Trivela
·12 de setembro de 2020
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·12 de setembro de 2020
Após a MP 984 (já entronizada como “MP do Mandante”) arruinar de vez a relação já trincada entre Flamengo, Globo e Federação Carioca – trazendo respingos para a Globo também no Campeonato Brasileiro -, o SBT já começara a obter dividendos. Exibir a final do Campeonato Carioca, entre Flamengo e Fluminense, deixou um gosto de “quero mais” – na emissora, e até no público. Pois bem, o “mais” virá. O Sistema Brasileiro de Televisão enfim voltará a investir notavelmente no esporte, ao adquirir a exclusividade dos direitos de transmissão da Copa Libertadores da América para a televisão aberta brasileira, até 2022.
Bem vista pelo governo federal (as verbas crescentes de publicidade mostram isso), enfim com espaço aberto no esporte pelas dificuldades crescentes do Grupo Globo na negociação de direitos de transmissão, com a CONMEBOL irritada e desejando algum “troco” pelo rompimento de contrato da Globo – em tevês aberta e fechada – em razão dos efeitos econômicos da pandemia de COVID-19, a emissora da família Abravanel aproveita a chance que surge. De quebra, sua maior flexibilidade comercial vai ao encontro dos desejos da confederação sul-americana: vender o pacote da Libertadores para televisão já com seus patrocinadores incluídos, sem colisão com parceiros comerciais da televisão – um problema recente nos acordos com a Globo, que já tem seus anunciantes habituais para os eventos esportivos e deles não abre mão.
Aqui e ali, já se aproveita o acordo SBT-Conmebol para as lembranças dos momentos em que a emissora paulista investiu no futebol. Nada mais lógico, portanto, que um texto que abarque isso com mais profundidade. Dos anos 1980 e os acordos iniciais, passando pelos anos 1990 e o “Amarelinho”, terminando com a desilusão do fim dos anos 1990 e as tentativas traumáticas da década passada, eis a vinculação do SBT com o futebol.
Estreado na televisão em 19 de agosto de 1981, após Silvio Santos ganhar do Ministério das Comunicações a concessão de televisão com a qual sonhava desde os anos 1970 (então, alugava horários no domingo para fazer o seu tradicionalíssimo programa – primeiro na Globo, depois na Tupi), o Sistema Brasileiro de Televisão nunca fez segredo de que sua grande menina-dos-olhos eram os programas de auditório. Mesmo pouco vistos em audiência, ou até malvistos por parte da opinião pública, eram célebres programas como “O Povo na TV”, precursor do “mundo cão”, apresentado por Wilton Franco – um de seus repórteres era um carioca, de nome Roberto Jefferson. Ou então, o “Programa Flávio Cavalcanti”, outro conhecidíssimo exemplar do gênero, programa de variedades mantido pelo homônimo apresentador carioca em seus três últimos anos de vida, entre 1983 e 1986. Ou ainda, os programas de auditório infantis, nicho no qual o SBT também apresentou força desde o início – a partir de “Bozo”, personagem tradicional da televisão norte-americana, trazido para o SBT junto com a abertura da emissora, em 1981.
Eventos esportivos? Nada em que o SBT prestasse muita atenção no começo de sua história. Havia a exibição de uma partida ou outra – em geral, com a narração de Walter Abrahão (1930-2011), um dos pioneiros do esporte na televisão brasileira, graças a seus tantos anos de TV Tupi, na qual o narrador paulistano esteve desde os anos 1960, até o ato final da emissora dos Diários Associados, em 1980. Mas, como já se escreveu, o foco claro da emissora de Silvio Santos eram os programas de auditório. No máximo, novelas – mexicanas ou brasileiras. O esporte não era, como nunca foi, prioridade na TVS (nome pelo qual o SBT também atendeu em seus primeiros anos – herdado da TV Studio, emissora carioca que o passou a retransmitir tão logo ele foi criado). Histórico, até havia: a TVS foi pioneira ao exibir uma decisão da antiga Copa dos Campeões da Europa na televisão brasileira, como Emmanuel do Valle lembrou em texto nesta Trivela, em 2015 – um VT de Nottingham Forest x Malmö, final em 1978/79.
Esse afastamento durou até 1984. Ali, pela primeira vez, até por necessidades financeiras, o SBT passou a dar algum valor ao futebol – afinal, grandes competições atraem audiência e investidores desde que a mídia é mídia. E o canal começou a atacar. Primeiramente, em São Paulo, exibindo pela primeira vez partidas do Campeonato Paulista, junto a Bandeirantes e Globo, a partir de julho de 1984. Para a equipe a exibir aqueles jogos – em geral, nos sábados à tarde ou nos domingos pela manhã -, a preferência foi para nomes egressos do rádio paulista. Nas narrações, Otávio Pimentel (?-2015) e João Zanforlim, dois nomes muito experimentados (Pimentel na Rádio Tupi, Zanforlim na Rádio Bandeirantes); nas reportagens, Rose Bonaparte e um jovem gorducho, paulista da cidade de Cajuru, que daria o “sobrenome artístico” a Jorge Reis da Costa, 23 anos em 1984 – sim, o SBT abriu os caminhos televisivos a Jorge Kajuru.
Apenas para os comentários a linha destoaria: o nome não era egresso do rádio. Após passagem rapidíssima como diretor de esportes da TV Tupi, em alguns meses de 1978, e outra participação fugaz em programas especiais da TV Record durante a Copa de 1982 (“Nossa Copa” e “Almanaque da Copa”, ambos produções independentes), Juca Kfouri foi o comentarista escolhido para o SBT. Aliás, não só comentarista: Juca também descia para os vestiários, para entrevistas pós-jogo, a serem exibidas no “SBT Esportes”, pequeno noticiário esportivo que o SBT trazia nas noites de domingo, exclusivamente para São Paulo, com os VTs dos jogos da rodada do Paulista. Também no “SBT Esportes”, o então diretor de redação da revista “Placar” fazia um comentário sobre a rodada. De quebra, o próprio Silvio Santos fez o convite a Juca – que se recordou incrédulo, 36 anos depois: “Achei que era trote”.
