Última Divisão
·04 de setembro de 2025
A ‘maior goleada da história do futebol brasileiro’, sob o ponto de vista dos jornais

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·04 de setembro de 2025
Você nunca assistiu a um jogo do Sport Club Mangueira, mas é bem provável que conheça o clube.
Afinal, basta assistir, ler ou ouvir qualquer referência ao time que você já se recorda da partida mais famosa dele: a derrota por 24 a 0 para o Botafogo.
O placar é registrado como a maior goleada da história do futebol brasileiro, o que não é exatamente verdade.
Antes, em 1922, o Nacional venceu o Brasil pelo mesmo placar de 24 a 0 pelo Campeonato Amazonense. Depois disso, também pelo Amazonense, o Rio Negro fez 25 a 0 no Internacional em 1927.
E isso para falar apenas dos campeonatos masculinos envolvendo times principais. O futebol feminino já viu placares que superam com folga os números ali: Flamengo 56 x 0 Greminho (Campeonato Carioca Feminino de 2019), Flamengo 34 x 0 Rio-São Paulo (Campeonato Carioca Feminino de 2022), Vitória das Tabocas 34 x 0 Polícia Militar (Campeonato Pernambucano Feminino de 2013), Mixto-PB 30 x 0 Diamante (Campeonato Paraibano Feminino de 2024)…
E se a gente for entrar na seara das categorias de base, a lista pode ir mais longe.
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Mas é fato que aquele Botafogo x Mangueira entrou para a história e para o folclore do futebol nacional.
Só que, além do placar e dos times envolvidos, é comum que a gente saiba pouca coisa além disso.
Por isso, o Última Divisão resolver mergulhar na cobertura jornalística da época para avaliar o cenário daquela partida histórica.
O Campeonato Carioca de 1909, organizado pela Liga Metropolitana de Esportes Atléticos, foi o primeiro torneio oficial disputado pelo Mangueira. O clube fora fundado anos antes, em 29 de julho de 1906, por operários da fábrica Chapéus Mangueira. A ideia era oferecer atividades esportivas a jovens das proximidades da Praça Saens Peña.
Antes da partida contra o Botafogo, o time rubro-negro havia feito duas partidas, com duas derrotas. Em 2 de maio, perdeu por 3 a 2 para o Haddock Lobo no Campo Público de São Cristóvão; duas semanas depois, perdeu por 2 a 0 para o Riachuelo na Rua Magalhães Castro.
O Botafogo havia feito apenas uma partida: 2 a 2 com o Fluminense em 9 de maio, na Rua Voluntários da Pátria. Mesmo assim, já era visto como uma equipe mais estruturada. Afinal, desde que o Campeonato Carioca havia começado a ser disputado, em 1906, foi o único time a desafiar a hegemonia do Fluminense, dividindo com o rival o título de 1907.
O Paiz, 30 de maio de 1909 (Imagem: Reprodução)
No dia 30 de maio, o Fluminense visitaria o America na Rua Ferrer, enquanto o Botafogo receberia o Mangueira na Rua Voluntários da Pátria. Conforme o regulamento, em cada rodada, os segundos times de cada equipe também se enfrentavam.
Tanto Fluminense quanto Botafogo eram vistos como favoritos. “Em Bangu, o Fluminense, a nosso ver, baterá francamente as equipes francamente do America F. Club, e no ground do Botafogo, este obterá também mais fácil victoria contra o S. C. Mangueira, continuando assim o Botafogo e Fluminense a manter o empate na tabela de pontos”, projetou o jornal O Paiz de 30 de maio de 1909 (ao lado).
Na vitória por 24 a 0, Gilbert Hime fez nove gols, enquanto Flávio Ramos fez sete. Mas o placar acabou deixando em segundo plano a goleada também no duelo dos segundos times: 12 a 1 sobre o o Mangueira, embora algumas fontes apontem para um placar de 11 a 1.
No duelo de segundos times, destaque para os três gols de Mimi Sodré, que mais tarde conquistaria um currículo de respeito: dois títulos do Campeonato Carioca pelo Botafogo (1910 e 1912), duas vezes artilheiro da competição (1912 e 1913), primeiro jogador do Botafogo a marcar pela Seleção Brasileira (1916) e campeão paraense (1920) pelo Paysandu. Naquela partida, também marcaram Abelardo de Lamare (quatro gols), Viveiros de Castro (três), Lauro Sodré (um) e Fagundes (um), enquanto Jorge Vasconcelos fez para o Mangueira.
Gazeta de Notícias, 31 de maio de 1909 (Imagem: Reprodução)
No dia seguinte, embora a cobertura esportiva da época fosse discreta, os jornais deram relativo destaque ao feito.
“O Botafogo conseguiu hontem o record dos goals desde que a Liga é Liga. Em ambos os teams, o club alvi-negro obteve uma estrondosa victoria”, descreveu o Correio da Manhã de 31 de maio de 1909.
Correio da Manhã, 31 de maio de 1909 (Imagem: Reprodução)
Curiosamente, o jornal O Paiz dedicou elogios ao goleiro do Mangueira. “Não podemos deixar de enaltecer o valente ‘goal-keeper’ do ‘team’ preto e encarnado que, em defesas brilhantes como fez, diminuiu extraordinariamente o já avultado ‘record’ de ‘goals’ do ‘team’ preto e branco, que, embora este obstáculo, conseguiu marcar ‘vinte e quatro goals’ contra ‘zero’”, descreveu o jornal.
O Paiz, 31 de maio de 1909 (Imagem: Reprodução)
Mas quem era o goleiro do Mangueira?
Fontes diversas já identificaram o goleiro como diferentes nomes, como Luiz Guilherme ou Manuel. Curiosamente, Manuel seria o tesoureiro do clube e teria jogado improvisado, uma vez que vários jogadores não teria comparecido à partida – assim, a equipe precisou recorrer a diversos improvisos para não perder por WO.
“O clube não dispunha de gente para qaquele jogo e teve quemobilizar os próprios diretores para tapar o buraco. O goleiro, por exemplo, foi o tesoureiro Manuel, que nunca tinha agarrado no gol”, afirmou o advogado Manuel Maria de Paula Ramos à revista Placar em julho de 1977. Ao longo da carreira, Paula Ramos seria presidente do CND (Conselho Nacional de Desportos).
O Mangueira ainda fez outras três partidas por aquele Campeonato Carioca. Perdeu por 8 a 0 para o America, perdeu por 6 a 0 para o Fluminense e empatou por 2 a 2 com o Haddock Lobo. O time abandonou o torneio, perdendo todos os jogos seguintes por WO. Como esperado, foi o lanterna entre os seis times da competição, que terminou com o Fluminense campeão.
O Mangueira só voltaria ao campeonato em 1912, novamente com derrotas históricas – entre elas, 14 a 0 para o Flamengo e 12 a 0 para o Paysandu. Mas foi também naquele ano que veio a primeira vitória: 3 a 1 sobre o São Cristóvão, em 12 de outubro.
O time encerrou as atividades em 1927. Ao todo, contabilizou 118 jogos, com 14 vitórias e 96 derrotas.