Central do Timão
·29 de noviembre de 2024
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Na noite da última segunda-feira, 25, o Conselho de Orientação (CORI) do Corinthians aprovou por unanimidade uma recomendação para que Augusto Melo seja imediatamente afastado de seu cargo, por praticar gestão temerária. A decisão foi justificada pelo apontamento de irregularidades na gestão, como a celebração de contratos sem licitação, ausência de documentos e falta da demonstração dos balancetes e de suas auditorias.
E nesta quinta-feira, 27, a Central do Timão obteve acesso à íntegra do relatório, aprovado pelos 13 membros que votaram na reunião do CORI. Ao todo, o documento tem 26 páginas, nas quais são descritas, em detalhes, uma série de possíveis irregularidades cometidas pela atual gestão do Corinthians no primeiro semestre deste ano, além de diversos questionamentos sobre decisões tomadas no período.
Foto: Rodrigo Coca/Ag. Corinthians
O documento se inicia com uma explicação sobre a estrutura do relatório. Na sua primeira parte, o CORI fez uma análise das contas do Corinthians relativas ao primeiro semestre de 2024. Em seguida, promoveu a “apuração das responsabilidades” de diversos atos da gestão Augusto Melo.
Para melhor entendimento geral, a Central do Timão também fará o detalhamento do relatório dividindo-o em tópicos, abordando os itens mais relevantes apontados pelo CORI na análise dos dois itens acima citados.
“Quebra de confiança”
Ao iniciar a análise das contas do primeiro semestre, o CORI faz um protesto, lembrando que já havia denunciado ao Conselho Deliberativo um comportamento reiterado da diretoria no sentido de não esclarecer diversas dúvidas do órgão sobre atos da gestão, e também de não entregar documentos essenciais para a fiscalização das condutas tomadas pelos dirigentes.
O documento chega a falar em “quebra de confiança”, citando situações como a notícia da “aparição” de R$ 220 milhões não citados anteriormente nos balanços do clube e a falta de satisfações sobre o dinheiro proveniente da antecipação de R$ 150 milhões em direito de Arena, promovida pela diretoria.
Então, o relatório passa a analisar contratos do clube com diversas empresas de prestação de serviços, apontando para possíveis irregularidades cometidas na celebração desses vínculos, por conta de ausência de assinaturas, anexos, valores e até mesmo justificativas de contratação.
Ao todo, são citados nove contratos, em sua maioria sobre serviços de limpeza e segurança patrimonial dos equipamentos do Corinthians, como o Parque São Jorge, o CT Joaquim Grava e a Neo Química Arena. Em cada um, o CORI aponta a ausência de algum tópico essencial para a análise plena da regularidade do vínculo com o clube.
O caso mais grave tem relação com a empresa Workserv Segurança Privada, já citada em matéria da Central do Timão sobre os polêmicos vínculos do Corinthians com empresas de segurança consideradas clandestinas. O relatório confirma que o compliance alvinegro rejeitou a empresa, apontando diversas red flags, ou alertas de irregularidades. Mesmo assim, a Workserv prestou serviços ao clube entre janeiro e junho, sem ter assinado qualquer contrato.
Por conta dessa situação, junto ao fato de a diretoria não ter apresentado cotações que demonstrassem que as contratações seguiram o rito determinado pelo estatuto do clube, o CORI se declarou impedido de “opinar positivamente” sobre a conduta da gestão nesse tópico.
Cartão corporativo
O item seguinte do documento faz referências aos gastos da diretoria com o cartão corporativo. Segundo informações passadas pelas diretorias financeira e administrativa do Corinthians ao CORI, há apenas um cartão, do banco Santander, ativo. E seus gastos foram consideráveis no primeiro semestre.
Entre janeiro e junho, os gastos no cartão corporativo do Corinthians chegaram a quase R$ 3 milhões. Janeiro registrou o menor valor, com R$ 92 mil em despesas. Já maio e junho registraram os maiores gastos: R$ 606 mil e R$ 988 mil, respectivamente.
No entanto, o Corinthians não forneceu ao CORI as faturas detalhadas destes gastos, impedindo o órgão de analisar o perfil das despesas. Dessa forma, o relatório também aponta a impossibilidade de aprovar os gastos citados.