No entanto, sem muita tradição, o SBT não conseguia grande espaço na televisão esportiva brasileira. O que o prejudicaria muito, nas intenções de exibir uma Copa do Mundo: afinal, a OTI (Organização de Televisões Iberoamericanas), intermediária dos direitos de transmissão para o Brasil, era definitiva para as emissoras afiliadas – entre elas, as brasileiras: canais que não mostrassem os Jogos Olímpicos, não teriam direito a mostrar a Copa. Aí, uma parceria ajudou o “franco-atirador” que surgia: mesmo já dono do SBT, Silvio Santos ainda possuía ações da TV Record, por meio de seu grupo, junto à família Machado de Carvalho. Se a Record possuía a tradição (exibia futebol desde os anos 1950 – e as transmissões futebolísticas eram o único alívio para ela naquele início de década, com vários problemas financeiros), o SBT já tinha o dinheiro que faltava cada vez mais a ela. Bastou para surgir o “pool” SBT-Record, nos grandes eventos: já nos Jogos Olímpicos de 1984, as duas emissoras irmanadas por Silvio Santos fizeram uma cobertura conjunta, exibindo o mesmo sinal e dividindo a mesma equipe técnica.
Em 1985, SBT e Record ficaram cada uma na sua, novamente. Entretanto, o SBT já ganhara mais visibilidade nas transmissões de futebol, pelo trabalho incipiente no Campeonato Paulista de 1984. A visibilidade seria ampliada com dois tiros certeiros, tão logo 1985 começou. Para as narrações, um nome já relativamente conhecido na televisão: Osmar de Oliveira (1943-2014). Nome muito conhecido na medicina esportiva brasileira (naquela altura, 1984, era até chefe do departamento antidopagem da Federação Paulista de Futebol), Osmar começara na televisão e no jornalismo pela TV Gazeta paulista, em 1978. Nela ficara até o segundo semestre de 1982, quando rumou para a TV Globo. No canal dos Marinho, “Dr. Osmar” ficou rápido: já no meio de 1983, se uniu à equipe de Luciano do Valle que mudava de mala e cuia para a TV Bandeirantes, no projeto que teria o “Show do Esporte” como grande símbolo. E Osmar estava na Bandeirantes até aceitar a proposta do SBT, onde seria diretor de esportes, além de narrador.
A segunda aposta certa do SBT foi entrar no “pool” que as emissoras brasileiras faziam para cotizar gastos e exibirem, todas, os jogos da Seleção Brasileira, nas Eliminatórias da Copa de 1986 e nos amistosos. Nas transmissões do canal de Sílvio Santos, o trio Osmar de Oliveira-Juca Kfouri-Jorge Kajuru teria ainda um diferencial: Telê Santana (1931-2006). Então treinando o Al-Ahli saudita, o técnico da Seleção na Copa de 1982 aceitou ser comentarista convidado da emissora para as partidas do Brasil – e foi saudado com pompa e circunstância no SBT, como “o técnico dos técnicos”.
Era até curioso: comentando as dificuldades que a Seleção enfrentava em amistosos, na curta passagem de Evaristo de Macedo treinando a equipe, Osmar de Oliveira, Juca Kfouri e Jorge Kajuru lamentavam antecipadamente a provável volta de Telê à Seleção. Nas conversas de equipe entre um jogo e outro, Kajuru até gozava Juca, com quem criava relação amistosa ali: ao invés de comentar, Juca apenas passava a palavra a Telê, que opinava primeiro – para depois, Juca somente assentir.
E de certa forma, o SBT acompanhou em primeira mão a confirmação do retorno de Telê à Seleção, para os jogos das Eliminatórias. Duas histórias exemplificam isso. Após a derrota do Brasil para o Chile, num amistoso em Santiago (2 a 1), num quarto de hotel dividido por Telê e Juca Kfouri, este ouviu uma ligação telefônica de madrugada. Telê atendeu. Conversou laconicamente, com poucas palavras. Logo desligou. Claro, Juca Kfouri quis provocar: “Era o Giulite [Coutinho, presidente da CBF], Telê?”. Ele desconversou: “Cala a boca, Juca”. Este seguiu: “Ele vai te convidar mesmo? O SBT perdeu um comentarista?”. Telê encerrou: “Fica quieto e dorme”.
Na volta ao Brasil, Evaristo de Macedo já demitido, Juca Kfouri escreveu na revista “Placar” com data de capa de 31 de maio de 1985: recebeu um telefonema de Telê Santana, confirmando a licença do Al-Ahli para treinar a Seleção Brasileira contra Bolívia e Paraguai nas Eliminatórias. Ainda alerta: “Acho que você ainda não pode dar a notícia. Mas a revista só sai na terça-feira, né? (…) Esta é a primeira e última informação que lhe dou em primeira mão.” De fato, pela “Placar”, Juca Kfouri não poderia dar a notícia. Mas pelo SBT… após o telefonema, ato contínuo, o comentarista ligou para a redação da emissora, avisou a volta de Telê à Seleção, e Jorge Kajuru entrou em plantão para anunciá-la, no ar, poucos minutos depois.
De fato, o SBT perdera um comentarista. Mas o quarteto Osmar-Juca-Kajuru-Rose Bonaparte seguiu, na cobertura do Campeonato Paulista de 1985. E já tinha no horizonte outro grande evento: como os Jogos Olímpicos de 1984 haviam sido exibidos, o canal de Silvio Santos tinha direito a comprar os direitos de transmissão da Copa de 1986. Novamente, a solução estava na cara: o SBT tinha o dinheiro, a Record tinha a tradição esportiva. E o pool SBT-Record se uniu novamente, dividindo operações e equipes na Copa do Mundo do ano seguinte, com o trio Osmar-Juca-Kajuru representando o lado do SBT. Antes mesmo da Copa, SBT e Record já se uniam na transmissão de amistosos – por exemplo, no Brasil 4×2 Iugoslávia (o jogo “daquele gol do Zico”), no qual Kfouri comentou e Kajuru reportou a transmissão narrada por Sílvio Luiz, o locutor principal da Record.
