Zerozero
·12 September 2025
Tiago Gabriel, o novo central da moda: «O exemplo de superação e sucesso no futebol de formação»

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·12 September 2025
Caro leitor, imagine o seguinte cenário. É jogador, tem18 anos e a 19 de maio de 2024 acaba de se sagrar campeão distrital da 1ª divisão da AF Lisboa - 5ª divisão nacional. Três meses depois, a 25 de agosto, estreia-se no Campeonato de Portugal (0-0) e apenas seis dias depois estreia-se na Primeira Liga nacional (0-1).
Que história, não é? O enredo fica ainda mais endeusado se, uns meses depois for transferido para uma liga top-5 da Europa, digamos a Serie A, onde se estreia em abril de 2025 (2-1), frente à histórica Juventus, e, cinco meses mais tarde, fizer a estreia absoluta pelas seleções portuguesas, logo nos Sub-21 (5-0) e como titular.
Muito resumidamente, foram estes os últimos 16 meses de Tiago Gabriel, jovem central português de 20 anos, que começa a dar cada vez mais que falar. Em Itália, já o comparam a Dean Huijsen, central espanhol do Real Madrid, e veem nele uma oportunidade de negócio para o Lecce, o seu clube atual, de lucrar bastante dinheiro. Luís Freire, o novo selecionador nacional Sub-21, juntou-se ao coro de elogios e «desenhou-lhe» um futuro risonho.
Por isso mesmo, o zerozero foi em busca de conhecer mais sobre este talento português que promete dar que falar nos próximos anos.
«É um jogador que passou por mim e me dá orgulho falar. Foi meu menino. É um rapaz que entrou dentro do meu círculo de jogadores queridos, por aquilo que alcançou, pelo que se esforçou e aceitou fazer. Por tudo o que passou, porque tem um background familiar difícil. Fez das tripas coração para conseguir os objetivos que tinha nessa primeira época no Estrela, em 23/24. Começou a ter alguma visibilidade e orgulho-me de ter trabalhado com ele. Vinha de Setúbal muito cedo para Lisboa para treinar nos Sub-23. Vimos o potencial dele, definimos um plano de 8/9 meses e esperávamos que na época seguinte já fizesse a pré-época na equipa A. O plano foi cumprido com muito sacrifício dele.»
A descrição é de Daniel Rosendo, treinador que conviveu com Tiago precisamente no ano apoteótico inicialmente descrito - das distritais à Primeira Liga -, nos Sub-23 e equipa B do Estrela da Amadora, em conversa com o zerozero.
«Foi um guerreiro autêntico e houve uma altura em que o Sérgio Vieira tinha falta de centrais, era para defrontar o Benfica e o Tiago veio à conversa. Chamaram-me para dar opinião sobre ele, ao presidente e estrutura. Disse que ele poderia jogar, fazer um bom jogo, mas falharia, por não estar ainda nos parâmetros desejados. É um jogador com uma passada enorme. Ensinámos a ler o jogo, a antecipar as situações, preparar a defesa, saber ocupar o espaço, estar em cima do jogador, liderar a linha. Com estes conceitos táticos, consegues superar as dificuldades que possa ter na agilidade e aceleração», prossegue.
A vida de Tiago Gabriel começou em França, onde nasceu em Montauban, mas cedo se mudou com a família para Portugal. Também cedo o futebol entrou na sua vida. Aos cinco anos já dizia aos familiares que queria ser futebolista e aos oito entrou para a formação do Sonho XXI, em Setúbal.
Aí ficou apenas um ano, dando prontamente o salto, com apenas nove anos, para o Sporting. Ficou ligado aos leões até 2020 e na prestigiada Academia de Alcochete conviveu com muitos craques da nossa praça. Foi lá que encontrou, no escalão de Sub-15, o técnico Pedro Coelho.
«O Tiago é o exemplo de superação e sucesso no futebol de formação. É exemplo de um jogador que chega ao futebol profissional e seleção nacional, não estando num clube grande. É verdade que faz um percurso de alguns anos no Sporting, mas também é verdade que, enquanto esteve no Sporting, nunca foi uma referência na sua geração. 2004 é uma geração de muito talento, tanto no Sporting, como nos restantes clubes. Ele tinha algumas características interessantes de um atleta a potenciar, mas não teve o seu espaço competitivo, que lhe desse uma confiança e margem de progressão extra. Saindo, é aí que o Tiago tem um crescimento competitivo assinalável», descreve-nos.
E assim foi. Apesar dos sete anos na Academia, Tiago nunca foi visto como uma referência e optou por sair, em 2020, para o histórico Vitória FC, bem mais perto de onde morava. Aí começou a ascensão meteórica que hoje tanto elogiamos - chegou a marcar, numa época, oito golos pelos juniores do conjunto setubalense.
