Calciopédia
·20 de junho de 2024
In partnership with
Yahoo sportsCalciopédia
·20 de junho de 2024
O fim da década de 1940 e todos os anos 1950 foram terríveis para o futebol italiano. Em 1949, o desastre aéreo que vitimou o Grande Torino, um dos maiores times da história da modalidade, afetou diretamente a seleção da Itália, que perdeu alguns de seus maiores craques. Para a Nazionale, isso resultou na ausência na Copa do Mundo de 1958 e em campanhas ruins nas duas edições anteriores da competição. Uma das raríssimas alegrias desse período foi a goleada sobre a Bélgica, em 1954.
A Copa de 1954, disputada na Suíça, teve peculiaridades – que não agradaram e não foram repetidas em outros Mundiais. Segundo o regulamento, as duas seleções sorteadas como cabeças de chave dos seus grupos não se enfrentariam, e cada equipe faria apenas duas partidas nesta etapa da competição. Em caso de empate em pontos entre a segunda e a terceira colocada, seria disputado um jogo extra para definir qual delas avançaria para o mata-mata. Vale destacar ainda que havia prorrogação de 30 minutos se um confronto terminasse em igualdade, mesmo na primeira fase do torneio. Se o resultado persistisse até o fim dos 120, só aí um pontinho era dado a cada um dos times. Ou seja, não havia pênaltis.
Não bastasse este regulamento pitoresco, a Itália ainda teria azar no sorteio das chaves. Os azzurri caíram no Grupo 4, o único totalmente europeu, ao lado de Inglaterra, Bélgica e da anfitriã Suíça. Jogar com os donos da casa costuma ser desfavorável para os forasteiros e isso se confirmou na estreia da Nazionale, derrotada por 2 a 1 em Lausanne, numa polêmica arbitragem do brasileiro Mário Vianna, que chegou a apanhar de alguns atletas italianos. No outro jogo da primeira rodada, ingleses e belgas ficaram num curioso 4 a 4.
Como Itália e Inglaterra foram as cabeças de chave, não se enfrentariam. Para seguirem com chance de avançarem às quartas de final, os azzurri, portanto, teriam que vencer a Bélgica e ainda torcerem para um triunfo britânico sobre os helvéticos. Ao menos, a Nazionale teria um ambiente favorável: o jogo ocorreria em Lugano, cidade localizada no cantão de Ticino, o único de maioria italiana em toda a Suíça, e na fronteira com o próprio território itálico. Ou seja, seria como jogar em casa.
Contra a Bélgica, Pandolfini foi o herdeiro da faixa de capitão da Itália, já que Boniperti desfalcou a seleção (Guerin Sportivo)
Não era só a Copa de 1954 que tinha suas peculiaridades. A Itália que disputava a competição, também. Para começar, era comandada por um técnico estrangeiro, o que raras vezes ocorreu na história – anteriormente, apenas na década de 1910, o suíço Hugo Rietmann e os ingleses William Garbutt e Harry Goodley integraram comissões técnicas dos azzurri, em tempos em que não havia um único treinador. Desde novembro de 1953, o responsável pela Nazionale era o húngaro Lajos Czeizler, auxiliado por Angelo Schiavio e Silvio Piola, campeões mundiais em 1934 e 1938, respectivamente.
A experiência com Czeizler não daria certo – e, por isso, nenhum estrangeiro voltou a comandar a Itália subsequentemente. Porém, o húngaro era um treinador gabaritado. Lajos teve experiências em times italianos nos anos 1920 e 1930, mas se destacaria na Suécia, ao longo de uma década de trabalho. Assim, tornou ao Belpaese acertado com o Milan e levando a tiracolo o trio formado por Gunnar Gren, Gunnar Nordahl e Nils Liedholm. Simplesmente os três atletas que, em 1951, deram fim a um jejum de scudetti vigente desde 1907 e elevaram os rossoneri, então modestos, ao patamar de gigantes. O professor tinha crédito de sobra e, por isso, foi escolhido pela FIGC para dirigir os azzurri.
Czeizler, porém, tinha de lidar com um vestiário dividido e atletas de personalidade forte. Seu estilo não era draconiano, como o de Vittorio Pozzo, técnico azzurro de 1929 a 1948 e bicampeão mundial no período. Ao contrário, o húngaro tentava ser diplomático, o que acabava desagradando um pouco a todos. E o técnico sofria pressão de todos os lados, incluindo de diretores da federação, que tentavam impor suas preferências.