A cobertura já foi melhor detalhada neste especial da Trivela, há dois anos. Na Copa propriamente dita, Osmar de Oliveira foi o locutor secundário, enquanto Juca Kfouri comentou e Jorge Kajuru reportou toda a campanha da Seleção Brasileira (aqui, para quem tiver tempo, segundo tempo e prorrogação do Brasil x França das quartas de final da Copa, no pool SBT-Record) Mas vale citar outra historieta vivida por Juca Kfouri, logo após todo o trabalho no Mundial do México. Em seu livro de memórias (“Confesso que Perdi”, de 2017), Juca cita que viu seu extrato bancário logo após a Copa e notou um valor anormalmente alto pago pelo SBT. Foi falar com o responsável pelo setor financeiro da emissora, que respondeu prontamente: “É que seu Silvio gostou tanto do trabalho que mandou pagar vocês em dobro”. Só restou a Juca o trocadilho para lembrar a surpresa agradável que Senor Abravanel lhe proporcionara: “Que Patrão!”.
Após a Copa de 1986, em crise financeira cada vez maior, a Record foi desmantelando seu departamento de esportes aos poucos. A partir dali, o SBT já teria de caminhar com as próprias pernas. Já que o futebol nunca fora a menina-dos-olhos de Silvio Santos, ele foi deixado momentaneamente de lado: Osmar de Oliveira voltou à Bandeirantes pouco depois, e Juca Kfouri encerrou sua passagem por lá em 1987.
Mas deixá-lo de lado não significava esquecê-lo. Se qualquer brecha aparecesse, o SBT estava a postos para abocanhá-la. Por exemplo, na final de um dos Campeonatos Brasileiros de 1987 – como a Trivela já lembrou, no ano passado. A maior parte da atenção pública poderia estar na decisão da Copa União, mas os clubes do Módulo Amarelo decidiam o Campeonato Brasileiro organizado pela CBF. A oferta feita pela Globo (parceira de primeira hora da Copa União) desagradou amplamente os clubes. O SBT aproveitou e comprou os direitos de transmissão, para todo o Brasil, das partidas decisivas que Sport e Guarani fariam pelo título do Módulo Amarelo – por obra e graça de Homero Lacerda, presidente do Sport, que ofereceu os direitos à emissora paulista. Mostrou tanto o 2 a 0 do Guarani, em Campinas, quanto os 3 a 0 do Sport, no Recife.
Mostrou mais: sem a regra do gol fora de casa, o jogo de volta na Ilha do Retiro foi para a prorrogação. Depois, para a decisão por pênaltis. Que durou tanto, tanto, a ponto de, após o placar estar empatado em 11 a 11, os presidentes dos dois clubes e o juiz decidirem parar a partida, em comum acordo, e dividirem o título do Módulo Amarelo, naquele 13 de dezembro de 1987. Quando o “Programa Silvio Santos” voltou, só restou ao próprio dizer: “Em virtude do futebol, nós não vamos ter o Show de Calouros hoje. Vamos ter o ‘Homem Cobra’, é um bom filme, na ‘Primeira Sessão’. Não temos tempo, o futebol começou, nunca mais acabou, e agora não temos tempo. Fiquem com o ‘Homem Cobra'”.
Aí, após o boicote do Clube dos 13 ao quadrangular que a CBF propunha no regulamento entre vencedores do Módulo Verde (Copa União) e Módulo Amarelo (Sport e Guarani), veio uma nova final entre Sport e Guarani, em 7 de fevereiro de 1988. O SBT estava a postos (aqui, a íntegra). Já com um novo narrador, figura-símbolo do canal naquela virada de década de 1980 para 1990: o apresentador paulistano Ivo Morganti, outra figura experimentada no rádio. Clodoaldo foi o ex-jogador convidado, para os comentários. Jorge Kajuru já estava radicado em Goiás, mas aceitou colaborar com a emissora que lhe abrira os caminhos da televisão, como repórter. E o outro repórter daquela decisão mostrou bem como a montagem da transmissão foi feita às pressas: o ator Roberto Marques, também conhecido como “Theobaldo”, que interpretava o “Guarda Juju”, personagem d'”A Praça é Nossa” que Carlos Alberto de Nóbrega já comandava no SBT, naquele 1988.
O Sport comemorou a vitória – e o título brasileiro -, com o 1 a 0 feito pelo zagueiro Marco Antônio. E o SBT comemorou aquele momento importante do futebol, nas palavras de Ivo Morganti durante a narração: “Decidindo o título que vale, o título do campeonato brasileiro que vale. É isso que o torcedor quer, é vir ao estádio, é presenciar a decisão, não é ver a decisão no tapetão, decisão com liminares, com advogado de paletó e gravata”.
Apesar das experiências futebolísticas nos anos 1980, o SBT continuava deixando o esporte – logo, o futebol – em planos apagados de sua trajetória. Basta dizer que a emissora paulista (então sediada no bairro da Vila Guilherme, em São Paulo) sequer tinha um departamento de esportes. Quando era necessário cobrir eventos, se valia de equipes terceirizadas. Foi assim nos Jogos Olímpicos de 1988, quando a produtora JR se responsabilizou pela cobertura das competições em Seul para o SBT – que tinha como produção própria apenas o “Olimpíadas 88”, programa apresentado por Ivo Morganti e Sérgio Cunha nos fins de noite, apresentando o que de melhor ocorrera na cidade-sede olímpica e preparando o ambiente para os eventos olímpicos da madrugada, narrados do Brasil mesmo.
Isso mudou a partir de 1989. Dentro de uma própria mudança do SBT, que passou a fortalecer mais o jornalismo em sua grade de programação, o esporte foi valorizado. E uma vinda foi fundamental para isso. A vinda de um nome que já tinha experiência gigante e precoce, para os 29 anos de idade que ele tinha naquele ano: Francisco Roberto Cabrini chegava para ser o diretor de esportes do SBT, após ter sido o repórter mais jovem da editoria de esportes da TV Globo (já aparecia no ar aos 20 anos de idade), já ter coberto uma Copa do Mundo aos 22 (no Mundial de 1982, Cabrini trabalhou pela Globo), já ter sido correspondente em Nova Iorque e, finalmente, já ter dois Jogos Olímpicos no currículo (ambos pela Bandeirantes, para a qual o repórter paulista se mudara em 1984).
