Quando as <i>estrelas</i> da Juventus se <i>alinharam</i> na Serie B: «O discurso de Del Piero arrepiou-me» | OneFootball

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·3 novembre 2025

Quando as <i>estrelas</i> da Juventus se <i>alinharam</i> na Serie B: «O discurso de Del Piero arrepiou-me»

Image de l'article :Quando as <i>estrelas</i> da Juventus se <i>alinharam</i> na Serie B: «O discurso de Del Piero arrepiou-me»

Caro leitor, imagine que clubes com a dimensão de Benfica, FC Porto ou Sporting disputavam a Segunda Liga, nem que fosse por uma única temporada. É um cenário bastante difícil de cogitar, certo? Bem, para os adeptos da Juventus e para os apaixonados pelo futebol italiano, este cenário não é assim bizarro. 

A época 2006/07 foi bastante atípica para os bianconeri, que trocaram temporariamente os maiores palcos do futebol europeu pelos modestos relvados da Serie B. De forma a tornar o cenário ainda mais bizarro, eis que algumas das grandes estrelas do emblema de Turim votaram 'sim' para a permanência no histórico clube. Um claro sinal de devoção pela instituição.


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De forma a saber um pouco mais sobre esta realidade alternativa, o zerozero entrou em contacto com dois jogadores que viveram de perto esta fase conturbada. Na antecâmara para o duelo frente ao Sporting, está na hora de puxarmos a cassete atrás com Davide Lanzafame e Felice Piccolo.

Calciopoli: e de repente, a gigante Juve desaba!

A Juventus não afundou por culpa de alarmantes resultados desportivos. Aliás, o conjunto de Turim era uma das principais potências do futebol mundial no arranque do século XXI: os bianconeri haviam conquistado o scudetto em 2001/02, 2002/03 e 2004/05, num glorioso período temporal que contou ainda com uma presença na final da Liga dos Campeões.

O grande contratempo acabaria por emergir fruto de ações administrativas pouco condizentes com a dimensão do clube. A verdade é que, em maio de 2006, a polícia italiana revelou escutas telefónicas que mostravam contactos ilegais entre dirigentes de clubes, árbitros e responsáveis da federação. O objetivo era influenciar a nomeação de juízes para determinados jogos da Serie A, com o intuito de beneficiar certas equipas.

No lote de envolvidos no escândalo 'Calciopoli', as designações de Milan, Fiorentina, Lazio e Reggina subiram à tona, porém, as punições não foram tão severas como as aplicadas à Vecchia Signora. As pressões de Luciano Moggi, diretor-geral à época, e de outros responsáveis levaram a que a Juventus perdesse os últimos dois títulos conquistados.

Para piorar a situação, os bianconeri foram galardoados com um bilhete rumo à segunda divisão, começando com uma penalização na tabela classificativa de nove pontos (!). Reinava a incerteza de como seria o ano seguinte e quais seriam os intervenientes que iriam integrar esta ingrata caminhada.

DEVOÇÃO! Craques bianconeri não viram costas à missão

De forma surpreendente, algumas figuras sonantes da companhia continuaram a vestir a capa de super-heróis da cidade: Gianluigi Buffon, Pavel Nedved, Mauro Camoranesi, David Trezeguet ou Alessandro Del Piero abraçaram a 'Missão:Subida'. No plano oposto, outros atletas desconhecidos acabariam por ter uma oportunidade dourada de mostrar serviço por uma das maiores instituições italianas.

À conversa com o zerozero, Davide Lanzafame, formado nas zebras, garantiu que atuar ao lado de tantos fenómenos foi algo «incrivelmente estranho», especialmente no seu primeiro vislumbre de futebol profissional. Já Felice Piccolo foi obrigado a retornar a casa, depois de cedências ao Lucchese, Como 1907, Reggina e Lazio. 

«O meu regresso passou por uma decisão unilateral, porque eu fazia parte dos quadros da Juventus desde os meus 14 anos de idade. Cheguei a ser comandado pelo Marcello Lippi em 2001/02, antes de seguir para sucessivos empréstimos. Acabei por sofrer uma lesão grave e tive de voltar a Turim para a operação. Depois de uma recuperação de seis meses, a Juve disse que precisava novamente de mim», contou ao nosso portal, numa primeira instância.

Questionado sobre a continuidade dos meninos queridos da massa associativa, Lanzafame assegurou que não estava à espera deste desfecho: «Os cinco craques que ficaram tinham o rótulo de 'classe mundial' e eram conhecidos em todo o lado. A maioria foi embora e seria normal se seguissem todos.»

«O Alessandro Del Piero, que passou praticamente a sua carreira toda no clube, deixou uma mensagem muito forte para os mais jovens... para além de se ter dinheiro, é necessário ter valores morais. É por isso que ele foi o eterno capitão da Juventus», acrescentou.

«O Nedved destacava-se pela sua mentalidade, era um robot»

No entanto, no meio de tamanha constelação, o futebolista que mais encheu as medidas do antigo avançado foi outro: «O Nedved destacava-se dos demais pela sua mentalidade. Apesar de já ter sido 'Bola de Ouro', quando as duas horas de treino acabavam, ele ia correr para um parque perto de casa. Com 34 anos de idade, continuava a ser muito dotado tecnicamente e tinha muita vontade de aprender. Era um robot

Curiosamente, o entrevistado em questão enalteceu ainda outro colega de posição, com quem conviveu entre 2004 e 2006: «O Zlatan Ibrahimovic chegou proveniente do Ajax. Notava-se que era diferenciado, mas estava longe daquilo que se viria a tornar. Lembro-me que o técnico Fabio Capello obrigava-o a fazer imensos remates no final dos treinos. Acabou por valer a pena [risos].»

