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·17 de abril de 2025

Campeonato de Portugal e a ânsia por uma reestruturação: «O atual modelo mata-nos»

Imagem do artigo:Campeonato de Portugal e a ânsia por uma reestruturação: «O atual modelo mata-nos»

I Liga? Atualmente, no pior cenário, descem três equipas. E no segundo escalão do futebol português? Bem, aí estamos a falar do mesmo número. E no que toca à Liga 3? Quatro conjuntos despedem-se da prova, depois de resultados pouco favoráveis na Fase de Manutenção.

Se os respetivos valores não parecem exacerbados, quando analisamos o paradigma do Campeonato de Portugal, a análise pode ser bastante distinta: em cada uma das quatro séries, cinco turmas acabam por ficar pintadas a vermelho nas respetivas tabelas classificativas. Ao todo, são 20 as formações a retornarem aos Distritais (!).


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Face ao expressivo agrupamento, o zerozero esteve à conversa com porta-vozes dos emblemas que terminaram as suas campanhas no décimo posto - posição mais alta que não dá acesso à permanência -, de forma entender as suas visões no que toca ao atual modelo da prova.

Uma competição, múltiplos constrangimentos

Na sua terceira época consecutiva no CP, o Fabril Barreiro arrancou a edição 2024/25 com o pé esquerdo. De acordo com Pedro Miguel Lima, líder máximo do clube, múltiplas baixas condicionaram o rendimento desportivo: «Começamos a época com muitos lesionados. Inclusive, no primeiro jogo da competição [diante do Lusit. Évora], não tivemos o banco de suplentes completo. Chamamos alguns Juniores, porque não tínhamos atletas suficientes para preencher a convocatória.»

No entanto, quando o plantel ficou praticamente todo à disposição, o panorama mudou. Guiados pelo técnico Bruno Álvares, a turma pertencente ao distrito de Setúbal não somou qualquer ponto em, apenas, uma ocasião, nas últimas nove batalhas. Todavia, para desalento dos adeptos, a boa demonstração futebolística na reta final não foi suficiente para sair do corredor da morte na Série D.

Questionado sobre se este esforço foi inglório, face ao acrescido número de equipas que descem um degrau competitivo, o entrevistado alertou para a necessidade de uma mudança radical: «O Campeonato de Portugal tem de ser repensado. Descem de divisão muitas equipas e nós fomos vítimas disso. Para além disso, existem muitas discrepâncias face a investimentos, com equipas a terem orçamentos idênticos a clubes que disputam a Liga 3.»

«As taxas administrativas são muito elevadas, principalmente no que toca às deslocações. Temos, constantemente, de fazer viagens ao Algarve, ao Alentejo, entre outros locais mais longínquos. Os gastos são muito grandes e o retorno é bastante reduzido. Se olharem para a nossa série, veem que a tabela partiu-se em dois. Havia claramente um segmento que lutava pela subida e outro para a manutenção. É um efeito natural face às circunstâncias monetárias», prosseguiu.

«Quando tantas equipas descem, não há margem para estabilidade competitiva»

No que toca à Série B, o Guarda FC foi um dos tristes contemplados com o regresso ao futebol distrital. José Oliveira, presidente do Conselho de Administração da SAD, assegurou que foi pesaroso ver a equipa «morrer na praia», demonstrando, posteriormente, alguma incompreensão face aos critérios de localização escolhidos: «Não faz qualquer sentido o Guarda FC estar inserido na Série B, por exemplo. Aliás, consideramos que é uma luta bastante injusta entre os conjuntos do interior e os do litoral

Sobre o vasto leque de formações despromovidas, o dirigente dos egitanienses aproveitou para deixar uma alfinetada: «Quando tantas equipas descem, não há grande margem para fortalecer a competição, para gerar uma maior estabilidade competitiva, antes pelo contrário. Também não abre espaço para grandes surpresas ou para projetos que tenham uma mentalidade ou uma gestão diferente. O modelo, logo à nascença, mata-nos

As queixas de José Oliveira estendem-se, ainda, às equipas de arbitragem: «A falta de profissionalização é notória. Numa competição como esta, o nível de exigência tem de ser bem maior. Até neste cenário se vê que o formato é demasiado antiquado.»