Valendo-se do respaldo que tinha do superintendente de operações do SBT, Luciano Callegari, Roberto Cabrini fortaleceu paulatinamente o departamento que implantava. Em julho de 1989, a primeira contratação digna de vulto: Luiz Alfredo, narrador que chegava com herança familiar notável – filho de Geraldo José de Almeida (1919-1976), um dos grandes pioneiros da narração esportiva em televisão – e vivência considerável (Luiz vinha de cinco anos na TV Globo, entre 1984 e 1989, já com uma Copa do Mundo no currículo, além de ser até então o principal narrador global para os jogos de times paulistas). Quase simultaneamente, também chegava outro nome que viraria tradicional nas coberturas de futebol do SBT: o repórter Luiz Ceará, também carregando uma década de experiência – em televisão, Ceará já trabalhara em Globo e Bandeirantes.
Com a chegada de Dario – o “Dadá Maravilha”, o “Príncipe”, o “Beija-Flor” -, como convidado especial nos comentários, o SBT já tinha sua equipe pronta para a cobertura das eliminatórias da Copa de 1990. Foi com esse trio (Luiz Alfredo narrando, Dadá Maravilha comentando, Luiz Ceará reportando) que a campanha da qualificação da Seleção Brasileira foi coberta. Mas o grande símbolo do espaço que o futebol paulatinamente ganhava na grade de programação do SBT viria na Copa de 1990 – cujos direitos de transmissão a emissora já garantira.
1990 começou, e com ele o departamento de esportes do SBT se preparou fortemente para a Copa. Mais nomes chegaram para a cobertura que viria. Nas reportagens, Kitty Balieiro (1957-2019), Paulo Lima e Carlos Cavalcante; para editor-chefe do departamento, Michel Laurence (1938-2014); para ser comentarista e apresentador, João Carlos Albuquerque, vindo da TV Manchete; para ser outro narrador ao lado de Luiz Alfredo e Ivo Morganti, Carlos Valadares, de passagens anteriores por Globo e Record; e para ser o principal comentarista das partidas da Copa, um nome de ampla experiência na imprensa esportiva – Orlando Duarte, voltando à televisão após história marcante na implantação do esporte na TV Cultura paulista, nos anos 1970.
Mas ainda era pouco. O departamento de esportes do SBT provaria sua força ao ganhar um noticioso só para o tema: era o “SBT Esportes”, exibido de segunda a sexta, às 18h50, com Roberto Cabrini e Ivo Morganti dividindo a apresentação – e amplo espaço para o futebol. Mais força viria com o convidado especial para a cobertura da Copa de 1990 (celebrada com este vídeo): cinco anos após comentar alguns amistosos da Seleção Brasileira, antes de sua volta para as eliminatórias e a Copa de 1986, Telê Santana seria novamente o convidado especial do SBT na Copa de 1990. Assim como Emerson Leão e Sócrates: mesmo desafetos, mesmo sem se encontrarem, ambos também figurariam na cobertura da emissora paulista para o Mundial na Itália.
Mesmo com o planejamento da cobertura daquela Copa bastante afetado pelo Plano Collor – o SBT só pôde enviar 15 pessoas à Itália -, mesmo com a simplicidade da estrutura (a maioria dos jogos foi narrada e comentada dos estúdios em São Paulo; e Telê Santana só ficou na Itália durante a fase de grupos, voltando para treinar o Palmeiras após ela, e comentando o restante da Copa também em São Paulo), o SBT fez uma cobertura marcante, mais detalhada aqui. E mais lembrada ainda pelo personagem que simboliza, para sempre, as coberturas de Copas do Mundo que o canal de Silvio Santos fez: o Amarelinho, estreado naquela Copa.
Terminada a Copa, índices de audiência surpreendentemente agradáveis (o SBT chegou a disputar o segundo lugar com a Bandeirantes, na audiência paulista), cogitou-se até ampliar a duração do “SBT Esportes”, falava-se até em maior espaço para o esporte dentro da programação do SBT… tudo isso acabou semanas depois da Copa de 1990. De uma hora para outra, Silvio Santos decidiu desativar o departamento de esportes. Todo. Sobraram somente Luiz Ceará e Roberto Cabrini, ambos destacados para o departamento de jornalismo. Os telejornais até exibiram algumas matérias sobre o assunto – como o “TJ São Paulo”, noticiário local, que exibiu matéria sobre a “Final Caipira” entre Bragantino e Novorizontino, no Campeonato Paulista de 1990.
Mas esfriava ali o primeiro “namoro” do SBT com o futebol.
O futebol entrou em hibernação relativamente longa no SBT. Não o esporte: em 1991, Roberto Cabrini se notabilizou tanto pela primeira entrevista dada por Ben Johnson a um jornalista após seu escândalo de doping, nos Jogos Olímpicos de 1988, quanto pelo trabalho na cobertura do Mundial de Fórmula-1 – mesmo sem os direitos de transmissão (e até com certo boicote da Globo), Cabrini fez trabalho merecidamente elogiado e ganhou a confiança de Ayrton Senna. Até por isso, foi contratado pela própria Globo tão logo 1992 começou.
Mas se uns iam, outros vinham. Ou melhor, voltavam: seis anos após deixar o SBT, Osmar de Oliveira retornou à emissora dos Abravanel, vindo da TV Manchete em que estivera entre 1989 e 1991. Dividindo o posto de principal narrador e diretor de esportes (subordinado ao departamento de Jornalismo), Osmar coordenou a cobertura dos Jogos Olímpicos de 1992. Que, no fundo, era apenas um jeito do SBT manter a permissão para comprar os direitos de transmissão da Copa de 1994 junto à OTI. Depois das Olimpíadas, sim, Osmar arquitetou a volta vagarosa mas constante do canal ao futebol.
