Aos 44 anos, Nakamura se despediu do futebol com as honras que uma verdadeira lenda merece | OneFootball

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·25 de outubro de 2022

Aos 44 anos, Nakamura se despediu do futebol com as honras que uma verdadeira lenda merece

Imagem do artigo:Aos 44 anos, Nakamura se despediu do futebol com as honras que uma verdadeira lenda merece

A camisa 10 da seleção japonesa teve um dono à altura da mística do número por bons anos. Shunsuke Nakamura era aquilo que se esperava de um meia. O maestro tinha vastas virtudes para se colocar como uma referência na armação: visão de jogo privilegiada, passes açucarados, chutes venenosos, cobranças de falta cirúrgicas. Batia na bola como poucos e possuía uma coleção de truques para decidir partidas. Desta maneira é que o craque se tornou um dos maiores jogadores da história dos Samurais Azuis, assim como fez sucesso em vários clubes – sobretudo no Celtic e no Yokohama F. Marinos. Aos 44 anos, a lenda permanecia na ativa em sua Yokohama natal, pelo Yokohama FC. Despediu-se de uma inesquecível carreira neste domingo, de quebra com o acesso dos celestes à primeira divisão da J-League. Vai com a grandeza que lhe é inerente.

Tecnicamente, Nakamura era um jogador diferente. E isso se notou desde cedo, quando o garoto ainda atuava no futebol escolar, que constitui a base de formação no Japão. Destacava-se nas principais competições do país e representava a seleção juvenil. A ascensão do camisa 10 se combinou com os primeiros anos da J-League, num momento em que o esporte se profissionalizava no país e grandes astros estrangeiros defendiam os clubes locais. Era um ambiente favorável para que o talento do meia florescesse ainda mais. Ele se transformou numa das revelações da liga, lançado em 1997 pelo Yokohama Marinos, time importante desde aqueles primórdios.


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Nakamura não chegou a conquistar a J-League neste início. Entretanto, seus números eram fantásticos e ele se tornou um dos melhores jogadores do campeonato de imediato. Em sua primeira temporada, em 1997, terminou eleito para a seleção do torneio. Já em 2000, recebeu o prêmio de craque da J-League. A empolgação era natural com o jovem de 22 anos, que disputou os Jogos Olímpicos e logo depois se tornou um dos protagonistas na conquista da Copa da Ásia pelo Japão. O futuro se mostrava bastante promissor ao armador, que, em 2001, conquistaria a Copa da J-League pelo Marinos.

Talvez o grande lamento na carreira de Nakamura tenha sido sua ausência na Copa do Mundo de 2002. O meia não era nome tão fixo nas convocações de Philippe Troussier, que não confiava em seu trabalho defensivo, e se lesionou às vésperas do Mundial. Veria de fora os Samurais Azuis receberem a competição. Logo depois, o camisa 10 começou a viver seu sonho europeu. Recém-promovida no Campeonato Italiano, a Reggina contratou o armador. Seriam três campanhas na Serie A, em que o asiático auxiliava sua modesta equipe a escapar do rebaixamento. Ao mesmo tempo, recuperou seu destaque na seleção, sob as ordens de um profundo conhecedor da 10: Zico. Foi sob o comando do Galinho que Nakamura reconquistou a Copa da Ásia em 2004, eleito o melhor do torneio.

Em 2005, Nakamura deixou a Itália, logo depois de despontar na Copa das Confederações. Pretendia brigar por títulos e assinou com um clube de imensa sede de taças, o Celtic. O estilo de jogo do camisa 25 talvez parecesse incompatível com a intensidade do Campeonato Escocês. Porém, foi em Parkhead que ele ascendeu para o seu melhor. Virou um dos jogadores favoritos da torcida, não só por seu talento, mas também pela aplicação dentro de campo. Saiu campeão logo na primeira temporada, em 2005/06, com uma influência considerável no sucesso dos alviverdes. Chegou em alta para disputar sua primeira Copa do Mundo em 2006, embora a campanha do Japão tenha se encerrado logo na fase de grupos no Mundial da Alemanha.

Os feitos de Nakamura no Celtic se repetiam. O meio-campista experimentou sua melhor temporada em 2006/07. Reconquistou o Campeonato Escocês e faturou todos os prêmios individuais possíveis, entre os indicados até à Bola de Ouro. Também disputou a Champions e marcou seu primeiro gol no torneio de falta, contra o Manchester United, em pleno Old Trafford. Pela primeira vez um jogador japonês balançava as redes na competição. O maestro faria outro gol de falta no reencontro com os Red Devils em Glasgow. O tiro na gaveta de Edwin van der Sar cravou a vitória por 1 a 0 aos 36 do segundo tempo e auxiliou a classificação dos escoceses para os mata-matas, ao lado dos ingleses. Os Celtas dariam trabalho ao futuro campeão Milan nas oitavas. O armador estava no auge de sua capacidade técnica.