Custódio Baptista, presidente do GD Joane, corroborou com as opiniões dos representantes e deixou em cima da mesa uma eventual resolução: «Noutros campeonatos, o décimo lugar corresponde a tranquilidade, mas aqui o cenário não é igual. Não tem lógica nenhuma. Se a FPF ouvisse as associações, eu acredito que a proposta passaria por aumentar o número de equipas em cada série, de 14 para 18. Assim, a distância entre as posições cimeiras e os lugares de despromoção seria mais aceitável.»

Posto isto, todos os contactados pelo zerozero partilham o meu parecer: 'é bastante difícil subir ao CP, mas é muito fácil descer ao futebol distrital'.

Mil e um traumas difíceis de consertar

Após a despedida dos nacionais, surgem agora novas dores de cabeça. O comandante do Fabril Barreiro atirou a primeira acendalha para a fogueira de constrangimentos: «É um enorme prejuízo em termos de reputação. Esta nova realidade coloca em causa a relação com alguns patrocinadores, já que a exposição da marca passa a ser a nível regional. O interesse em colaborar connosco, naturalmente, diminui

As dificuldades prendem-se, ainda, com a retenção de talento: «Os melhores jogadores vão querer continuar a jogar no CP. Vai ser muito difícil segurar as nossas principais peças. O projeto vai ter de se moldar à volta da formação. Nós temos uma equipa B, que tem vindo a fazer uma campanha muito engraçada na segunda divisão da AF Setúbal. Não nos podemos desviar da nossa matriz.»

O porta-voz dos beira serranos corrobora com o respetivo ideal: «É difícil para qualquer clube segurar um ativo, principalmente na nossa realidade. Os jogadores que temos atualmente são para outros patamares. No entanto, nós temos a visão de que a carreira do jogador também faz parte do nosso trabalho. Não vamos cortar as asas aos nossos atletas.»

Todavia, Pedro Miguel Lima não olha para o novo paradigma, única e exclusivamente, pelas lentes do negativismo: «Na próxima época, os custos vão ser menores. Provavelmente, vamos ter mais gente nas bancadas, porque os nossos adversários vão ser de mais perto. Há mais animação quando as equipas atuam todas em redor da mesma zona. O orçamento acaba por ficar mais equilibrado.»

Mosteirense: o clube que disse 'não' ao CP

Em sentido inverso, face ao conjunto de problemas estruturais do Campeonato de Portugal, existem clubes que optam por dizer 'não' aos nacionais: na temporada 2023/24, o Mosteirense conquistou a distrital de Portalegre, porém, concedeu a sua vaga no elevador ao Arronches e Benfica. Fernando Martins, presidente da instituição, realçou que esta não foi a primeira vez que a turma de Mosteiros deu uma nega à FPF.

«Foi a quarta vez que nós recusamos subir ao Campeonato de Portugal. Somos uma equipa do interior, localizada numa freguesia com cerca de 300 habitantes. Como tal, temos muito poucos apoios, poucos patrocínios. Temos estrutura para o distrital, mas não conseguimos dar um passo em frente», referiu numa primeira instância, antes de mencionar outro impedimento.

«Nós só temos equipa de Séniores. A Federação Portuguesa de Futebol não está preocupada com este tipo de clubes. A certificação impede-nos de participar no Campeonato de Portugal. Com tão poucas crianças nesta zona, como é que vamos ter um departamento de formação? É muito complicado...», acrescentou.

O lote de inquietações não se fica por aqui: «A vida profissional dos nossos jogadores não tem nada a ver com futebol. Treinamos, apenas, duas vezes por semana. Para além disso, com uma competição tão pouco aliciante como o CP, preferimos ter atividades desportivas na nossa zona. Em termos de orçamento, só conseguimos arranjar verbas através da autarquia. Não é suficiente para assegurar grandes deslocações durante uma temporada inteira.»

Se a participação na próxima edição dos nacionais está fora de questão, o líder do conjunto alentejano não descartou a ingressão num torneio distinto: «Gosto de participar na Taça de Portugal, acaba por ser a festa do futebol. Aliás, em 2015/16, jogamos frente ao Nacional, comandado pelo Manuel Machado. Foi muito gratificante ter um primodivisonário aqui em Arronches.»

«Acho que deveria haver um campeonato intermédio, antes do Campeonato de Portugal. Talvez um Interassociações, com equipas mais perto de nós, por exemplo, de Évora, de Castelo Branco e de Santarém. Uma prova que permitisse aos clubes darem um passo em frente, sem que as despesas fossem incomportáveis. Permitiria haver mais competitividade e dava espaço a novas experiências», concluiu.

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