Ela já começou na volta dos noticiosos esportivos à grade de programação, ainda que em horários nada ortodoxos: às 8h da manhã de domingo, o “Esporte Mágico” resumia a semana, enquanto o “SBT Esportes” voltava nas noites de domingo – mais para madrugadas de segunda-feira, é verdade -, informando o que ocorrera no dia. E foi consolidada com os retornos de Orlando Duarte e Telê Santana, para comentarem ao lado de Osmar de Oliveira os jogos da Seleção Brasileira nas Eliminatórias da Copa. Nas reportagens, Luiz Ceará (então, um dos repórteres do marcante “Aqui Agora” – nele, Ceará era o nome para as raras pautas esportivas) teria um parceiro: Antônio Petrin, vindo para o SBT já em 1992.
Chegou o 1994 da Copa do Mundo, Luiz Alfredo voltou ao SBT (entre 1990 e 1993, o locutor paulista fizera sua segunda passagem pela TV Globo), e a equipe que transmitira os principais jogos da Copa de 1990 estaria reunida novamente para a cobertura do Mundial dos Estados Unidos, apresentada com este jingle. A cobertura teria mais condições: a equipe na Copa seria maior, com dois narradores – Osmar de Oliveira, também dirigindo os trabalhos naquela Copa, e Carlos Valadares – e Carlos Alberto Torres, como comentarista. Exibiria amistosos alternativos pré-Copa de fazer inveja, como Colômbia 2×1 Milan e Grécia 0x0 Bolívia. Exibiria até a Recopa Sul-Americana (aqui, a íntegra), com o São Paulo (campeão da Libertadores em 1993) superando o Botafogo (campeão da Copa Conmebol em 1993), na cidade japonesa de Kobe, no dia 3 de abril de 1994. De quebra, um chamariz de audiência da emissora paulista também estaria no local da Copa: Jô Soares, que faria do “Jô na Copa” a sua versão futebolística do “Jô Soares Onze e Meia”
Na cobertura do SBT para a Copa de 1994 – já detalhada aqui -, o “Amarelinho” seguia cativando os telespectadores. E o personagem criado em 1990 teve destaque no fim apoteótico da Copa, com a emocionada comemoração do trio Luiz Alfredo-Orlando Duarte-Telê Santana para o quarto título mundial do Brasil – cuja decisão, nos pênaltis, teve registro impagável de Luiz Ceará no “Aqui Agora” do dia seguinte.
Novamente, o SBT tivera algum sucesso naquela cobertura. Novamente, chegara a disputar o segundo lugar de audiência com a Bandeirantes – em São Paulo, sua principal praça (e principal mercado publicitário do país). Mas daquela vez, a incursão da emissora no futebol teria continuidade após a Copa: interessado nos dividendos de audiência e publicidade que as transmissões davam, Silvio Santos pediu a Osmar de Oliveira – diretor de esportes, vale lembrar – que buscasse mais campeonatos para serem transmitidos.
Osmar atendeu o pedido de SS: trouxe para o SBT a Copa do Brasil, em 1995, com exclusividade. Nela, se não haveria Telê Santana nos comentários, um nome importante viera da concorrente Bandeirantes: Juarez Soares (1941-2019). E a equipe montada faria uma cobertura elogiada de um torneio ainda pouco valorizado então. Não bastassem os jogos, eram celebrados os “debates do intervalo”, geralmente ancorados por Osmar de Oliveira (ou, às vezes, por Téo José – que já acertou o retorno definitivo ao SBT neste 2020, para esta volta ao futebol: Téo chegara em 1995 para ser “a voz da Fórmula Indy/Mundial” no canal), com personagens que tivessem a ver com os times em jogo. De quebra, ainda foi exibida a Copa Conmebol – com a traumática derrota do Atlético Mineiro na final, para o Rosario Central argentino (4 a 0 dos Canallas, igualando a vantagem atleticana na ida, e vitória nos pênaltis).
Mas foram mesmo os trabalhos na Copa do Brasil que revelaram ao SBT – de certa forma, até a Silvio Santos – o quanto valia a pena investir no futebol. Basta dizer que o jogo de volta da final do torneio, com o 1 a 0 do Corinthians no Grêmio, em pleno Olímpico, rendendo o primeiro título corintiano na Copa do Brasil, foi a maior audiência que o SBT já tivera até então, em seus 14 anos de história: 52 pontos, superando a audiência da TV Globo em São Paulo.
Foi o suficiente: a partir dali, Silvio Santos transformava o namoro do SBT com o futebol em noivado.
Em 1996, as mudanças por que a equipe de esportes do SBT passou só ampliaram seu alcance para o grande público. Se Luiz Alfredo, o principal narrador, tomou o rumo da TV Record, seu substituto tinha experiência e atratividade comprovadas: Silvio Luiz deixava a TV Bandeirantes, para retomar a parceria com Juarez Soares – ou “China”, apelido popularizado justamente por Silvio e sua proverbial irreverência.
Com a equipe cada vez mais entrosada, ainda tendo a exclusividade dos direitos de transmissão da Copa do Brasil – e garantida como uma das emissoras a exibir para o Brasil os Jogos Olímpicos de 1996, abrindo espaço para a compra dos direitos de transmissão da Copa de 1998 -, o SBT começou a viver ali uma lua-de-mel com o futebol. Até mesmo mostrou amistosos da Seleção Olímpica – como um empate em 1 a 1 com o time olímpico da Croácia, no Arruda recifense. E todas as coberturas eram saudadas de modo simpático por audiência e crítica, como opções válidas às já conhecidas Globo e Bandeirantes. Não faltava nem mesmo um noticiário esportivo ao SBT: nas noites de domingo, o “SBT Esportes” apresentava um misto de relato do que rolara no fim de semana, junto a um debate, unindo Osmar de Oliveira, Silvio Luiz, Juarez Soares e Orlando Duarte.
Só mesmo uma avaliação negativa perturbou um pouco o trabalho do SBT no futebol: a acusação de “bairrismo” pró-São Paulo. O grande exemplo teria vindo na final da Copa do Brasil de 1996: muitos cruzeirenses que assistiram àquela decisão jamais esquecerão (e jamais perdoarão) o tom “fúnebre” com que Silvio Luiz narrou, Juarez Soares e Orlando Duarte comentaram e Luiz Ceará/Antônio Petrin reportaram o valoroso título da Raposa, em pleno Parque Antártica, superando um Palmeiras badaladadíssimo, por 2 a 1, de virada.