O matador sueco acabaria por não acompanhar a turma de Turim no desafio na Serie B, optando por escrever mais capítulos da sua carreira no Inter. Patrick Vieira seguiu o mesmo caminho. Lilian Thuram fez as malas e rumou a Barcelona, já o avião de Emerson parou na capital espanhola.

Todavia, o médio brasileiro não fez a transição sozinho, tendo sido acompanhado por umas das figuras de proa da Juve: Fabio Cannavaro, vencedor da 'Bola de Ouro' em 2006. O central também assinou pelo Real Madrid, pela quantia de sete milhões de euros. Perdas expectáveis, mas dolorosas...

Um dissabor inicial para acentuar a pressão

Com nove pontos de desvantagem face à concorrência, a primeira aparição da nova Vecchia Signora estava agendada para o terreno do Rimini, onde atuava um jovem Samir Handanovic e Alessandro Matri. Antes de fazer a análise sobre esse duelo inaugural, Piccolo deixou um reparo.

«Naquele tempo, a Serie B era bem maior do que é hoje. Muitos craques passavam por lá. Luca Toni cresceu no Treviso e o Fabio Grosso foi chamado à seleção quando jogava pelo Palermo. O futebol italiano agora é outra coisa, não é igual há 20 anos», referiu.

A verdade é que as dificuldades da prova ficaram bem espelhadas na ronda inaugural. No Romeo Neri, os bianconeri não foram além de um empate a uma bola. Ao mesmo tempo, viram Napoli e Genoa - eventuais concorrentes diretos - superarem com sucesso os seus primeiros obstáculos [Nota: para os mais apaixonados, sugerimos a irem assistir os plantéis das duas equipas... algumas pérolas, não se vão arrepender!].

O antigo defesa confessou que algumas partidas durante a caminhada foram complicadas fruto da falta de preparação dos estádios, que não tinham capacidade para abrigar uma enorme moldura humana. Quem tinha a tarefa de ultrapassar estes e outros problemas, era um tal de Didier Deschamps, auxiliado por Claudio Ranieri.

«Existem dois tipos de treinadores. Aqueles que treinam o lado mais tático, mais posicional, como Guardiola ou De Zerbi, e os que priorizam a gestão dos atletas, como Ancelotti ou Mourinho. Didier Deschamps enquadrava-se mais neste segundo bloco e acabou por ser a opção perfeita. Ele não tinha de bater o pé, duas ou três regras eram suficientes para liderar a equipa. Pela seleção francesa, acabou por fazer o mesmo e conquistou o Mundial 2018. O seu pragmatismo foi decisivo», explicou Felice Piccolo.

Sobre o ambiente no balneário, o ex-Vicenza disse que a descontração se aliava com a seriedade, com as principais referências a expressarem aos mais jovens a impossibilidade do clube ficar mais um ano num degrau inferior. Já Piccolo referiu que havia diferentes tipos de liderança no vestuário. Por exemplo, Nedved era um «líder silencioso», que incentivava os restantes colegas com excelentes exibições, já Buffon era mais expressivo.

«Jogavam contra nós como se estivessem na final da Champions»

O resultado menos positivo no compromisso inicial não abalou os índices de confiança da equipa. À jornada 15 - após onze vitórias e três empates nos encontros que se sucederam -, a Juve já estava no topo da competição, com 28 pontos somados. Embora tenham acontecido alguns acidentes de percurso, o título adormeceu tranquilamente nos braços das zebras, que contabilizaram, apenas, quatro derrotas na prova.

Lanzafame assegurou que em nenhum momento teve dúvidas acerca do final feliz da história: «Sabíamos desde sempre que íamos regressar ao primeiro escalão. Obviamente que a pressão foi muita ao longo dos 38 jogos. Os adversários jogavam contra nós como se estivessem na final da Champions League. Contudo, havia uma diferença qualitativa muito grande entre nós e as outras equipas.»

Piccolo realçou que a hora dos festejos foi encarada de forma diferente pelos protagonistas: «Para mim, para o Antonio Mirante e para Marchisio foi um momento 'uau', mas para os outros, habituados a grandes feitos, foi algo natural. No entanto, houve algo que me marcou... o discurso do Del Piero. Ele fez questão de agradecer a todos os jovens jogadores que fizeram parte desse ano. Foi muito especial.»

«Apanhei já uma versão diferente dele. Era o jogador perfeito antes da lesão grave no joelho [em 1998]. Teve de reformular a sua maneira de jogar. Já não foi tão incrível, porque passou a ser um bomber, um avançado de área», esclareceu. Porém, o Principe di Turin, com 32 anos de idade, acabou mesmo por ser o melhor marcador da competição, com 21 golos anotados em 35 jogos disputados. Nada mau, longe disso.

Nem Felice Piccolo, nem Davide Lanzafame foram opções muito utilizadas pelo técnico gaulês durante a época 2006/07. No entanto, ambos os entrevistados acabaram por figurar com regularidade em emblemas do principal pedestal do País da Bota [aliás, o ponta de lança acabaria por regressar a casa, três anos depois].

O antigo matador, com passagens no futebol húngaro e turco, enalteceu que esse ano ficou bem patente na sua memória: «Foi um sonho. Ver toda esta qualidade foi muito importante para o meu desenvolvimento. A forma como eles se comportavam, dentro e fora do campo, foi algo que eu quis replicar na minha vida.»

Após um valente abanão, a Juve entrou numa fase de reestruturação na Serie A até alcançar um período hegemónico a nível nacional. Foram nove os scudettos conquistados de forma consecutiva, entre 2012 e 2020, num claro sinal de ressurreição. Foi preciso um grande susto para o gigante acordar.

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