Calciopédia
·23 de março de 2020
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Em 2009, parte considerável da imprensa esportiva brasileira ficou confusa. É que Amauri, jogador pouco conhecido no país, era alvo de uma disputa entre as seleções do Brasil e da Itália. Brasileiro de nascimento, mas com uma extensa carreira no futebol italiano, o atacante oriundo do interior de São Paulo acabaria vestindo a camisa azzurra.
Amauri foi de atendente de supermercado a jogador no futebol da Suíça em pouco tempo. Natural de Carapicuíba, em São Paulo, Reprovado no Palmeiras, ele chegou a trabalhar em diversas áreas (foi pedreiro e passou por uma carvoaria, um supermercado e pelo setor metalúrgico) para ajudar nas despesas da família, que morava no sul do país. Sua vida mudou quando ele foi convidado a jogar pelo recém-fundado Santa Catarina, clube que disputava a segunda divisão catarinense.
Depois de jogar o estadual pelos laranjas, Amauri participou de uma excursão do Santa Catarina pela Europa, em fevereiro de 2000, na qual o time disputou a famosa Copa Viareggio, competição de base que conta com clubes do mundo inteiro e é realizada na Itália. O brasileiro fez cinco gols em apenas três partidas e chamou a atenção de olheiros do Bellinzona, que também estava envolvido no torneio. Pelo clube de um dos cantões italianos da Suíça, Amauri fez cinco jogos e anotou um único gol.
Por ter jogado pouco – também em virtude de uma lesão no joelho –, o atacante não teve seu vínculo renovado. Amauri chegou a viajar até a Bélgica para fazer testes num clube local, mas as negociações fracassaram. Ele então retornou à Itália, onde passou dois meses como imigrante ilegal em Turim. Foi aí que surgiu aquele que viria a ser seu agente: Mariano Grimaldi. O empresário conseguiu um contrato para Amauri no Parma e, na sequência, um empréstimo para o Napoli.
Amauri foi incorporado à equipe Primavera do Napoli, mas em pouco tempo, foi aproveitado pela equipe principal. Desse jeito, pode jogar ao lado de Edmundo, que considera seu grande ídolo de infância. O brasileiro – que na Itália passou a ser chamado de “Amáuri”, ao invés de ter seu nome pronunciado como uma oxítona – estreou na 26ª rodada e anotou um gol no clássico com o Verona, na 31ª. Contudo, os partenopei viviam péssimo momento técnico e financeiro, o que resultou em rebaixamento à Serie B.
O atacante retornou a seu clube de origem, mas não ficou no Parma: foi para o Piacenza, time da mesma região dos crociati. Após disputar 11 partidas pelos lupi e atuar novamente na elite italiana, o brasileiro acertou com o Empoli, também da Serie A. No entanto, a concorrência no ataque azzurro era grande: Antonio Di Natale, Tommaso Rocchi e Luca Saudati. Amauri, então, pediu para ser emprestado ao Messina, da segunda divisão.
Na Sicília, o paulista teve de driblar a desorganização de um time que chegou a inscrever 53 jogadores para a disputa da Serie B. Em 22 partidas, Amauri marcou quatro gols e subiu num trampolim para a elite italiana. No Chievo, encontraria a estrada do sucesso e veria seu futebol crescer.
Em suas duas primeiras temporadas no Vêneto, Amauri atuava mais como segundo atacante e não marcava muitos gols. Também não era titular absoluto: dividiu espaço com Sergio Pellissier e Simone Tiribocchi. Na histórica temporada 2005-06, porém, ajudou o clube veronês a se classificar à Liga dos Campeões pela primeira vez na história, oferecendo grande contribuição na campanha: foram 11 gols na Serie A, e 14 no total.
A transformação se deu graças ao comando de Giuseppe Pillon, que aproximou o atacante da meta adversária, colocando-o para atuar ao lado de Pellissier em seu 4-4-2. O treinador, já naquela época, via um diferencial no atacante. “Amauri é um jogador espetacular, um brasileiro atípico. Muito físico, robusto, forte na pequena área e versátil para jogar como primeiro e segundo atacante. Perfeito para o nosso futebol, mas com grande capacidade de adaptação. Ele é completo. O atacante perfeito para jogar nos moldes táticos da seleção italiana”, disse o técnico.