Mas o SBT seguia se valorizando como opção nas transmissões de futebol. Se não havia direitos de grandes torneios além da Copa do Brasil, Silvio Santos pedia a Osmar de Oliveira que torneios amistosos fossem criados. E Osmar criava, tendo a parceria da empresa de marketing esportivo Sport Promotion. Assim nasciam, no curto espaço entre os campeonatos estaduais/Copa do Brasil (primeiro semestre) e o Campeonato Brasileiro (segundo semestre), o Festival Brasileiro de Futebol e a Copa dos Campeões Mundiais – esta, um pequeno mata-mata com todos os clubes brasileiros que haviam vencido o Mundial Interclubes até então. Com transmissão do SBT e medidas curiosas – como bandas executando os hinos dos clubes antes das partidas -, já saciava o apetite de quem esperava pelo Campeonato Brasileiro. Até mesmo amistosos eram exibidos, como este, entre o São Paulo e a seleção olímpica da Dinamarca, marcando a reabertura do Morumbi após várias reformas, em 1996.
Em 1997, mais uma novidade fez o SBT ganhar espaço na audiência do futebol: a reabilitação do Torneio Rio-São Paulo, com a Federação Paulista de Futebol à frente. Ali, mais um nome chegou para a equipe esportiva do canal: já então o principal narrador da ESPN Brasil, Nivaldo Prieto ganharia sua primeira chance na televisão aberta (que deu dividendos a ele: logo depois, Nivaldo tomou o rumo da Bandeirantes, em definitivo). Com regras experimentais – como a abolição da barreira após a quinta falta perto da área – e um resultado havia tempos não visto (Santos campeão, num torneio de relativa importância), o Rio-São Paulo teve êxito. E o SBT, também.
De resto, no futebol, o SBT seguiu firme em 1997. Seguiu com a Copa do Brasil (aqui, os melhores momentos do jogo de volta, com o Grêmio empatando em 2 a 2 com o Flamengo e ganhando o título em pleno Maracanã), com os torneios amistosos criados pela Sport Promotion (como a Copa dos Campeões Mundiais – aqui, o 4 a 2 do São Paulo no Flamengo, em 1997), seguiu com algumas partidas amigáveis aqui e ali. Numa das exibidas – o 1 a 1 entre São Paulo e Ajax, em passagem do clube holandês pela América do Sul -, um fato entrou para o anedotário longo de Silvio Luiz: na reta final do segundo tempo, uma espessa neblina impediu a visão em todo o Morumbi. Silvio e Juarez Soares, o comentarista, vinham tendo dificuldades para ver o que ocorria em campo. Até que Silvio… “Epa, foi gol! Éééééééé do São Paulo! Eu não vi quem fez, mas ééééé do São Paulo!”. E como esquecer o “Gol Show”, “programa de auditório futebolístico” apresentado ora por Silvio Luiz, ora por Luiz Ricardo, ora pelo próprio Silvio Santos, no qual o espectador poderia ganhar até um milhão de reais – “em barras de ouro, que valem mais do que dinheiro” – caso sua ordem mandasse a bola no ângulo de um goleiro de verdade, previamente convidado?
Tudo isso, porque Silvio Santos tinha um objetivo: fazer do SBT o dono exclusivo dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, no triênio 1997/1999. A Trivela já falou melhor sobre isso aqui, no ano passado, mas vale citar as generosas condições que a emissora paulista – àquela altura já instalada no Complexo Anhanguera, à beira da rodovia homônima, na região da cidade de Osasco – oferecia ao Clube dos 13: US$ 50 milhões anuais no triênio, criação de um canal na televisão a cabo para que os clubes explorassem suas marcas com programas próprios, jogos ao vivo às 20h30 nos dias de semana e às 16h do domingo, mais um dinheiro aos clubes via sorteios telefônicos (uma febre naquele ano de 1997 – febre na qual o SBT tinha experiência, via TeleSena).
Parecia a oferta certa, até porque o consórcio Globo/Bandeirantes, então detentor dos direitos do Brasileirão, só oferecera US$ 12 mi ao Clube dos 13 – mesmo com benefícios, a oferta de Globo/Band ia somente a US$ 20 mi. Aí entrou uma regra polêmica: o contrato anterior feito pelas duas emissoras com o C-13 lhes dava a preferência pelos direitos caso igualassem o valor da maior oferta aos clubes, mesmo sem qualquer benefício adicional. Foi o que Globo e Bandeirantes fizeram, mantendo os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro.
Foi uma derrota traumática para o SBT. Praticamente, o fim do namoro firme que Silvio Santos vinha travando com as transmissões de futebol. A partir dali, o grande patrono do Sistema Brasileiro de Televisão ganhou aversão total às mumunhas das negociações de direitos de transmissão esportivos. Só restou ao SBT emitir uma nota, que terminava de modo lapidar, ainda em 2020: “[Ficamos] aguardando que, algum dia, o futebol brasileiro possa amadurecer, atingindo sua fase adulta, dando tratamento empresarial, como ocorre em todos os países, a todos os produtos dele derivados”.
É verdade que, em 1998, o SBT ainda exibiu o Torneio Rio-São Paulo e a Copa do Brasil (aqui os minutos finais da transmissão para o título do Palmeiras, após o 2 a 0 no Cruzeiro), mas já dividindo os direitos com a Globo. Também mostrou a Copa do Mundo, mas já sem tantas pretensões de audiência – mais sobre a cobertura aqui. O que não impediu um pioneirismo: entre as cinco emissoras brasileiras, o SBT foi a primeira a antecipar a possível ausência de Ronaldinho, na escalação do Brasil que disputaria a final daquela Copa, em 12 de julho de 1998.
