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·16 de agosto de 2025
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A narrativa de superação é recorrente nas histórias de quem escolheu o esporte como propósito de vida. Emilly Marcondes, uma das principais referências do futsal feminino mundial, é exemplo disso. Ela transformou a dificuldade em persistência pra alcançar o sonho de viver exclusivamente do futsal e se tornar o alicerce de uma família numerosa e humilde.
A menina que cresceu jogando com os meninos nas ruas de Ilha dos Valadares, em Paranaguá, no Paraná, não imaginava que um dia seria eleita a melhor jogadora do mundo, prêmio conquistado em 2024 pela Futsal Planet, considerada a mais importante premiação individual do futsal mundial.
Na infância, enfrentou preconceitos em casa e na escola por gostar de um esporte predominante masculino. Filha de Dona Rosângela, uma mulher forte que batalhou sozinha para criar seus seis filhos, Emily conta que foi difícil convencer “a guerreira”, como ela a define, a aceitar sua paixão pelo futsal.
“Minha mãe tinha esse preconceito de não aceitar porque, para ela, bola não era para menina. Meu irmão, às vezes, me levava para os campeonatos escondido, de bicicleta. Até os 14 anos foi bem difícil ela superar que eu queria isso. Sempre tive boas notas, mantive a disciplina na escola, e acho que minha mãe deu um voto de confiança”, relata. “Chegou um momento em que eu falei: ‘Mãe, é isso que eu quero. A senhora tem que deixar eu ir, porque eu amo fazer isso, e sem isso eu não me reconheço’,” acrescenta Emilly, que garante que, mesmo muito nova, já sentia que sua vida seria dedicada ao futsal.
Emilly com a familia em Paranaguá, quando foi prestigiar a atleta nos dois amistosos do Brasil com a ColômbiaCréditos: Arquivo pessoal
Trajetória e desafios
Com apenas 11 anos, o futsal deixou de ser uma brincadeira. Emilly começou a treinar na antiga Fundação de Esportes de Paranaguá. Aos 14, começou a jogar profissionalmente pelo clube de Telêmaco Borba, onde permaneceu por cinco anos. O maior desafio no início da carreira foi a falta de apoio financeiro, contando apenas com bolsa de estudos na escola e na faculdade. Assim, conciliou com o esporte e conseguiu se formar em Administração.
“Às vezes, tinha mês que eu não tinha nada. Minha avó, aposentada, ajudava a complementar a renda em casa. Éramos em 12 pessoas. Pedia 50 reais para o treinador para comprar itens de higiene. O clube tinha patrocínio de restaurante, então, pelo menos, conseguia a alimentação do dia, o almoço. Às vezes, tinha patrocínio de padaria, então era lá que eu comia também,” relembra.
Emily teve passagens por clubes como Estrela de Guarulhos e UNIFOR (CE). Antes de ir para o São José, decidiu empreender. “Não tinha como sobreviver,” lembra ela. Com dúvidas sobre o futuro, tentou trilhar um novo caminho fora das quadras. “Era aquela dúvida: seguir no futsal, mesmo com todas as limitações, ou tentar algo diferente. Tentei abrir uma hamburgueria, mas não deu certo. Foi uma decepção muito grande, porque, para mim, aquilo era o plano B. Acreditei que fosse possível, mas realmente não foi,” lamenta.
O fracasso nos negócios também foi o ponto de virada. “Deus é tão maravilhoso que, às vezes, as coisas dão errado para dar certo. Mesmo com contas e dificuldades, deixei tudo para trás e voltei ao futsal,” conta ela.
Emilly na primeira passagem pelo Terrablanca, primeiro time europeu na carreira da atletaCréditos: Arquivo pessoal
Aos 21 anos, Emily recebeu sua primeira oportunidade na Espanha, jogando no Torreblanca, onde permaneceu por uma temporada. No mesmo ano, foi convocada pela primeira vez para a Seleção Brasileira. Entre suas maiores conquistas estão três edições da Copa América, incluindo a de 2025, e ela é bicampeã do Torneio Internacional de Xanxerê.
“Chegar na Seleção Brasileira e estar aqui há 9 anos é o maior sonho da minha vida. Poder ajudar minha família é o maior título que tenho até hoje,” afirma.
Emilly com troféu da primeira Copa América que conquistou em 2017 com a Seleção BrasileiraCréditos: Arquivo pessoal
Em 2022, Emily transferiu-se para o Burela, também na Espanha, onde atuou por quatro temporadas. Em 2024 foi campeã da Liga Espanhola, da Copa Rainha e da Super Copa da Espanha, além de artilheira da Liga Espanhola com 40 gols. Esse ano retornou ao Torreblanca.
Evolução da modalidade
Emily revela que seu maior salário antes de jogar na Espanha foi de R$ 1.200 — mesmo após ser convocada pela Seleção Brasileira. Ela defende que o futsal feminino precisa de investimentos contínuos, melhores salários e uma estrutura adequada nos clubes.
“Há 10 anos, o máximo que recebíamos por atleta era R$ 500 ou R$ 600. Era bastante difícil sobreviver com isso. Eu também precisava ajudar minha família. Sai de casa com esse propósito, e não tinha outros meios. O salário do futsal não sustentava,” explica.
Emilly celebra boa fase na carreira e trajetória com a Seleção BrasileiraCréditos: Nelson Terme/ CBF
Apesar das dificuldades, ela reconhece avanços importantes no cenário do futsal feminino e espera que continue evoluindo. “Hoje em dia, melhorou muito. Hoje eu vivo do futsal, consigo manter minha família,” comemora.
Ao final da entrevista, Emily deixou uma mensagem de inspiração para quem sonha em vencer no esporte ou na vida. Ela reforçou a importância da resiliência.
“A que o caminho das pedras é esse. Para alcançar o sucesso, é preciso enfrentar dificuldades, não tem outro caminho. É trabalhar, acreditar e jogar essa energia pro universo. Assim, você consegue chegar onde realmente quer.”