Os altos valores registrados nas faturas do cartão corporativo do Corinthians também chamam a atenção, pois o presidente Augusto Melo havia afirmado nesta quinta-feira, em entrevista à TNT Sports, que não utilizava seu cartão corporativo. Dessa forma, não está claro de que forma o cartão atualmente sendo usado vem sendo administrado na diretoria, nem quem o administra de fato.
Empréstimo sem assinatura
Na sequência, o CORI se debruça sobre operações financeiras realizadas pela diretoria. Já no início do tópico, o órgão faz a ressalva de que não tem certeza de que a diretoria enviou todos os contratos firmados, pois não teve acesso às “composições e movimentações da conta” do clube.
O primeiro contrato trata de um empréstimo, tomado pelo clube junto ao banco Daycoval em 3 de junho no valor de R$ 7,1 milhões. O documento é assinado por Augusto Melo e Pedro Silveira, atual diretor financeiro, e entrega à instituição como garantia 70% da renda do Fiel Torcedor e 50% da renda dos jogos da equipe.
No mesmo dia, porém, outro empréstimo foi tomado junto ao mesmo banco, ainda maior, no valor de R$ 10,2 milhões. O contrato deste empréstimo, porém, não continha a assinatura de um representante do banco, muito menos de testemunhas.
Por fim, o relatório cita mais duas operações financeiras com outras empresas, com valor total de R$ 12,7 milhões. Um dos compromissos assumidos pelo clube foi firmado em 18 de janeiro, no início da gestão Augusto Melo, e outro em 21 de junho, alguns dias após os empréstimos tomados junto ao Daycoval.
EY: gastos incertos
O relatório conclui sua análise das contas do Corinthians no primeiro semestre dedicando seis páginas aos contratos firmados entre o clube e duas consultorias: a EY, que permaneceu no Timão entre janeiro e setembro, e a Alvarez & Marsal, que ingressou no Alvinegro em julho, tendo Fred Luz como seu representante junto à diretoria.
Sobre a EY, o CORI apontou “grande dificuldade de entendimento dos contratos”, não conseguindo estabelecer com precisão o valor exato gasto pelo clube com a consultora, expressando preocupação com isso, pois os valores envolvidos, se somados, podem ultrapassar os R$ 13 milhões.
Tendo como partes a EY, o Corinthians e também as pessoas jurídicas responsáveis pela Neo Química Arena (Arena Fundo II e Arena Itaquera), o contrato principal é datado de 8 de março, com outros sendo feitos em complemento a este para detalhar serviços específicos. Um destes serviços era o de assessoria, que o CORI descreveu como “semelhante” ao realizado pela KPMG, empresa parceira do clube durante a gestão Duílio.
Outro serviço que chamou a atenção do CORI foi o pedido de uma due diligence contábil e financeira nas contas da gestão anterior do Corinthians (2021 a 2023), pois normalmente a realização de uma due diligence acontece quando se deseja precificar uma empresa para estipular um valor para sua compra e venda por terceiros. O custo desse serviço pode ter chegado a R$ 6,5 milhões, segundo o relatório.
Outra questão citada fez referência a um serviço de análise de contratos e pagamentos firmados nos últimos seis anos no Corinthians, abrangendo as duas gestões anteriores à de Augusto Melo. O CORI confirmou que, neste pedido de investigação, havia uma cláusula que autorizada a EY a investigar os dirigentes do clube nesses anos, incluindo seus familiares. Melo havia negado, em reunião do Conselho Deliberativo (CD), que tal cláusula existisse.
Por fim, o CORI afirmou que não recebeu da diretoria alvinegra qualquer documento relativo à rescisão contratual entre o clube e a EY, muito menos demonstrativos dos resultados obtidos com os serviços prestados pela consultoria e pagos pelo Timão.
Alvarez & Marsal: ausência de informações
O órgão interno alvinegro inicia a análise da parceria entre Corinthians e Alvarez & Marsal observando que, enquanto transitava pelo compliance do clube, foram levantados conflitos em diversas cláusulas do contrato, e o mesmo não foi informado se as mudanças sugeridas ocorreram no documento assinado entre as partes.
Em seguida, o relatório resume parte do escopo de trabalho proposto pela empresa, citando itens como a revisão do organograma alvinegro, incluindo o departamento de futebol e a autonomia para analisar a viabilidade de operações de reestruturação, como recuperação judicial, regime centralizado de operações, fusão & aquisição e SAF. Augusto Melo negou publicamente, mais de uma vez, que o tema “SAF” tivesse sido debatido no Corinthians.