Mas seria no segundo semestre de 1998 que se veria a volta do desinteresse do SBT pelo futebol. Mesmo com os direitos exclusivos de transmissão da Copa Mercosul, que tinha sua primeira edição naquele ano, a emissora de Silvio Santos preferia ampliar o espaço do “Programa do Ratinho” – afinal, Carlos Massa era a principal contratação do canal naquele ano, vindo da Record a peso de ouro. De quebra, com eleições gerais em outubro, havia ainda o horário eleitoral gratuito. Resultado: não raro, o SBT exibia apenas o segundo tempo das partidas da Mercosul – com narradores como Oscar Ulisses e Paulo Soares, ambos incluídos na equipe da Copa de meses antes, além de Osmar de Oliveira e Silvio Luiz. E em 29 de dezembro de 1998, Osmar de Oliveira narrou e Juarez Soares comentou a terceira partida da final – e o título do Palmeiras, em cima do Cruzeiro. A última partida de futebol que o SBT exibiria até então.
Era o fim traumático de um namoro que vivera grandes momentos, nos anos 1990. Em 1999, de esportes no SBT, só os VTs das corridas da “Fórmula Mundial”, nome dado ao canal para a antiga Fórmula Indy, com a narração de Téo José, dos estúdios no Brasil.
Pior que o fim traumático seria o SBT voltar e lembrar exatamente os porquês de sua saída da disputa dos direitos de transmissão de torneios de futebol. Foi exatamente o que ocorreu em 2003.
9 de dezembro de 2002. Segunda-feira. Um dia após o jogo de ida da final do Campeonato Brasileiro – com vitória do Santos, 2 a 0 sobre o Corinthians -, Hebe Camargo (1929-2012) celebraria durante seu conhecidíssimo programa de auditório, anunciando: “O SBT volta a investir no esporte”. Ato contínuo, Hebe convidou ao estúdio Eduardo José Farah (1934-2014), presidente da Federação Paulista. Lá, Farah confirmou: o SBT tinha os direitos de transmissão exclusivos do Campeonato Paulista de Futebol em 2003. Ambos, Hebe e Farah, seguiram a conversa até repercutindo o boato esportivo do dia: na tensão da final do Brasileiro, Diego teria ofendido (até com teor racista) alguns jogadores corintianos. Hebe, habitualmente afetuosa, lamentou: “Eu não gostei daquilo que o Diego fez…”. Farah desconversou, elegante: “É um desafio. Jogadores se perdem por terem mau comportamento. Veja você, Hebe: você sempre manteve comportamento impecável, e aqui está, com uma carreira de sucesso”.
Só ficava a pergunta: como aquilo acontecera?
Simples: uma série de mal entendidos provocados pela Federação Paulista. Em outubro de 2002, a Globo, habitual parceira da FPF, recebera a oferta da entidade que comandava o futebol bandeirante: pagava US$ 12 milhões, para exibir 22 partidas do Paulistão-03. A Globo se recusou. Ato contínuo, a FPF foi ao SBT e fez a mesma oferta por mais partidas: US$ 12 milhões, por 22 partidas. A emissora de Silvio Santos aceitou.
Porém, o contrato antigo da Globo com a Federação Paulista ainda lhe dava a preferência na negociação. E a própria entidade deu condições à emissora da família Marinho: a partir de 29 de novembro de 2002, ela teria um mês para igualar a proposta do SBT que levara os direitos do Paulistão. A Globo respondeu afirmativamente… mas em 30 de dezembro, um dia depois do prazo – a alegação foi de que 29 de dezembro de 2002 era um domingo. Ainda assim, o canal do Jardim Botânico carioca dizia que também exibiria o campeonato com exclusividade, e que o contrato da FPF com o SBT era “nulo de pleno direito”, conforme e-mail enviado pela assessoria de imprensa global ao jornal “Folha de S. Paulo”.
Briga à vista.
Mas o SBT já aceitara a proposta da Federação Paulista. E já montava novamente um departamento de esportes para as transmissões – que começariam em janeiro de 2003, não só com o Paulista, mas também com o Sul-Americano Sub-20, sediado no Uruguai. Liderado por Carlos Martins, o “Cacá” (jornalista com passagens por Cultura e ESPN Brasil), já haviam alguns contratados neles. Como apresentadores, a experiente dupla Elia Júnior (de volta aos eventos esportivos, após a marcante passagem na TV Bandeirantes, entre 1980 e 1999) e Silvia Vinhas (outra egressa da Bandeirantes). Como repórteres, Valmir Jorge (outro experiente nome do rádio, com passagens por Transamérica e Band), Elias Awad (este, vindo do SporTV) e Eliane de Carvalho, ex-ESPN Brasil. Nos comentários, a primeira experiência televisiva do ex-goleiro Zetti… e de Léo Jaime, cantor, compositor, ator, escritor… e fanático por futebol (flamenguista, Léo chegara a ser vice-presidente de marketing do clube). Além dos dois, vinha também a jornalista Mariah Morais.
Finalmente, como os dois principais narradores do SBT naquela nova ofensiva no futebol, viriam Dirceu Marchioli – ou melhor, Dirceu Maravilha, de longa trajetória no rádio paulista até ali (principalmente na rádio Bandeirantes). E a estreia para o grande público de um nome que, até ali, só trabalhara em emissoras comunitárias de tevê na região paulista do ABC, nas transmissões dos jogos das equipes da região: Paulo Andrade. O atual narrador/apresentador dos canais ESPN se recordou a esta matéria: “Fiquei sabendo que o SBT ia formar uma equipe de esportes de uma maneira muito peculiar: a minha tia, madrinha, estava acompanhando um programa da Hebe e, sei lá por quê, a Hebe comentou com um dos convidados daquela noite que o SBT iria formar um time de esportes para exibição do Campeonato Paulista, que era uma intenção do SBT. E aí, ela me disse isso no dia seguinte. A partir do momento em que ela me disse isso, eu passei a procurar alguém da equipe de esportes para apresentar o meu trabalho”. A equipe de esportes sequer estava formada, mas Paulo Andrade conseguiu apresentar uma fita com seu trabalho – e tal fita foi aprovada (“Depois fiquei sabendo que eles receberam cerca de 50 fitas”, aliviou-se Paulo).
