
Calciopédia
·8 juin 2025
Com atraso, Luciano Spalletti disse adeus à seleção italiana

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·8 juin 2025
Neste domingo, 8 de junho de 2025, foi comunicado o fim do ciclo de Luciano Spalletti na seleção italiana. Foram quase 22 meses de uma gestão que nunca empolgou desde o seu início, em 18 de agosto de 2023. O careca, recém-campeão da Serie A com o Napoli, deixou de lado um período sabático que durou pouco para assumir a Itália, deixada órfã por Roberto Mancini duas semanas antes. Entretanto, jamais conseguiu solucionar os problemas que emergiram no trabalho do antecessor após o título da Euro 2020 e até aprofundou dilemas. Depois da surra aplicada pela Noruega e de fazer a Nazionale praticamente debutar nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2026 tendo que se contentar com uma vaga na repescagem, sua situação ficou insustentável.
“O presidente [Gabriele] Gravina me informou que serei dispensado do cargo de treinador da seleção nacional após o jogo contra a Moldávia. Eu lamento, teria preferido ficar e tentar mudar as coisas. Sei que esse grupo é forte e que irá se classificar para a Copa do Mundo”, afirmou Spalletti, em entrevista coletiva. Sim, foi o treinador que informou sua saída, e não o mandatário da FIGC, a Federação Italiana de Futebol. Não foi a primeira demonstração de covardia do cartola.
O fato é que a demissão de Spalletti demorou demais para ser consumada. Gabriele Gravina, presidente da FIGC, deveria ter exonerado o treinador após o vexame na Euro 2024. Na verdade, a dupla deveria ter tido a dignidade de entregar o cargo ali mesmo. Uma década antes, o comandante Cesare Prandelli e o cartola Giancarlo Abete o fizeram por muito menos, quando a Itália foi eliminada na fase de grupos do Mundial de 2014 – e o ciclo, ao contrário do atual, era positivo, com bom futebol praticado, um vice na Euro 2012 e o terceiro lugar na Copa das Confederações de 2013.
A Itália só perdeu tempo com a continuidade do trabalho encerrado neste domingo. Depois da absurda entrevista coletiva que deu quando a Itália foi eliminada na Euro, a queda de Spalletti era questão de tempo. Naquele dia, ele perdeu o grupo, se é que um dia o teve. Afinal, o temperamento forte e os atritos com atletas foram marcas de vários de seus trabalhos em clubes.
Gravina e Spalletti não se demitiram após o vexame da Euro 2024 e só atrasaram a vida da seleção italiana (FIGC/Getty)
Em 29 de junho de 2024, Spalletti responsabilizou os jogadores pela queda da Itália: disse que faltou sacrifício e que muitos ficaram devendo individualmente. Sugeriu também que os atletas da Inter, base de sua seleção, teriam perdido o foco depois de terem vencido a Serie A 2023-24 com facilidade. Os nerazzurri convocados para a Eurocopa foram Alessandro Bastoni, Matteo Darmian, Federico Dimarco, Nicolò Barella e Davide Frattesi. Francesco Acerbi ficou de fora por conta de uma pubalgia – antes, chegou a ser excluído de uma convocação por uma acusação de ofensa racial ao brasileiro Juan Jesus, do Napoli.
Na mesma coletiva, o técnico até falou que a culpa da queda era sua, mas tudo era da boca para fora. Ao expor os seus subordinados, quebrou o tácito contrato social que existe numa relação de trabalho e, inclusive por isso, foi surpreendente a sua permanência no comando da Itália.
De lá para cá, a Itália só jogou bem numa vitória sobre a França, em Paris, pela Nations League. A rigor, as únicas boas atuações da seleção na gestão do toscano foram três: a já citada; a vitória sobre a Ucrânia nas Eliminatórias para a Euro, em 2023; e um triunfo em viagem à Bélgica, também pela edição 2024-25 da Liga das Nações.
Em campo, pouquíssima coisa. Fora dele, nem tanto. Depois da Eurocopa, emergiram problemas e burburinhos em torno da Nazionale. Spalletti reagiu a questionamentos da imprensa sobre a ausência de Acerbi das listas pós-Euro 2024 de maneira muito informal e exagerada: “você sabe quantos anos ele tem?”, respondeu a um repórter. Depois, chamou o zagueiro da Inter para os duelos contra Noruega e Moldávia, e recebeu a negativa do jogador, que afirmou ter se sentido desrespeitado pelo técnico.
