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·4 novembre 2025

Paul Walsh recorda Tragédia de Heysel: «Tiveram a brilhante ideia de fazer o jogo num <i>buraco</i>»

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29 de maio de 1985, final da Taça dos Campeões Europeus. Liverpool e Juventus, duas potências do desporto-rei, mediam forças. A festa estava montada na Bélgica para mais um evento memorável de futebol. O dia acabaria mesmo por ficar registado na mente da vasta maioria dos espetadores, mas não por bons motivos.

A 'Tragédia de Heysel' ficou marcada pela cruel vitória do fanatismo clubístico, com a violência e a desorganização a serem catalisadoras do término de múltiplas vidas. Entre o pânico e o choro, várias famílias viram o seu mundo desabar, numa das datas mais sombrias que esta modalidade vivenciou.


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A poucas horas do duelo entre o Sporting e a Juventus, o zerozero recorda a noite em que o futebol (temporariamente) morreu, uma noite narrada por Paul Walsh, figura incontornável da história dos reds, que, para seu desalento, viveu de perto esta página assombrada. A visão de quem foi figurante de um espetáculo trágico.

Quando o hooliganismo abateu o muro do bom senso

O 'hooliganismo' é uma palavra inserida no dicionário desportivo há largos anos. Os recorrentes atos de agressão sempre foram uma forma comum da fação rebelde se expressar, num notório sinal de falta de empatia por eventuais vítimas ou danos provocados.

No Stadio Olimpico, a final da Taça dos Campeões Europeus 1983/84 já havia sido marcada por sérios conflitos entre simpatizantes do Liverpool e da Roma. Como tal, tendo em conta as incidências do ano anterior, era expectável uma segurança acrescida no Heysel Stadium, palco escolhido para abrigar o derradeiro encontro.

Em Bruxelas, no meio da plena euforia (e do excessivo consumo de bebidas alcoólicas), a multidão foi-se dirigindo para dentro do recinto, com os lugares atribuídos aos simpatizantes de cada clube - atrás das balizas - a situarem-se numa zona oposta à dos adversários.

Todavia, a secção 'Z', localizada junto aos adeptos da turma inglesa, não estava destinada a nenhum emblema em particular, acabando por ser ocupada, na sua vasta maioria, por apoiantes da vecchia signora. Esta proximidade com os rivais revelou-se tentadora para os apaixonados ingleses, que rapidamente entraram em ação.

Por volta das 19 horas, o segmento em questão começou a arremessar objetos em direção à oposição, antes de quebrarem a barreira que separava os dois núcleos. A escassa força policial presente no respetivo local foi insuficiente para travar a investida, que provocou o tumulto da massa associativa bianconera.

A indefesa multidão, movida pelo medo, apressou-se em direção à parte inferior da bancada, procurando fugir pelo relvado. Contudo, o distúrbio gerou dimensões incontroláveis, com os adeptos a empurrarem-se uns aos outros numa autêntica batalha campal pela sobrevivência. 

De forma trágica, o muro de 90 centímetros acabou por ceder com a acrescida pressão, levando consigo várias vítimas. Uma avalanche de terror, que levou ao falecimento de 39 pessoas e de um número bastante elevado de feridos. Entre os corpos espalhados no terreno, o desespero estava bem espelhado no rosto dos presentes, que choravam intensamente pela perda dos seus.

Após este cenário dantesco, tudo faria crer que a partida seria cancelada, ou pelos menos remarcada para outra data. Porém, os responsáveis pela organização do evento tinham uma outra ideia em mente...

«Não tínhamos noção da gravidade, não havia telemóveis»

Com receio dos desacatos que poderiam ocorrer nas ruas de Bruxelas, fruto da revolta dos adeptos, a UEFA deu indicações para um surpreendente apito inicial. Paul Walsh, em conversa com o zerozero, revelou que quando entrou em campo, não estava a par da magnitude do desastre.

«Sabíamos que algumas pessoas tinham morrido, mas não tínhamos noção da gravidade da situação. Na altura, não havia telemóveis e redes sociais. A informação era transmitida muito mais devagar. O ambiente vivido era bastante negro, porém, não são todos os dias que um jogador tem a oportunidade de jogar uma final da Taça dos Campeões. É uma visão um pouco egoísta, eu sei», referiu numa primeira instância.

«Estivemos com a cabeça focada no jogo, mas no final da partida apercebemo-nos realmente do que se tinha passado. Olhámos com mais atenção para tudo aquilo que nos rodeava. Aliás, o nosso balneário era mesmo ao lado do muro que caiu. Foi uma situação bastante perturbadora», acrescentou.

O antigo avançado dos reds acabou por abandonar o encontro de forma precoce. Ao tentar alcançar um passe de Phil Neal, o internacional inglês agravou uma rotura no músculo do estômago e acabou por ser substituído ao intervalo. Paul já não assistiu à segunda parte e, como tal, também não viu o exímio penálti de Michel Platini, que ditou o triunfo da Juve.