O documento aponta preocupação com a ausência de informações. Uma delas são as metas estabelecidas para a parceria entre a consultoria e o clube, o que impediu o CORI de analisar a razoabilidade dos valores propostos para a remuneração da empresa. O aditamento contratual que o clube alega ter feito também não foi apresentado ao CORI.
Por fim, o relatório aponta que, embora o contrato da parceria tenha sido assinado em 23 de julho, ele tem seu início estabelecido no dia 1º daquele mês, o que convalidou atos realizados pela consultora antes mesmo de estar vinculada legalmente ao clube.
Foto: Reprodução/Corinthians
“Gestão irregular e temerária”
Na segunda parte do relatório, o Conselho de Orientação parte para a apuração de responsabilidades da diretoria frente às supostas irregularidades encontradas durante a análise das contas do primeiro trimestre, dividindo-a em quatro itens de denúncia. O órgão afirma que a conduta do presidente Augusto Melo e da sua diretoria “compromete a saúde financeira e administrativa do Corinthians, provocando ainda indiscutível descrédito à instituição”.
O CORI ainda faz uma ressalva, afirmando que entende que a prática dos “atos nocivos” tem sido uma “realidade constante” nos últimos anos no Corinthians. No entanto, reforçaram que cabe a eles, no presente, cumprir com sua função estatutária, e agir de acordo com a legislação, não podendo “silenciar em fase de reiteradas irregularidades”.
Na compreensão do CORI, o erro de composições passadas dos órgãos fiscalizadores do clube, que não puniram condutas semelhantes em outras gestões, não daria a este CORI o direito de também errar, não fazendo nada diante do que enxerga como condutas irregulares da atual diretoria. Vale lembrar que dos 13 votos a favor deste relatório, nove vieram de conselheiros eleitos para o conselho com o apoio de Augusto Melo.
O primeiro item de denúncia trata do que o CORI chamou de “gestão financeira imprudente e temerária” por parte da diretoria de Augusto Melo. O documento afirma que tal conduta gerou prejuízos ao Corinthians, citando a contratação de jogadores por valores acima da média do mercado, e aponta que a situação financeira do clube se agravou, com o endividamento alvinegro aumentando R$ 180 milhões em seis meses.
Alguns dos tópicos citados nesse item são: os cerca de R$ 200 milhões gastos com contratações; a novela em torno da contratação de Matheuzinho; o alto valor pago pelo atacante Pedro Raul; as dezenas de contratações na base; a contratação “significativa” de conselheiros, sócios ou parentes destes para cargos dentro do Corinthians, no que o CORI chamou de “aparelhamento da instituição”; e os R$ 44 milhões de despesas gerados pela rescisão com a Pixbet.
“Falta de transparência”
O segundo item da denúncia fala sobre o que o CORI chama de “falta de transparência da diretoria”. O órgão afirma que a atual gestão do Corinthians se nega recorrentemente a prestar contas das suas ações, ignorando pedidos de esclarecimento. O órgão lembra que esse é um dos deveres mais simples de um presidente no Corinthians, e ainda assim vem sendo descumprido, segundo o documento.
O relatório lembra as diversas saídas de diretores da gestão, com a maioria usando como motivo para a saída o desconforto em aderir ao modelo de gestão de Augusto Melo. Também aborda o fato de o clube jamais ter protestado na Justiça contra a rescisão do acordo de patrocínio com a VaideBet, que recorreu à cláusula anticorrupção para tanto.
Além disso, também relembra que jamais foi informado sobre quais serviços a EY de fato prestou no Corinthians, e também a troca nas empresas de segurança, de forma “absolutamente irregular e obscura”, segundo o CORI.
Por fim, o documento observa a relação entre a diretoria e o empresário Igor Zveibrucker, presença constante no Parque São Jorge e que, segundo o documento, teria emprestado valores ao clube sempre dentro do limite que desobriga a diretoria a pedir autorização ao CORI para fazer a operação financeira. A diretoria jamais encaminhou os documentos relativos a esses empréstimos, de acordo com o relatório.
“Decisões administrativas prejudiciais”
O terceiro item lista uma série de decisões administrativas de Augusto Melo ou de sua diretoria que, na análise do CORI, foram prejudiciais ao Corinthians. Algumas são relativas a atletas, como a dispensa de Cássio sem a cobrança da multa rescisória; a confusa saída de Lucas Veríssimo; a apresentação de Matheuzinho sem contrato; o atraso na estreia de Garro por pendências financeiras; a situação obscura envolvendo a lesão de Palacios; e a saída de Mathias Rojas via FIFA, gerando um passivo financeiro que está sendo discutido na FIFA.