Ainda assim, foi no tricampeonato nacional em 2007/08 que Nakamura gravou sua imagem mais marcante pelos Bhoys. Seria no clássico contra o Rangers, é claro. O japonês dominou uma bola que parecia perdida na intermediária e aproveitou o quique para emendar um chute feroz. A bola fez uma curva surreal e deixou o goleiro Allan McGregor perdido. Trivela de craque, que fez Parkhead explodir e abriu a vitória por 2 a 1, num resultado crucial para a ultrapassagem de sua equipe e a reconquista da taça. Já em 2008/09, pela primeira vez, Nakamura ficou de mãos abanando no Campeonato Escocês, mesmo que registrasse os seus melhores números em quatro anos de clube. Ao final de seu contrato, optou por mudar de ares. Foram 31 gols e 36 assistências em 145 partidas pelo Celtic.

Em 2009/10, Nakamura teve uma curtíssima passagem pelo Espanyol, que durou apenas 15 jogos. Voltou ao Japão em fevereiro de 2010, para vestir de novo a camisa do Yokohama F. Marinos. Aquele momento marcava também o final da história do meia com a seleção japonesa. Esteve presente na Copa de 2010, como reserva, e do banco viu a eliminação para o Paraguai nas oitavas. Totalizou 98 partidas e 24 gols pelos Samurais Azuis. Aos 32 anos, o veterano preferiu dedicar-se somente à J-League e à paixão pelo Marinos. Entretanto, estava enganado quem pensava que logo o maestro penduraria as chuteiras.

Nakamura continuou gastando a bola no Yokohama F. Marinos. Sobrava no Campeonato Japonês, com lampejos frequentes pelo clube do coração. E teria um momento fantástico em 2013, quando conquistou a Copa do Imperador e levou seu time ao vice na J-League, apesar da ultrapassagem do Sanfrecce Hiroshima na última rodada. O veterano seria eleito o melhor jogador da liga e também o melhor futebolista japonês do ano. Por bola, poderia até figurar na Copa de 2014 se quisesse rever sua aposentadoria na seleção. Foi somente a partir de 2015 que o armador perdeu minutos em campo e passou a ser utilizado com mais controle, muito embora continuasse decisivo em suas bolas paradas.

Com mais de 400 partidas pelo Yokohama F. Marinos, Nakamura teve um amargo adeus do clube no qual é lenda. Em 2017, ele entrou em atrito com a diretoria e recusou a proposta de renovação. Não concordava com a política de contratações realizada pelo City Football Group, acionista do clube, e preferiu ganhar menos no Jubilo Iwata. Sua meta era se aposentar aos 40 anos e ele ficou por duas temporadas completas no novo time. Isso até que surgisse uma oportunidade de retornar a Yokohama, mas não ao Marinos, em 2019. O Yokohama FC é uma dissidência da equipe mais poderosa da cidade e não tem limites para contratar veteranos. Nakamura poderia formar uma dupla mítica ao lado do cinquentão Kazu Miura.

A primeira temporada de Nakamura pelo Yokohama FC seria inesquecível. Os celestes conquistaram o acesso à primeira divisão do Campeonato Japonês em 2019. O meia disputou dez jogos e brilhou na reta final, com direito a um golaço na vitória decisiva sobre o Tokyo Verdy. Seriam mais 20 partidas somadas nas duas últimas edições da J-League, mas sem evitar o descenso do Yokohama em 2021. Já na atual campanha da segundona, sem mais a companhia de Kazu, Nakamura ficou para resgatar os celestes. Deu certo, com o acesso imediato à elite. Disputou apenas seis partidas, mas influenciou como uma liderança nos vestiários e um exemplo nos treinos. Os 44 anos não eram empecilho.

O Yokohama FC já tinha garantido o acesso por antecipação, ao lado do Albirex Niigata. A rodada final contra o Roasso Kumamoto serviu para a despedida de Nakamura. O camisa 25 entrou como titular e deixou o campo no meio do segundo tempo. Teria seu adeus num jogaço. Os celestes perdiam por 3 a 1 até o início da etapa final, mas fecharam o placar por 4 a 3. Os brasileiros Marcelo Ryan e Gabriel tiveram papel decisivo no triunfo, com os dois últimos gols. Já depois do apito final, ficou a deixa para o tributo a Nakamura. Os 21 mil presentes nas arquibancadas registravam o maior público do Yokohama na temporada, todos prontos para o adeus.

Nakamura consta em qualquer lista de maiores jogadores japoneses da história, e dá para discutir se ele não ocupa a primeira colocação. Possui concorrentes igualmente fantásticos como Hidetoshi Nakata, Kazu Miura, Kunishige Kamamoto e Yasuhiko Okudera. Entretanto, os argumentos favoráveis ao maestro são sólidos – da qualidade técnica ao impacto na Europa, passando também pela longevidade em alto nível e pelos títulos na Copa da Ásia. Independentemente das opiniões e preferências, o status lendário de Nakamura é inegável. E isso se ampliou um pouco mais pelo amor ao futebol já depois dos 40 anos, para uma despedida tão carnal, bem como vitoriosa.

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