Mas o que será que falhou em Alcochete?
«Se o Sporting não lhe identificasse talento, não tinha ficado tanto tempo. Com tantos anos, é porque a estrutura acreditava que tinha margem de progressão e características para se fazer jogador mais à frente. Mas também é verdade que alguns jogadores, por vezes, precisam de sair de um clube grande para aparecem de outra forma, mais confiantes e jogarem com regularidade. Às vezes não é pelo clube, mas o contexto em si. Quando sai para o Sporting, vai para o Vitória FC e nessa fase existe uma estabilidade maturacional maior. É muito alto, para a posição que ocupa tem o perfil ideal, teve a capacidade e oportunidade de jogar numa linha de cinco quando chega a Setúbal. Como central do meio, facilitou em termos de deslocamento. Soube crescer, dominar o jogo do ponto de vista técnico, físico e tático. Este clique foi muito bom para ele, para dar esse salto. É um exemplo de sucesso e superação para percebermos que existem diversos trajetos para atingir o futebol profissional», explica-nos Pedro.
A ascensão do jovem central luso foi meteórica e digna de um filme daqueles que inspiram, mas Daniel e Pedro concordam num ponto: para quem o conhece, não surpreende, mas a velocidade com que foi feita impressiona.
«Surpreende-me a evolução muito rápida que teve nos últimos três anos. Pelo perfil que ele tem, com o seu físico, capacidade de jogo aéreo, agressividade defensiva, desenvolveu indicadores muito positivos para um central de alto rendimento. Todo este trajeto que teve conciliou as características favoráveis que tem. Ter jogado muito nos Sub-23 e B do Estrela, ajudou a conciliar o seu entendimento tático», afirma Pedro.
«É mais fácil para um jogador que vem do Benfica ou Sporting chegar a estes patamares. O Tiago é aquela exceção que, de vez em quando, acontece. Sentíamos que tínhamos ali uma exceção (...) Tem um background marcado pelo drama e sacrifício. O episódio que mais me recordo com ele é que ele chegava a fazer jogos dos Sub-23 e equipa B seguidos durante algum tempo - ajudou a crescer muito. Nessa altura, teve uma pequena lesão, íamos jogar contra o Benfica e eu disse-lhe que não o ia colocar a jogar. A filha dele tinha nascido na noite antes, não dormiu nada e mesmo assim quis vir jogar para ajudar a equipa. Mostrou bem a resiliência dele», acrescenta Daniel.
Olhando para as exibições esta época, Tiago Gabriel tem confirmado o porquê do seu nome ser cada vez mais falado. Recentemente, foi titularíssimo nos dois jogos da seleção Sub-21, mas antes já o tinha sido nos três jogos disputados pelo Lecce - totalista nos cinco.
Se nos focarmos nas exibições na Serie A, frente ao Genoa (0-0) e Milan (0-2), os números fortalecem o crescimento evidente: venceu 82 por cento dos duelos no chão e 78 por cento dos aéreos, somando ainda 89 passes certos (86,4 por cento de acerto), quatro interceções e seis recuperações de bola. Um registo defensivo invejável e com potencial no capítulo do passe.
O que faltará, então, melhorar nesta fase, ainda precoce, da sua carreira? Curiosamente, os seus dois antigos treinadores tocam em pontos semelhantes, ligados à sua envergadura impressionante, de quase dois metros de altura.
«Tem de continuar a evoluir a sua dimensão técnica e tática no jogo e do ponto de vista físico. Tem de ser cada vez mais rápido e agressivo. A perceção do jogo é fundamental. Hoje em dia, os centrais são os organizadores de jogo em todas as equipas. É fundamental que tenha a capacidade de tomar as melhores decisões e de forma mais consistente. E o ponto de vista físico é fundamental. Os centrais de hoje em dia têm de ser atletas de excelência, de nível muito alto. Ele está num contexto favorável», aponta Pedro Coelho.
«Tem de trabalhar os ganhos musculares, que é algo difícil num corpo como o dele. É um corpo ectomorfo. É muito alto e não vai ser fácil colocar músculo naquele corpo. Se atingir esses níveis musculares, não consigo compará-lo com ninguém. Faço muita comparação com o Lucas Veríssimo, que estava no Benfica, que ganhava muitos duelos pela sua musculatura. Vejo o Tiago a caminhar para isso. Itália é um local fortíssimo para o desenvolvimento muscular dos jogadores e tenho a certeza que esse passo vai torná-lo num caso muito sério para qualquer equipa que o contrate», acrescenta Daniel Rosendo.
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