
Gazeta Esportiva.com
·14 de mayo de 2025
Balanço do Santos se enquadra em gestão temerária e abre possibilidade de afastamento de Marcelo Teixeira

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·14 de mayo de 2025
O Santos fechou 2024 com um déficit consolidado em R$ 105,2 milhões, segundo as demonstrações financeiras oficiais do clube. O valor representa 25,8% em relação à receita bruta do ano anterior. O resultado é considerado “ato de gestão irregular ou temerária” pela ‘Lei do Profut’ e, consequentemente, abre a possibilidade de Marcelo Teixeira ser afastado, pois a prática de gestão temerária é um dos motivos previstos no estatuto do clube que concede a qualquer membro do Conselho Deliberativo a oportunidade de requerer a abertura do processo contra o presidente.
A LEI DO PROFUT O programa de refinanciamento das dívidas federais dos clubes brasileiros (Profut) oferece vantagens, como descontos de 70% das multas, 40% dos juros, 100% dos encargos cobrados e parcelamento em até 20 anos. O Santos aderiu ao Profut em 27 de novembro de 2015 e registrou, até dezembro do ano passado, R$ 110,9 milhões de tributos parcelados junto ao programa.
A Lei 13.155/15 é fiscalizada pela Autoridade Pública de Governança do Futebol (APFUT) e determina contrapartidas para que os clubes possam usufruir dos benefícios, sob risco de exclusão, como já aconteceu com o Cruzeiro, que acabou impactado à época pela retomada da dívida original junto a União, sem os atuais descontos e parcelamento, com possibilidade de bloqueios de contas e patrimônios, além de incapacidade em obter patrocínios de empresas estatais, entre outras consequências graves.
DESCUMPRIMENTO DA LEI Algumas das contrapartidas que os clubes devem oferecer “para que mantenham-se no Profut”, como diz o texto da Lei, estão listadas no Artigo 4, tópico V, letra “b”:
“Redução do déficit, nos seguintes prazos: a partir de 1º de janeiro de 2019, para até 5% de sua receita bruta apurada no ano anterior”.
Em 2023, temporada que terminou com o rebaixamento do Santos à Série B do Campeonato Brasileiro, o clube obteve uma receita bruta de R$ 407,4 milhões. De acordo com a Lei, portanto, o déficit em 2024 poderia ter alcançado, no máximo, R$ 20,3 milhões, mas chegou à marca de R$ 105,2 milhões.
O valor final do resultado financeiro pertinente à última temporada também não respeita o Artigo 25, que no tópico VI condena como “gestão irregular ou temerária” todo gestor que “formar déficit ou prejuízo anual acima de 20% da receita bruta apurada no ano anterior”. No caso do Santos, o déficit de 2024 representou 25,8% em relação a receita bruta de 2023.
MOTIVO PARA IMPEACHMENT No ambiente político, as constatações publicadas nas Demonstrações Financeiras podem acarretar em discussão importante dentro do Conselho Deliberativo devido ao estatuto do clube prever, no Artigo 68, Seção VIII, tópico V, que é “motivo para pedir o impedimento do Presidente e/ou do Vice-Presidente do Comitê de Gestão do Santos” justamente os descumprimentos dos Artigos 4 e 25 da Lei do Profut:
“Ter ele praticado ato de gestão irregular ou temerária, ou não ter atendido as condições de manter o Santos no Profut, conforme definido pelos artigos 4º e 25 da Lei nº 13.155/15 ou dispositivo semelhante que vier a substituí-lo”, diz trecho do estatuto pertinente ao assunto.