De 2005-06 em diante, Amauri passou mesmo a ser considerado um dos atacantes mais versáteis e cobiçados do futebol italiano. O Chievo até conseguiu segurá-lo para a disputa da Champions League, competição em que disputaria a terceira fase eliminatória. Os gialloblù foram eliminados pelo Levski Sofia por um placar agregado de 4 a 2 (o brasileiro anotou ambos os tentos italianos) e aí não deu mais para segurar sua estrela. No último dia da janela de transferências de verão em 2006-07, o Palermo desembolsou 8,75 milhões de euros mais o passe do atacante Denis Godeas para levar Amauri de volta para a Sicília. No rosanero, o paulista ganharia 1,2 milhão de euros por temporada.
Em Palermo, o jogador viveu seus momentos mais “belos e inesquecíveis”, com “sensações que não percebeu em nenhum lugar”, em suas palavras. Como titular, em detrimento a Andrea Caracciolo e um jovem Edinson Cavani, Amauri começou 2006-07 voando: marcou num histórico clássico contra o Catania (5 a 3 para os rosanero), no triunfo sobre o Milan em San Siro, na derrota para a Inter, então campeã, e ainda guardou uma doppietta decisiva no 3 a 2 contra a Fiorentina. Em 18 jogos, foram oito gols e um futebol suficiente para ajudar o time a se manter na quarta posição, que daria vaga à Liga dos Campeões.
Na antevéspera de Natal de 2006, porém, Amauri se chocou com o goleiro Alexander Manninger, do Siena, e teve uma lesão complicada: torceu o joelho direito, rompeu parcialmente o ligamento cruzado posterior e estirou o colateral medial. O brasileiro não atuou mais na temporada e sua ausência foi fundamental para que a ascensão do Palermo cessasse: o time perdeu fôlego e caiu para a quinta colocação, que lhe levou mais uma vez à Copa Uefa.
Na temporada seguinte, Amauri recuperou a forma física e o bom futebol – a ponto de ser colocado no mesmo patamar do marfinense Didier Drogba, do Chelsea, que era um dos melhores atacantes do mundo na época. Titular absoluto do time siciliano, o paulista de Carapicuíba dividiu o comando do ataque com Cavani e Fabrizio Miccoli. Embora o Palermo não tenha feito uma campanha tão boa (foi o 11º colocado da Serie A), Amauri marcou 15 gols e foi tanto o artilheiro da equipe quanto o seu melhor jogador.
Um dia depois do último jogo da temporada, o brasileiro assinou contrato com a Juventus, que já havia acertado sua contratação anteriormente, por 22,8 milhões de euros. A Velha Senhora buscava se colocar entre os grandes novamente, após a queda para a Serie B, e o presidente dos bianconeri na época, Jean-Claude Blanc disse que Amauri era o “homem certo” para isso, visto que Alessandro Del Piero e David Trezeguet caminhavam para o fim de suas carreiras. Em 2008, o atacante tinha 28 anos e sua convocação para a seleção italiana era muito cogitada: só não ocorria porque Amauri ainda não tinha regularizado sua naturalização.
No primeiro ano em Turim, os gols saíram facilmente: Amauri marcou 14, 12 dos quais na Serie A, e ajudou a Juventus a ser vice-campeã italiana. Com 32 aparições, foi um dos juventinos que mais entraram em campo em 2008-09, ao lado de Pavel Nedved. Seu desempenho acirrou a briga de Brasil e Itália pela convocação do jogador, que não excluía nenhuma das seleções. Dunga o queria com a camisa canarinho (a pedido do goleiro Julio Cesar, então na Inter), enquanto Marcello Lippi (então treinador da Squadra Azzurra) elogiava o jogador, que descrevia como um dos atacantes mais completos em ação.
No Brasil, Amauri seria o nome ideal para substituir Ronaldo, já que os nomes testados – como Alexandre Pato, Adriano e Fred, eram inconstantes – e Luís Fabiano, que seria o camisa 9 no Mundial da África do Sul, era contestado. O juventino chegou a ser convocado pela Seleção em janeiro de 2009, como substituto do lesionado Fabuloso, mas o clube não o liberou. É que o chamado ocorreu depois da data em que os empregadores eram obrigados a ceder seus atletas para os selecionados nacionais.
Na Itália, o atacante da Juve disputaria a posição com Luca Toni, campeão em 2006, e Alberto Gilardino, que se destacava na Fiorentina. Os azzurri esperavam que Amauri pudesse estar no elenco que foi à África do Sul, mas o imbróglio no processo de naturalização e a seca de gols numa péssima temporada da Juventus em 2009-10 foram cruciais para que ele fosse preterido por Vincenzo Iaquinta, seu companheiro de equipe. Gilardino, Fabio Quagliarella e Giampaolo Pazzini completaram o setor de ataque da Nazionale.