A penúltima e desajeitada dança: vexame na Noruega sacramentou a saída de Spalletti (FIGC/Getty)
Roberto Mancini, ex-comandante da Nazionale, curtiu o comunicado do beque no Instagram e, em seguida, deu declarações sobre como havia se arrependido de, em 2023, ter pedido demissão da Itália para aceitar uma proposta milionária da Arábia Saudita. Estaria cavando seu retorno? O fato é que Spalletti, que ainda estava com o cargo (aparentemente?) preservado, não gostou nada da interferência do seu antecessor e manifestou publicamente sua insatisfação.
“Um dia Acerbi vai me explicar de que maneira acha que eu o desrespeitei e eu vou lhe dizer o é respeito, considerando o que ele fez comigo e, acima de tudo, com a seleção [ao rejeitar a convocação]. Acho que o celular de Mancini foi roubado ou hackeado e que alguém está se passando por ele, com essas curtidas, para colocá-lo numa situação ruim. Só pode ter sido isso que aconteceu”, afirmou o técnico demitido neste domingo.
Além das rusgas com Acerbi, Spalletti teve muita dificuldade de trabalhar com elenco completo nas datas Fifa pós-Euro. Todas as convocações da Itália no período foram pontuadas por muitas lesões e jogadores cortados. Hoje, esse tema foi colocado pelos jornalistas na coletiva de despedida do técnico, em associação a uma possível falta de sintonia com o grupo. Em suma, os repórteres queriam extrair de Spalletti alguma informação que pudesse evidenciar uma espécie de boicote a ele. Desejavam entender se o treinador acreditava que os atletas estivessem superestimando contusões e problemas físicos diagnosticados pelos departamentos médicos da Nazionale e dos próprios clubes para não representarem os azzurri – por não se darem bem com ele.
“Não me lembro de ter havido qualquer problema com os clubes. Nossa prática de cortar imediatamente jogadores que acusassem qualquer probleminha físico servia justamente para incentivar a colaboração [dos times] e evitar distúrbios [de equipes que não quisessem que atletas desgastados fossem convocados]. Se alguém usasse esse probleminha como desculpa para não representar a seleção, para mim seria justo não convocá-lo novamente”, disse.
Spalletti abandonou a entrevista coletiva em que comunicou sua demissão após ser confrontado pela imprensa (Ansa)
Pressionado sobre sua sintonia com o grupo, Spalletti foi ainda mais duro e confrontou os jornalistas presentes na sala de imprensa do CT de Coverciano. “Vocês seguem dizendo que não consegui encontrar nenhuma conexão com os jogadores, mas não dizem com quem. Falem um nome. Digam os nomes deles. Se algum deles lhes disse algo por telefone, eu gostaria de saber quem foi”, disparou, em tom acusatório.
Spalletti não se restringiu ao desabafo e continuou sua fala de maneira enigmática. “Considerando o que aconteceu ultimamente, acho que precisamos trabalhar nosso senso de pertencimento a esta seleção. Dado o meu caráter, acho que fui muito condescendente com isso”. Pouco depois, quando lhe perguntaram se havia se sentido traído por alguém, o treinador riu ironicamente, começou a agradecer aos membros da federação e do estafe, mas interrompeu a resposta e abandonou a coletiva. Para bom entendedor, meia palavra basta: os conflitos internos existiram na gestão do toscano.
Agora, faltando um ano para a Copa do Mundo de 2026 e apenas cinco meses para o fim da fase de grupos das Eliminatórias, a Itália terá que correr atrás de um técnico novo. Por culpa de Gravina, que não quer largar o osso e passar o bastão para alguém mais qualificado. O presidente da FIGC vai apoiando sua gestão no título da Euro, em 2021, mas o seu trabalho é péssimo. A mais nova barbeiragem foi a falta de timing para a demissão de Spalletti, visto que vários possíveis candidatos ao posto de treinador da seleção já estão empregados e assinaram novos contratos há pouquíssimo tempo.
Carlo Ancelotti, Simone Inzaghi, Massimiliano Allegri, Maurizio Sarri, Gian Piero Gasperini: todos firmaram novos vínculos recentemente. As opções são escassas. A volta de Mancini, que vinha cavando essa possibilidade ao acenar para Gravina com a possibilidade de aparar antigas arestas, não parece ser tão plausível. Na imprensa, fala-se na tentativa de tirar Claudio Ranieri da aposentadoria de novo e fazê-lo abdicar do posto de diretor da Roma ou apostar em Stefano Pioli, apalavrado com a Fiorentina. Pouquíssimo.