Na eventualidade de algum membro do CD solicitar a abertura do processo para destituir o presidente Marcelo Teixeira, o rito aconteceria com peculiaridades, de novo por causa das causas relacionadas ao Profut, e que estão descritas nos parágrafos primeiro e segundo, subsequentes ao regimento do Artigo 69 do estatuto santista:
I – o Presidente do Conselho Deliberativo encaminhará o requerimento à Comissão de Inquérito e Sindicância, no prazo de 5 (cinco) dias de seu recebimento;
II – a Comissão de Inquérito e Sindicância dará, ao processado, ciência do processo de impedimento, no prazo de 5 (cinco) dias do seu recebimento;
III – o processado terá prazo de 10 (dez) dias, a partir do recebimento do expediente, para apresentação à Comissão de Inquérito e Sindicância da sua defesa e das provas que pretende produzir;
IV – esgotado o prazo para defesa, a Comissão de Inquérito e Sindicância emitirá parecer que, no decurso de 7 (sete) dias, entregará ao Presidente do Conselho Deliberativo;
V – em sessão do Conselho Deliberativo, especialmente convocada para deliberar sobre o pedido de impedimento, proceder-se-á primeiramente à deliberação dos motivos do requerimento de impedimento;
VI – no momento seguinte, será dada a palavra ao Presidente da Comissão de Inquérito e Sindicância, que sustentará o parecer da Comissão, sendo, em seguida, facultado ao processado a palavra para sua defesa;
VII – em seguida será processada a votação, em escrutínio secreto, do parecer da Comissão de Inquérito e Sindicância, que será aprovada mediante voto afirmativo de 2/3 (dois terços) dos membros do Conselho Deliberativo presentes; e
VIII – caso o parecer da Comissão de Inquérito e Sindicância seja devidamente aprovado pelo Conselho Deliberativo, a proposta deverá ser encaminhada para a Assembleia Geral, que decidirá definitivamente sobre o impedimento mediante voto afirmativo da maioria dos presentes.
Parágrafo Primeiro: Iniciado o pedido de impedimento pela hipótese prevista no Artigo 68, inciso V, poderão os demandados, independentemente de condenação judicial, ser afastados imediatamente e provisoriamente do exercício de seus mandatos, após a apresentação de defesa prévia, no prazo de 10 (dez) dias, por deliberação de 2/3 dos membros do Conselho Deliberativo com direito a voto presentes, em Assembleia especialmente convocada, com quórum mínimo de ½ (metade) do Conselho Deliberativo.
Parágrafo Segundo: Nos casos de pedido de impedimento motivado pela prática de ato de gestão temerária ou irregular do Presidente e/ou Vice-Presidente do Comitê de Gestão, caso o Conselho Deliberativo aprove o parecer da Comissão de Inquérito e Sindicância, na forma do inciso VII acima, o Presidente e/ou Vice-Presidente acusado ficará imediata e provisoriamente afastado de suas funções, até a deliberação definitiva da Assembleia Geral, prevista no inciso VIII acima. Caso referida deliberação da Assembleia Geral não ocorra no prazo de 60 (sessenta) dias contados da aprovação, pelo Conselho Deliberativo, do parecer da Comissão de Inquérito e Sindicância, o Presidente e/ou Vice-Presidente acusado será reinvestido em suas funções, sem prejuízo da deliberação pela Assembleia Geral acerca do pedido de impedimento, exceto se o atraso decorrer de conduta praticada pelo acusado ou no interesse deste, hipótese em que o afastamento provisório perdurará até a deliberação da Assembleia Geral. Se a Assembleia Geral aprovar o pedido de impedimento, reconhecendo a prática de gestão irregular ou temerária do acusado, o Presidente e/ou Vice-Presidente que tiver sido declarado impedido perderá automaticamente o seu mandato, com afastamento definitivo, e ficará inelegível, pelo prazo de 10 (dez) anos, para qualquer outro cargo no Santos.
JUSTIFICATIVAS RELATADAS No Relatório da Administração, apresentado junto as DFs, a gestão escreveu que as despesas financeiras foram impactadas pela atualização da taxa Selic mensal dos parcelamentos Profut, Perse e Parcelamento Simplificado. O clube também destacou que manteve as Certidões Negativas de Débito dos Tributos Federais e FGTS em dia visando a manutenção do clube dentro do Profut, atendendo às regras da APFUT, bem como para obter os benefícios da Lei do Incentivo ao Esporte.
As Demonstrações Financeiras do primeiro ano do atual mandato de Marcelo Teixeira foram auditadas pela Macso Legate Auditores Independentes, que em seu relatório não apresentou qualquer ressalva ou comunicação incorreta dos processos e resultados apresentados.
