava presente, mas não assisti a nada. Só soube depois. Segundo me contaram, o Toni e o Humberto estavam distraídos num treino, a falar qualquer coisa sobre a rota de um avião e o Hagan ficou danado. Chegou ao pé deles, expulsou-os do treino e afastou-os do jogo de homenagem ao Eusébio. Logo eles, que eram dos mais próximos do King.
zz – Quando é que o Fidalgo saiu do Benfica?
AF – A primeira interrupção foi no serviço militar. Fui incorporado em 1973, julgo que em junho. Só estive lá três anos, não foi assim tanto (risos). Fui para as Caldas da Rainha, para o Curso de Sargentos, e fiquei aflito porque normalmente os oficiais iam para a Guerra do Ultramar. Fui depois fazer a especialidade, eu tinha o 7º ano e queriam-me passar a oficial, mas chumbei nos testes físicos. Fiquei apenas a ser sargento. Mudei-me para Tavira. Fui eu e um senhor chamado Vítor Manuel, pai do atual treinador do FC Porto. Depois de acabar a especialidade mudei-me para Setúbal.
zz – E nessa altura não treinava no Benfica?
AF – Não. Estive quase um ano sem ir aos treinos. Mas todos iam à tropa, não havia exceções. Pelo menos a recruta tinham de fazer.
zz – E no 25 de abril, onde estava?
AF – Acordei em Lisboa e disseram-me que havia uma guerra em Portugal. Liguei a rádio, ouvi que estava a começar a revolução e fiz-me ao caminho até Setúbal, ao meu quartel. Ouvi falar das barricadas populares e vesti um casaco por cima da farda. Se fosse parado por militares, mostrava a farda e tudo bem. Se fossem populares, deixava o casaco vestido.
zz – Chegou bem ao quartel?
AF – Sim, sim. Mas lá ninguém sabia de nada, não havia acesso à rádio e à televisão. Até que a meio da tarde recebemos ordens para intercetar uma coluna militar que vinha de Vendas Novas. Imaginem-me de metralhadora e capacete de ferro (risos). Nós com espingardas e eles com canhões. Mas acabou tudo por correr bem.
zz – No final dessa época faz alguns jogos pelo Leixões. Quem o autorizou?
AF – Bem, antes do 25 de abril eu estive a fazer uns treinos no Leixões, mas nem cheguei a saber se tinham gostado de mim ou não. O meu contrato com o Benfica, incluindo o pagamento, estava suspenso durante a minha vida militar. Depois do 25 de abril, recebi um telefonema das pessoas do Leixões a convidarem-me para fazer os últimos jogos da época. Estavam a lutar para não descerem.
zz – E aceitou?
AF – Uma pessoa do Leixões veio a Setúbal, levou-me a conhecer um coronel, falámos e quando cheguei ao quartel já tinha a permissão para ir jogar por eles. Com uma condição. Só podia sair do quartel depois do almoço de sábado e à meia-noite de domingo tinha de estar de volta. Fiz os últimos três jogos do campeonato, ganhámos ao FC Porto 2-0 e ficámos na 1ª divisão. Nesse dia, o Estádio do Mar estava assustador, nem na pista de atletismo havia espaço. O meu amigo Rodolfo [Reis] veio falar comigo, aos berros, a pedir-me para controlar aquela gente toda.
zz – Chegou a tempo a Setúbal depois da festa pela manutenção?
AF – Devo ter chegado, não fui preso (risos). Acabou o jogo, levaram-nos em ombros, troquei de roupa no balneário e lá fui eu. Pouco depois fui transferido para um quartel em Lisboa e recomecei a treinar no Benfica. Não todos os dias, mas já com alguma regularidade. Passei a ser o suplente do Bento e andei naquilo até sair para Braga, por empréstimo.
zz – Em Braga fez 40 jogos e foi, de acordo com os jornais da época, o melhor guarda-redes da I Liga.
AF – Até eu fiquei surpreendido comigo, porque nunca tinha sido testado a esse nível. Joguei o campeonato todo e fomos à final da Taça de Portugal. Sabem onde foi a final?
zz – Nas Antas, com o FC Porto.
AF – Perdemos 1-0, golo do Gomes e cruzamento do Seninho. Falava muitas vezes com o Gomes sobre isso. No balneário do SC Braga ficámos revoltados quando soubemos que íamos jogar contra o FC Porto nas Antas. Mas fomos lá e estivemos muito, muito bem. E sofremos o golo num lance em que estávamos com menos um. O Manaca tinha sofrido um problema físico e estava fora.
zz – Voltemos ao Benfica. Com o Manuel Bento não havia hipóteses para o Fidalgo jogar?
AF – Não. O Bento era um excelente guarda-redes, não há como dizê-lo de outra forma. Embora eu, na altura, pensasse que podia lutar com ele pela baliza. Principalmente depois da época de Braga.
zz – Voltou à Luz em 1977 e com o estatuto reforçado.
AF – Muito reforçado. E comecei a ser utilizado de vez em quando. Em provas secundárias, naqueles jogos de pré-temporada, mas nos jogos principais, durante a época, só quando havia necessidade.
zz – E houve essa necessidade num histórico FC Porto-Benfica.
AF – O Bento tinha sido expulso dois jogos antes, em Setúbal. Depois recebemos o Estoril e fomos às Antas. As coisas não nos correram bem, empatámos 1-1 e o resultado servia ao FC Porto.
zz – É o jogo do famoso golo do Ademir, decisivo para o FC Porto acabar com os 19 anos de «seca». O próprio Ademir referiu, há uns anos, que o Fidalgo não teve hipóteses.