Fred Luz também é citado, devido ao fato de ter sido anunciado como CEO do Corinthians, antes mesmo de assinar o contrato com o clube, para após a assinatura do mesmo passar a figurar apenas como consultor, representando a Alvarez & Marsal, empresa da qual é um dos sócios.
Outros pontos são a permuta de colchões da Gazin por um camarote na Neo Química Arena, o duplo gasto com o técnico António Oliveira, provocado por sua contratação junto ao Cuiabá e demissão apenas três meses depois; o atraso de pagamentos dos funcionários CLT (situação que passou a não acontecer mais apenas no segundo semestre) e a omissão quanto ao recadastramento de sócios e implementação do reconhecimento facial em Itaquera, medida que a legislação tornará obrigatória já em 2025.
“Infringências estatutárias”
Por fim, o quarto item de denúncia trata de questões relativas ao estatuto social que estão sendo descumpridas pela diretoria de Augusto Melo, segundo o CORI. Uma delas é a não-divulgação mensal das demonstrações financeiras do clube. O órgão lembra que Augusto é cobrado recorrentemente a respeito disso, e ainda vem descumprindo essa questão.
Tal fato vem impedindo o órgão de analisar a real situação financeira do Corinthians, gerando que de acordo com o documento resulta em uma “falta de transparência” que gera “desconfiança e um profundo sentimento de insegurança”.
Outro ponto cita o artigo 119 do estatuto alvinegro, que reza que o CORI precisa autorizar qualquer operação de empréstimo cujo valor seja maior que dez mil salários-mínimos, o que segundo o órgão vem sendo descumprido desde o início da gestão.
O artigo 119 do estatuto também é citado. Ele fala sobre a obrigação de cotar pelos menos três orçamentos para qualquer serviço a ser prestado no clube. Segundo o CORI, a ausência de diversos documentos, e mesmo dos editais, é sinal de que tal obrigação também vem sendo ignorada pela diretoria.
Por fim, o CORI lembra do artigo 111, que observa a obrigação da diretoria em fornecer ao CORI e ao Conselho Deliberativo “todas as informações e documentos por ele solicitados”. Segundo o órgão, este artigo é descumprido regularmente, fazendo o mesmo afirmar que a diretoria corinthiana promove uma “sabotagem deliberada” aos órgãos fiscalizadores do clube, podendo comprometer o Corinthians frente ao PROFUT e à Lei Geral do Esporte.
Pedido de afastamento
Ao final de toda a análise, o relatório do CORI descreve a definição dos princípios da gestão esportiva na Lei Geral do Esporte, e recorre ao item “e” do artigo 106 do estatuto alvinegro, que afirma que a gestão irregular ou temerária é um dos motivos para requerer a destituição do presidente do Corinthians.
Então, observando que o relatório foi aprovado de maneira unânime, o CORI decidiu encaminhar o documento ao Conselho Deliberativo, para que fosse distribuído dos conselheiros do Corinthians, e também enviá-lo à Comissão de Ética e Disciplina do clube, requerendo que seja aberto um processo de destituição contra Augusto Melo – ou seja, o seu impeachment.
O CORI lamenta, ainda, que a postura da diretoria frente ao órgão, afirmando que a atual gestão “cerceia” os trabalhos de fiscalização do clube, e afirma que os gastos promovidos pela diretoria para “tentar buscar resultado desportivo a qualquer preço” foram irresponsáveis, e serão cobrados em 2025 pelos credores.
O documento é concluído com o CORI se dizendo impossibilitado de aprovar as contas do Corinthians neste primeiro semestre, por conta da falta de documentos e demonstrativos financeiros, e cita o fato de não haver, no momento, uma empresa de auditoria contratada no Corinthians. O CORI alerta que tal situação, se mantida, continuará impedindo que quaisquer contas do clube sejam apreciadas pelos órgãos fiscalizadores.
Importante lembrar que esse relatório, assim como suas conclusões, não tem qualquer relação com o atual processo de impeachment sofrido por Augusto Melo, e que será votado na próxima segunda-feira, 2. Este documento do CORI significa a possibilidade de o dirigente sofrer um segundo processo, caso a Comissão de Ética e Disciplina assim determine, após analisar o relatório.
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