Nas jogadas aéreas, Galli deu muito trabalho à frágil defesa belga (Arquivo/Città di Lugano)
Com seis jogadores, a Inter, bicampeã italiana em 1953 e 1954, compunha a base da Itália. A seleção tinha também o craque Giampiero Boniperti e mais quatro peças da Juventus, vice por duas vezes seguidas, e quatro da Fiorentina, terceira colocada na Serie A recém-concluída. Por bairrismo, parte da imprensa de Milão pressionava pela supremacia nerazzurra; os jornais de Turim pediam pelos bianconeri e, por fim, os de Florença reclamavam espaço para os violetas. Internamente, os atletas ecoavam aquelas intrigas e os diretores tentavam sufocá-los, ao mesmo tempo em que buscavam interferir no trabalho de Czeizler.
A Itália chegou a Lugano muito nervosa pelos eventos da estreia, provocados pela contestada arbitragem de Vianna, e desfocada. Muitos diretores tratavam de assuntos pessoais e os jogadores não contribuíam, se envolvendo em picuinhas do dia a dia. Czeizler ainda teria de lidar com uma lesão do capitão Boniperti, que machucou o tornozelo e não voltaria a atuar no Mundial. Assim, reformulou a equipe, sacando Ermes Muccinelli (Juventus) e Guido Vincenzi (Inter) para dar espaço a Ardico Magnini (Fiorentina) e Amleto Frignani (Milan). Gino Cappello, do Bologna, ganhou o posto de Boniperti.
Todos os problemas, entretanto, não impediram uma atuação soberana sobre a Bélgica – que, apesar do empate heroico com a Inglaterra, não tinha um grande time. No final de um primeiro tempo de domínio azzurro, o zagueiro Marcel Dries derrubou Frignani na área e o romanista Egisto Pandolfini, que assumiu a braçadeira de capitão de Boniperti, cobrou o pênalti com perfeição: deslocou o goleiro Léopold Gernaey e abriu o placar, aos 41 minutos.
A Itália foi para o intervalo com a vantagem e, tão logo começou a segunda etapa, ampliou a sua tranquilidade. Aos 48 minutos, o interista Benito Lorenzi, o mais talentoso dentre os jogadores em campo, tabelou com Frignani, confundiu os marcadores e cruzou na medida para o romanista Carlo Galli, conhecido como “cabecinha de ouro”, emendar um belo peixinho para as redes.
Tendo o domínio da partida e uma boa vantagem no placar, a Itália poderia se poupar, mas decidir amassar a Bélgica. Pandolfini chegou a fazer uma boa tabela e, ao se infiltrar na área, disparou um belo chute no travessão. Aos 58 minutos, o terceiro gol caiu do céu: o arqueiro Gernaey falhou feio ao tentar agasalhar uma bola recuada e a soltou nos pés de Frignani, que só a rebateu para as redes.
Aproveitando as inconsistências do goleiro Gernaey, a Itália seguiu pressionando e marcou o seu quarto gol aos 78 minutos. Após cobrança de escanteio, Galli escorou de cabeça e Lorenzi completou para as redes. Na casa dos 81, quase de imediato, Léopold Anoul descontou para a Bélgica com um chute cruzado. E ficou assim: após o 4 a 1, a torcida italiana invadiu o gramado do Cornaredo para comemorar com os atletas.
Com a vitória, Czeizler e seus comandados teriam a chance da revanche com a Suíça, que foi derrotada por 2 a 0 para a Inglaterra. O empate de pontos entre italianos e helvéticos, então, levaria ao jogo extra previsto em regulamento. Para a Itália, na verdade, isto serviria apenas para prolongar o seu suplício. Afinal, os anfitriões aplicariam 4 a 1 sobre a Nazionale e selariam a sua eliminação na Copa de 1954.
Itália: Ghezzi; Magnini, Giacomazzi; Tognon, Nesti, Neri; Pandolfini, Frignani; Cappello, Lorenzi, Galli. Técnico: Lajos Czeizler. Bélgica: Gernaey; Dries, Van Brandt, Huysmans; Carré, Mees; Mermans, Anoul, Coppens, H. Van den Bosch, P. Van den Bosch. Técnico: Dug Livingstone. Gols: Pandolfini (41′), Galli (48′), Frignani (58′) e Lorenzi (78′); Anoul (81′) Árbitro: Carl Erich Steiner (Áustria) Local e data: estádio Cornaredo, Lugano (Suíça), em 20 de junho de 1954
Ao vivo
Ao vivo
Ao vivo
Ao vivo
Ao vivo
Ao vivo
Ao vivo
Ao vivo
Ao vivo
Ao vivo
Ao vivo