Apesar do ano negativo, Amauri começou bem a temporada 2010-11, com gols pela Juventus na Europa League. O fracasso da Squadra Azzurra no Mundial, somado ao êxito em seu processo de naturalização lhe renderam sua única chance com a camisa da Itália: em agosto de 2010, atuou por 59 minutos na derrota italiana por 1 a 0 contra a Costa do Marfim, num amistoso disputado em Londres.
De volta à Juventus, Amauri marcou seu último gol pelo clube na Liga Europa, numa vitória por 2 a 1 sobre o Sturm Graz. Dali em diante, pequenas lesões, outro jejum de gols e a concorrência de Del Piero, Iaquinta e Quagliarella lhe tiraram dos planos de Luigi Delneri. Em janeiro de 2011, então, passou em empréstimo ao Parma, onde voltou a ser decisivo. Como boa opção a Hernán Crespo, o grandalhão marcou sete gols em 11 jogos, ajudando o clube a se salvar do rebaixamento com bastante tranquilidade.
O ítalo-brasileiro não foi adquirido pelo Parma e também não foi aproveitado pela Juventus. Tampouco conseguiu arrumar outro time na janela de transferências de 2011-12. Fora dos planos de Antonio Conte, teve inclusive sua camisa 11 repassada ao lateral Paolo De Sceglie. Depois de meses de ociosidade em Turim, Amauri acabou negociado à Fiorentina por um valor 40 vezes menor que o investido em sua contratação.
A Fiorentina representava para Amauri uma chance de se reencontrar na carreira. Porém, o clube estava tão perdido que a temporada 2011-12 foi palco de vaias para o ex-capitão Riccardo Montolivo e até de vias de fato entre o técnico Delio Rossi e o meia-atacante Adem Ljajic. Nesse cenário, o atacante não brilhou: após apenas um gol em 13 jogos, além de uma 13ª posição dos gigliati na tabela, foi liberado pelo clube.
Em fim de contrato, retornou ao Parma. Na Emília-Romanha, Amauri voltou a deixar uma boa impressão e teve dois anos em bom nível. Em 2012-13, contribuiu para que os crociati ficassem com a 10ª posição, foi o artilheiro do time, com 10 tentos, e teve outros grandes feitos individuais: tripletta contra o Torino e gol de bicicleta contra o Pescara. Na campanha seguinte, fez boa parceria com Jonathan Biabiany e Antonio Cassano e voltou a guardar 10 gols (oito na Serie A). O Parma ficou com a sexta posição, mas não foi admitido na Liga Europa por problemas financeiros.
Aos 34 anos, caminhando para o caso da carreira, Amauri mudou de time. No fechamento do mercado de verão de 2014-15, retornou ao Piemonte para acertar com o Torino, que ficara com a vaga do Parma na Europa League. O ítalo-brasileiro foi apenas um reserva na equipe de Gian Piero Ventura e anotou apenas três gols em 28 partidas. No ano seguinte, perdeu completamente o espaço e só entrou em campo uma vez até fevereiro de 2016, quando rescindiu o contrato com os grenás. Para encerrar sua trajetória como jogador, Amauri disputou a NASL, a segunda liga de futebol dos Estados Unidos. Por lá, defendeu Fort Lauderdale Strikers e New York Cosmos. Hoje em dia, Amauri vive na terra do Tio Sam, ao lado da família.
Embora pouco conhecido do grande público brasileiro, sem dúvidas o paulista de Carapicuíba marcou época no futebol italiano. Para começar, é o jogador nascido no Brasil com passagem pelo maior número de clubes na elite do futebol italiano: oito, contra os sete do atacante Sergio Clerici e do zagueiro Felipe. Amauri fez 84 gols na Serie A e, entre os brasileiros, só perde para José Altafini, Luís Vinício, Dino da Costa, Clerici e Angelo Sormani – isso mesmo, fica na frente de lendas como Jair da Costa, Careca, Kaká, Ronaldo e Adriano. Tem que respeitar.
Amauri Carvalho de Oliveira Nascimento: 3 de junho de 1980, em Carapicuíba (SP) Posição: atacante Clubes como jogador: Santa Catarina (1999-2000), Bellinzona (2000), Napoli (2001), Parma (2001, 2011 e 2012-14), Piacenza (2001-02), Empoli (2002), Messina (2002-03), Chievo (2003-06), Palermo (2006-08), Juventus (2008-12), Fiorentina (2012), Torino (2014-16), Fort Lauderdale Strikers (2016-17) e New York Cosmos (2017) Seleção italiana: 1 jogo
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