MANIFESTAÇÃO OFICIAL A Gazeta Esportiva procurou o Santos, por meio da assessoria de imprensa, para que o clube pudesse conceder explicações sobre os resultados em desacordo com a Lei do Profut. O clube respondeu em nota:
“O Santos FC esclarece que não existe possibilidade de exclusão do Profut. O clube vem desde 2015 quitando regularmente as parcelas do Profut, o que é comprovado pela certidão negativa de débitos válida até 25/08/2025. Além disso, das questões de exigências do Profut, todas estão plenamente e devidamente atendidas, como a manutenção do Futebol Feminino e a prestação de contas com demonstrativos financeiros anuais auditados e publicados.
Na parte financeira, com base nos números contábeis, o Ebitda (resultado contábil antes de juros, impostos depreciação e amortização) do Santos FC em 2024 atende ao exigido na Lei do Profut.
O déficit registrado em balanço é contábil, um dos menores entre os grandes clubes do país e ocorreu em função do difícil momento vivido pelo clube. Ainda assim, a atual gestão honrou o parcelamento adquirido em gestões anteriores e, mesmo com o rebaixamento para a Série B, alcançou superávit bruto operacional de cerca de R$ 60 milhões, registrado e auditado nas demonstrações financeiras.
Vale reforçar que o clube é um contribuinte especial junto à Receita Federal e, portanto, tem um rígido acompanhamento dos pagamentos de tributos controlados mensalmente. E, neste acompanhamento, não há questionamentos, comprovando que as obrigações tributárias vêm sendo honradas rigorosamente.
A gestão do clube está em permanente contato com o Profut/APFUT, com todas as exigências em dia. É de extrema importância que haja o correto entendimento do funcionamento do PROFUT/APFUT para que não ocorra o equívoco de supor uma “exclusão” do programa, o que não é previsto perante o pleno cumprimento das obrigações que vem sendo realizadas pelo clube“.
O QUE DIZ O CONSELHO O Conselho Deliberativo do Peixe, que é presidido por Fernando Reverendo Vidal Akaoui, da mesma maneira, se manifestou por meio de nota enviada à reportagem pela assessoria de imprensa do clube:
“Os demonstrativos financeiros do exercício de 2024 foram inicialmente examinados pela auditoria externa independente, que emitiu parecer sem nenhuma ressalva. Posteriormente, as DFs foram encaminhadas para o Conselho Deliberativo e Fiscal, conforme determina o Estatuto Social.
Na sequência, o Conselho Fiscal analisou os Demonstrativos Financeiros e o parecer da auditoria independente e recomendou a aprovação. Em sessão ordinária do Conselho Deliberativo, os Conselheiros presentes fisicamente ou de forma virtual aprovaram por unanimidade o parecer do Conselho Fiscal das contas da gestão referentes ao ano de 2024, por estarem de acordo com os ditames estatutários do clube“.
A Gazeta Esportiva solicitou explicação específica sobre o motivo do Conselho Fiscal e do Conselho Deliberativo terem optado pela aprovação das contas sem qualquer ressalva ou comentário sobre os descumprimentos dos Artigos 4 e 25 da Lei do Profut, mas não obteve resposta.
NÚMEROS FINAIS As Demonstrações Financeiras do Santos referentes a 2024 foram aprovadas por unanimidade no último dia 7 de abril. O documento apresentou, entre tantos detalhes, que a dívida bruta do clube bateu a marca de R$ 977,04 milhões, com uma dívida líquida de R$ 447,06 milhões.
O Santos conseguiu uma receita de R$ 459,4 milhões e comprometeu R$ 401,1 milhões com custos operacionais e despesas administrativas. O superávit de R$ 58,3 milhões não se confirmou devido a provisões para demandas judiciais, despesas e receitas financeiras, amortizações e depreciações, fatores determinantes para o déficit contábil final de R$ 105,2 milhões.
Apesar da recomendação pela aprovação das contas, seguida pelos membros do CD, o Conselho Fiscal alertou para o fato do endividamento (R$ 394 milhões) ter chegado a 30,9% da receita orçada para 2024, excedendo o limite de 10% previsto no estatuto do clube. O órgão, por isso, sugeriu que a diretoria organize um planejamento contábil que cuide do tema.