AF – Só vi a bola quando ela me passou ao lado, é verdade. O Pietra dizia-me que ela ainda desviou em alguém. Eu não quero ser mauzinho, mas isso nasceu para aí no 16º livre a favor do FC Porto à entrada da nossa área. Houve um defesa a afastar de cabeça e depois o Ademir rematou e a bola saiu muito puxada. Sabem o que tinha acontecido minutos antes?
zz – Conte-nos.
AF – O Humberto isolou-se, só com o Fonseca pela frente. A bola bateu no pé do Fonseca e passou por cima. O Humberto dizia-me que eu não continuei no Benfica por culpa desse lance. E depois fiquei muito desiludido, não foram só coisas boas.
zz – O que se passou?
AF – Fiz três jogos seguidos, a imprensa elogiou-me bastante e no último jogo fomos a Braga jogar contra o Riopele. Estávamos no hotel, o treinador [Mortimore] deu a equipa e… Fidalgo no banco outra vez. Até os meus companheiros ficaram surpreendidos. Era o último jogo, eu tinha jogado no SC Braga, tinha lá amigos e voltei a ser suplente. Lembro-me de dizer nesse dia que não valia a pena. Se não jogava naquele jogo, não ia jogar de forma alguma. Mas tive de continuar, tinha contrato.
zz – Nesse jogo, o treinador meteu-o em campo a 12 minutos do fim.
AF – Foi? Não me lembrava. Então foi pior ainda. Acho que tinha estado à altura a substituir o Bento e senti aquela troca como uma punição. Se entrei no jogo, devo ter entrado com uma cara… Pensei que na época seguinte ia ser mais dividido com o Bento, mas voltou a ser banco, banco, banco.
zz – O Bento nunca teve uma palavra consigo?
AF – Ele queria jogar sempre. Não, nunca teve. Dávamo-nos bem, mas não falávamos disso. Saíamos juntos, convivíamos cá fora, mas não tocávamos nisso porque não valia a pena e ele não facilitava. Ele tinha de jogar sempre, fosse quem fosse o outro.
zz – E em 1979 lá trocou o Benfica pelo Sporting.
AF – A meio da época, talvez perto do fim, um jogador do Sporting chegou perto de mim num treino da seleção. Eu passava a vida em estágios da seleção, onde era muitas vezes suplente do Bento. Isso até deu alguma controvérsia e com razão. Dois jogadores do Benfica para a mesma posição… Disse-me que o presidente João Rocha gostava de falar comigo para eu ver se teria interesse em ir para o Sporting.
zz – O que respondeu o Fidalgo?
AF – Lembro-me de ter dito assim: ‘Eu tenho interesse em ir para qualquer lado, não posso continuar no Benfica, se não a minha carreira acaba’. Estava completamente estagnado. Depois houve negociações. O meu pai falou com o senhor João Rocha, chegaram a um acordo e ele informou-me. Não assinámos nada, mas ficou tudo ali estabelecido. Mesmo assim o Benfica acabou por descobrir tudo.
zz – Como reagiram na Luz?
AF – Perguntaram-me os motivos para a minha saída, se era uma questão de dinheiro e até me fizeram uma proposta superior. Agradeci, mas disse-lhe que não valia a pena. O Bento ia continuar lá e eu, conhecendo o Bento, sabia que ele não ia facilitar nem um bocadinho. Quis sair. Estou eternamente agradecido ao Benfica, foi o Benfica que me catapultou para outros mundos, mas naquela circunstância e naquele contexto achei que tinha mesmo de sair.
zz – Em Alvalade teve o Vaz e o Justino como colegas de posição. O treinador era o professor Rodrigues Dias.
AF – Ganhei logo a titularidade e joguei até me lesionar na Madeira. Foi a primeira vez que me lesionei na vida, o massagista Samuel Marques disse-me para aguentar e que estava a acabar o jogo. Mal acabou, ele agarrou-se a mim e disse ‘não te mexas’. Levou-me ao balneário, fez-me umas talas com cartão, mandou-me levantar a perna e não mexi mais. Fui operado no dia a seguir. O Vaz passou a jogar e o Justino a ir para o banco.
zz – Ainda fez 19 jogos nessa época.
AF – Quando recuperei, o mister Fernando Mendes – que substituiu o professor – meteu-me a jogar a titular num jogo amigável e o Vaz ficou chateado. As coisas correram-me bem, ele teve uma má reação e o Fernando Mendes não terá gostado. O Vaz disse-me claramente que estava lixado, porque tinha feito um grande jogo contra o FC Porto.
zz – Até que surge o famoso jogo de Guimarães. O do autogolo do Manaca.
AF – Não é do Manaca nada (risos). Tínhamos de ganhar para sermos campeões. Julgo que o FC Porto empatou na Póvoa e nesse jogo em Guimarães fiz a defesa da minha vida. A cinco minutos do fim. Estávamos a ganhar 1-0, com esse tal autogolo do Manaca, e eu não o responsabilizo até hoje – se virem as imagens, ele salta com o Jordão, a bola bate-lhe na nuca e passa por cima do Melo.
zz – E a sua defesa?
AF – O Vítor Manuel, avançado do Vitória, rematou dentro da pequena área de cabeça, eu tirei a bola e bati com a cabeça no poste. Desmaiei, mesmo a acabar o jogo. Se não foi a melhor, foi a mais importante de todas as minhas defesas. No primeiro ano no Sporting fui campeão nacional. [Veja o VÍDEO para aceder à entrevista completa com o António Fidalgo]
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