A briga entre SBT e Globo eclodiu justamente na data da abertura: 25 de janeiro de 2003, com Santo André x Santos, jogo marcado para as 16h daquele dia. A tensão estava no ar, nas lembranças de Paulo Andrade, o narrador designado pelo SBT: “Nós, profissionais que faríamos a transmissão, fomos ao Bruno José Daniel [estádio do Santo André] escoltados por seguranças, guarda-costas, como se corrêssemos algum risco. Acho que, na cabeça deles, passava a ideia de que era possível até que alguém nos violentasse para prejudicar a transmissão que estava planejada pelo SBT. (…) Minutos antes da gente entrar no ar, eu percebi uma movimentação muito forte perto de onde eu estava. De seguranças, guarda-costas e até policiais militares, de um lado para o outro”.
Tratava-se da chegada da equipe da TV Globo ao estádio, para também transmitir Santo André x Santos. Tentativa que se tentou repelir, pela Federação Paulista e pelo próprio SBT, atrasando o início da partida – e mostrando uma confusão exibida ao vivo pelo “Falando Francamente”, programa de variedades que Sônia Abrão apresentava então no canal.
O SBT acabou exibindo aquele empate em 2 a 2 – e, depois, ainda naquele dia, mostrou o 2 a 0 do Corinthians no Marília. Mas, mesmo que a equipe da Globo (Cléber Machado e Casagrande) tenha dado meia-volta do Bruno José Daniel, afinal exibiu o jogo de abertura do Paulista, com equipe no estúdio e uma única câmera. Era o sinal do grau da disputa pelos direitos de transmissão. Que ficaria ainda pior com a entrada da Record – na época parceira da Globo, a emissora do bairro paulistano da Barra Funda recebeu os direitos do Paulista, sublicenciados pela Globo, exibindo alguns jogos. A pressão sobre a equipe do SBT aumentou, conforme Paulo Andrade se lembrou: “Quando a Record entrou em disputa com o SBT – chegou a exibir alguns jogos -, a disputa ficou neurótica. E as pessoas que trabalharam naquela equipe entenderam que, de alguma forma, a gente tinha de ganhar no grito a audiência. Então, o coordenador das transmissões ficava no meu ouvido, no meu ponto, como se fosse um animador de auditório, tentando me empolgar, não deixava o meu ritmo cair… um tom bem acima”.
No fim, o SBT ganhou, mas perdeu. A emissora de Silvio Santos seguiu exibindo o Campeonato Paulista, mas teria a Globo na concorrência. O que não a impediu de alguns lances certeiros. Por exemplo, no jogo de ida da semifinal, entre Corinthians e Palmeiras: maior ganhador do Troféu Imprensa na esporádica categoria “Locutor Esportivo”, Luciano do Valle foi cedido pela TV Bandeirantes para narrar unicamente aquele empate em 2 a 2 no Morumbi. Não só: o SBT permitiu que Luciano convidasse vários colegas dos tempos de TV Bandeirantes para participarem da cobertura. Juarez Soares comentou a partida a seu lado, Octávio Muniz foi o repórter de campo… com Silvia Vinhas e Elia Júnior nas apresentações de estúdio, evocou-se até um ar de “Canal do Esporte”. Uma simpática homenagem.
E o SBT teve até o sabor de impor dificuldades à adversária Globo, na final entre São Paulo e Corinthians. O jogo de volta foi marcado para… sábado, às 18h. Exatamente o horário em que a grade de programação global exibiria a reapresentação do último capítulo de “Sabor da Paixão”, a novela das 18h de então. Não houve jeito para a Globo, que precisou deixar a reapresentação de lado para mostrar a vitória corintiana, por 3 a 2, dando mais um título estadual ao clube do Parque São Jorge. Já o SBT, sem a grade de programação tão rígida, pôde mostrar o triunfo alvinegro na decisão do Paulista sem problemas.
Porém, o trauma que aquele Paulista causara ao SBT, com as brigas jurídicas contra a Globo, foi demais para Silvio Santos. Que preferiu deixar as transmissões de futebol, e novamente desmontou a equipe de esportes, pouco tempo depois do Paulista. Ela só durou mais por causa da Seleção Brasileira olímpica, sendo preparada para a campanha (fracassada) no Pré-Olímpico de 2004. A geração de Kaká, Diego, Robinho, Júlio Baptista etc. disputou um torneio amistoso no Catar – e o SBT exibiu.
E a seção de esportes do SBT já estava praticamente desmantelada em julho de 2003, quando o time brasileiro sub-23 foi disputar a Copa Ouro. Restou à emissora paulista montar uma equipe às pressas. Já tendo passagem por ali em 1998, Paulo Soares foi “emprestado” pela ESPN Brasil para narrar os jogos do Brasil naquela Copa Ouro. Nos comentários, dois nomes hoje aparentemente inesperados: Júnior, então fora do SporTV, e Benjamin Back, em uma incursão rara como comentarista (o hoje apresentador do FOX Sports, então debatedor do programa de rádio “Estádio 97” e colunista do diário “Lance!”, só havia participado de algumas edições do “Bola na Rede”, mesa-redonda da Rede TV).
Em 27 de julho de 2003, um domingo, Paulo Soares narrou a vitória do México sobre o time sub-23 do Brasil, na final da Copa Ouro, com um gol de Jared Borgetti na prorrogação. E este foi o último torneio de futebol exibido nacionalmente pelo SBT. Até 2020.
Sim, houve outras leves incursões do SBT pelo futebol até o novo começo atual. Como “Jogo Duro”, programa esportivo de auditório comandado por Jorge Kajuru em 2006, durante algumas semanas. Ou mesmo a exibição dos jogos da Copa do Nordeste – esta, apenas regionalmente, em 2019. Nada perto da força que a compra da exclusividade nos direitos de transmissão da Copa Libertadores da América, até 2022. Marca inquestionável do recomeço do namoro entrecortado que o Sistema Brasileiro de Televisão sempre viveu com o futebol.
Se você chegou até aqui – e obrigado por isso -, fica a dica do “Canal do Bocão”, no qual o cinegrafista Javier Malavasi, parte do SBT nas coberturas das Copas do Mundo entre 1990 e 1998, posta vários vídeos das coberturas futebolísticas no canal, nos anos 1980 e 1990.
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