Contudo, Walsh retirou do baú de recordações uma memória relativa aos atípicos festejos: «O Platini estava com o troféu na mão, que nem sequer tinha sido apresentado, e carregou-o pelo estádio. O problema é que todos os adeptos já tinham sido encaminhados para fora. Só me lembro dele encolher os ombros, como quem diz, 'não sei bem o que aconteceu'. Ninguém estava com disposição para comemorar

«Quando no circo morre o trapezista, entram os palhaços». Palavras proferidas pelo único marcador da partida, após o término da batalha. Questionado sobre a visão da estrela gaulesa, o ex-ponta de lança preferiu não abrir muito o livro, porém, acabou por corroborar.

'Desastre de Hillsborough': Walsh aponta o dedo ao... Liverpool

A 'Tragédia de Heysel' foi antecessora de outro grande incidente espoletado no final da década de 80. Em 1989, o Estádio Hillsborough, em Sheffield, acolheu a meia-final da Taça de Inglaterra, entre Liverpool e Nottingham Forest. Tal como em solo belga, na antecâmara para o embate, ninguém antecipava um acontecimento tão cruel.

As más decisões policiais e o controlo inadequado das multidões levou a que milhares de adeptos fossem direcionados para zonas já sobrelotadas. A multidão foi comprimida contra barreiras metálicas junto ao relvado, provocando um esmagamento fatal. 97 pessoas perderam as suas vidas, num desastre que contemplou, ainda, mais de 700 feridos [sabe mais sobre este capítulo sombrio aqui].

O entrevistado apontou o dedo ao antigo clube, comparando as homenagens feitas a cada uma das ocorrências: «A noite em Heysel foi horrível para todos. Eu não acho que o Liverpool dê a devida atenção ao que se passou, porque nenhum adepto do próprio clube morreu. Eu entendo que no 'Desastre de Hillsborough', as 97 pessoas que faleceram eram apoiantes dos reds, mas não se deve desvalorizar o outro triste episódio.»

«A UEFA nunca assumiu a responsabilidade pelo recinto»

Os dias posteriores ao caos foram pautados pela culpabilização dos adeptos do Liverpool, apelidados pelos meios de comunicação espalhados pela Europa como 'red animals', 'assassins' ou 'english murderers'. A UEFA seguiu o mesmo pensamento, emitindo uma nota oficial onde apenas visavam os hooligans pelo sucedido. No entanto, Paul Walsh enalteceu que a lista de responsáveis é bem mais extensa do que aquela que se fez parecer.

«O estádio não tinha capacidade para acolher um jogo desta magnitude! O Liverpool foi culpado de tudo o que aconteceu, mas a manutenção do recinto era assustadora. A UEFA nunca assumiu a responsabilidade por isso. No ano anterior, a final tinha sido jogada no Stadio Olimpico, que consegue aguentar com 80 mil espetadores. Fantástico. Já em 1985, tiveram a brilhante ideia de agendar o jogo para um buraco, um terreno em ruínas onde só cabiam 37 mil pessoas», afirmou, ainda revoltado. 

«Eu sei que esta final deve ser jogada em vários cantos da Europa, mas a condição do estádio deveria ser um fator decisivo para a escolha. O Liverpool acabou por pagar a fatura por isso. Aliás, quem pagou a maior fatura foram as 39 vítimas mortais. Há uma perspetiva futebolística e há uma perspetiva humana», prosseguiu.

Uma Tragédia, vários maus da fita

A verdade é que as debilidades da estrutura foram mesmo comprovadas no dia consequente à catástrofe: Gary Clarkson, Subchefe da Brigada de Incêndio de Londres, inspecionou o recinto e encontrou múltiplos problemas, incluindo a defeituosa construção dos pilares que sustentavam o muro que ruiu.

A Real Associação Belga de Futebol também não ficou bem na fotografia, tendo sido detetados vários erros organizacionais. Por exemplo, apenas um médico e 150 voluntários da Cruz Vermelha estavam presentes num evento considerado, a priori, de alto risco. Para além disso, o polícia responsável por capitanear a temível Secção 'Z' não tinha qualquer experiência em jogos de futebol.

De realçar que as equipas inglesas foram banidas das competições europeias por cinco anos, com os reds a terem de cumprir um ano extra de suspensão. Destaque, ainda, para os 14 supporters da turma britânica que foram condenados a três anos de prisão.

Inaugurado em 1930, o Estádio de Heysel foi encerrado logo após a tragédia, sendo posteriormente reconstruído e reaberto em 1995, com outra designação: Stade Roi Baudouin.

Depois de uma dose bastante emotiva, brota a questão que não quer calar: «Paul, se soubesse do que estava a acontecer, você e a sua equipa teriam entrado em campo?».

Caro leitor, despedimo-nos com a perentória resposta.

«Se todos soubessem de antemão o pânico vivido nas bancadas, tenho a certeza que a partida nunca teria sido disputada. A verdade é que agora é bem mais fácil falar das nossas ações. Independentemente de tudo isso, sinto que estive dentro de um filme de terror do qual nunca me vou esquecer.»

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