A Copa do Mundo também é uma conquista da devoção argentina: por Diego, por Messi, pela razão de ser torcida | OneFootball

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·19 de dezembro de 2022

A Copa do Mundo também é uma conquista da devoção argentina: por Diego, por Messi, pela razão de ser torcida

Imagem do artigo:A Copa do Mundo também é uma conquista da devoção argentina: por Diego, por Messi, pela razão de ser torcida

O futebol, para o argentino, é uma devoção. Torcer é uma razão de ser. E o maior símbolo de pertencimento está nos clubes, o que alimenta a paixão dia após dia, o local, o que é identidade mais do que simplesmente o querer vencer. Quando a seleção joga, porém, os limites se expandem. O que era o bairro se transforma em todo o país. E o garoto do potrero, aquele que encanta quem passa na rua e o vê desfilando no campinho de terra batida, é incorporado com a 10 albiceleste nas costas. Por anos a torcida argentina se devotou a um menino de Villa Fiorito que entortou ingleses e desafiou o mundo para mostrar como o futebol argentino é aquele que se vive com a alma. Diego sempre explicou ao mundo de que fibra era feita a sua gente. A gente que sente falta de Diego, mas que o leva vivo dentro do peito, para ser devota de um novo garoto do potrero. O menino prometido, messiânico, que, de novo, explicou ao mundo de que fibra é feita a sua gente e qual o tamanho de sua devoção.

A campanha da Argentina na Copa do Mundo de 2022 não é feita só das quatro linhas. Não é resumida apenas pelos 26 heróis que levaram o país de volta à sua terra prometida, o topo de uma Copa do Mundo. Acima de tudo, o Mundial albiceleste tomou forma como uma profissão de fé – nas ruas, nas arquibancadas. E seria assim, com uma inabalável certeza, que dezenas de milhares de devotos atravessaram continentes para estar no Catar. Que superaram limitações financeiras, que fizeram sacrifícios, que queriam estar presentes. Pareciam pressentir que esta era realmente a hora.


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A própria seleção argentina, afinal, é mais forte a partir dessa devoção. Basta ver o que aconteceu a partir da conquista da Copa América. Era como se os 29 anos de jejum correspondessem a uma penitência da qual a Albiceleste finalmente se via livre. E o que nasceu daquela noite no Maracanã foi uma comunhão que não apenas uniu todo o país ao redor de uma causa, mas também reverberou no peito dos jogadores. Todos tinham um propósito, parecia claro. Guiados pelo menino do potrero é que poderiam ver a luz: o brilho da tão sonhada Copa do Mundo.

A fé dos argentinos tinha um mantra: Messi precisa ganhar uma Copa do Mundo. Por tudo o que representa, por todo o bem que faz ao futebol, por tudo o que significa aos argentinos. E se antigamente muitos o viam como o garoto dos campinhos artificiais da Catalunha, o tempo tratou de mostrar como aquele menino ralou muito o joelho nos potreros de Rosário, onde também não se cansou de levantar poeira para driblar os adversários. Não eram só os torcedores que esperavam ver Messi lá no alto, porque se identificavam com ele. Eram os próprios jogadores, torcedores a mais que se encantaram com o 10 ao longo da vida e sabiam como somente a conquista da taça faria jus à sua história.

E a devoção do argentino, que muitas vezes não precisa de provas materiais para se professar nas arquibancadas, passou a rogar constantemente aos céus. Não ter mais Diego na terra para inspirar toda aquela jornada era um pesar. Porém, o argentino devoto é aquele que imagina que Diego não morreu, mas que ascendeu aos céus. Que olharia pela albiceleste para a caminhada no deserto enfim cessar. Não era só por Messi que os albicelestes desejavam a Copa do Mundo, era para honrar Diego. Para mostrar como seu legado permanecia vivo, transfigurado em outro garoto do potrero, ainda com a 10 às costas.

A Argentina que chegou embalada na Copa do Mundo levou uma multidão em procissão ao Catar. Carregavam a imagem de Messi em bandeiras, como um credo de que o dia esperado chegaria. Mas também traziam tantas e tantas e tantas, obrigatórias, referências a Diego. O velho Diez era como um verdadeiro talismã. Como o deus que, feito homem, mostrou o caminho do ser argentino através do torcer. A essência que os regeu por tanto tempo em sofrimento para transformar-se, agora, em alegria.

Sofrer ainda foi parte do ser. Mas, à medida que a Argentina avançou, mais e mais gente entendeu que aquela seria mesmo a hora. Mais e mais gente viajou ao Catar. Mais e mais gente compareceu às arquibancadas. Mais e mais gente exibiu com orgulho a imagem de Messi, de Diego. Mas se tem uma coisa que a Copa do Mundo ensina, que Diego antes ensinou, é que ela não se joga em um só lugar. Por isso mesmo, as ruas da Argentina (e da Índia, e de Bangladesh, e de onde mais fosse) viraram templos dessa religião chamada futebol. Multidões de fiéis enebriados pela mesma fé de que a hora era essa.

O rito da Argentina durou 90 minutos ao longo da Copa, por vezes 120, em sete dias. E não dava para negar como aquela cantoria contagiava. Se os árabes foram locais no Mundial do Catar, os argentinos também se sentiram em casa. A identidade no torcer era o que levava o país para o meio das arquibancadas, numa mesma sintonia para cantar juntos, para apoiar o time, para fazer a Albiceleste também jogar mais nessa liturgia cantada. As músicas dos argentinos grudavam na mente. Os próprios jogadores por vezes pareciam querer entoá-las. Era o que os segurava nas provações, mas que, em outros momentos, os fez jogar por música.

E ao final de cada um desses sete passos, vinha uma nova comunhão, elenco e torcida. Nas comemorações diante das arquibancadas, a própria equipe de Lionel Scaloni escancarava ao mundo do que era feita, a quem pertencia, qual a sua fibra. Em tantos momentos, os jogadores não diferiam em nada dos torcedores. Inclusive os ex-atletas da seleção, que deixavam isso ainda mais expresso na hora de vibrar. Ninguém se via necessariamente como um imortal para se afastar de sua gente. Acima deles, afinal, só Diego. Estavam mais empenhados a elevar Messi a esse pedestal.

Por fim, o ato final dessa epopeia teria doses cavalares do que é o mistério do futebol: a emoção do imprevisível. Do que é o torcer à flor da pele. De como o argentino se entende, se sente, se vê espelhado na seleção. A plenos pulmões, as arquibancadas jogaram com o time em Lusail. Foram bem mais presentes que os adversários, foram bem mais necessários quando a perna parecia vacilar. De qualquer maneira, o destino daquela final parecia até escrito, mesmo que as tentações botassem a fé à prova. A cena derradeira, enfim, de Messi com a taça no mais alto dos céus. No mais perto possível de Diego.

À medida que as horas passam, a multidão deixará o Catar. O epicentro, o destino final, o potrero, ainda é a Argentina. É por lá que a grande massa de devotos realmente está, são eles que esperam a volta messiânica de Messi. Conta-se que a comemoração de 1986 durou dias, com os mais fiéis em vigília diante da casa de Diego para guardá-lo no alto de sua glória. Neste momento, resta esperar algumas horas e imaginar o que será do novo menino do potrero, 10 e faixa, a se eternizar. A devoção já é dele. Neste domingo, todas as preces se tornaram realidade. A Copa do Mundo também é dele.

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