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·13 de outubro de 2020
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Amada por uns e odiadas por outros. Esta é Margaret Thatcher, ex-primeira ministra que governou a Inglaterra entre 1979 e 1990. A Dama de Ferro, apelido pelo qual ficou conhecida por tomar decisões fortes, teve um governo bastante polêmico e divide opiniões até hoje.
Se estivesse viva, completaria 95 anos neste 13 de outubro de 2020. No entanto, ela foi vítima de um derrame cerebral e morreu em abril de 2013.
Se para alguns, futebol e política não se misturam, no governo Thatcher, essas atividades andaram lado a lado. A PL Brasil explica suas medidas em relação ao futebol inglês e como ela nunca se importou com o esporte.
Durante a década de 1980, muitas pessoas poderosas no Reino Unido tipificavam os torcedores exclusivamente como hooligans. Então, a ordem era simples: tomar todas as medidas mais duras possíveis – não importava as consequências. E Thatcher fez isso.
Isso porque, naquela época, os sindicatos eram a base das torcidas organizadas dos clubes ingleses. E a Dama de Ferro sempre quis combatê-los. Então ela tinha uma chance real de acabar com o poder dos sindicatos e, teoricamente, colocar um fim na violência nos estádios – mas isso não aconteceu.
O primeiro envolvimento de Thatcher com o meio esportivo – não necessariamente o futebol – foi durante os Jogos Olímpicos de 1980. A Dama de Ferro seguiu os passos dos EUA e tentou boicotar a participação dos atletas britânicos no evento que seria realizado em Moscou.
A decisão se explica ao contexto da época. Em 1980, estava ocorrendo a Guerra Fria, entre União Soviética e EUA. E Thatcher estava do lado dos americanos, e tinha ótima relação com o presidente Jimmy Carter.
Com a invasão da União Soviética no Afeganistão, o presidente americano propôs a Thatcher boicotar os Jogos Olímpicos de Moscou – e ela logo aceitou, sem nem ao menos conversar com os atletas que disputariam o evento.
Entretanto, a Associação Olímpica Britânica não aceitou isso. Os atletas tinham um sonho de disputar as Olimpíadas e peitaram a decisão de Thatcher. E foram altamente alvos do governo.
Segundo relatos da BBC, a Dama de Ferro e sua trupe enviaram imagens de crianças mortas pela União Soviética no Afeganistão aos atletas, na tentativa de convencê-los. Mas isso não funcionou. Os mesmos depoimentos afirmam que, ao receberem as fotos, os esportistas tomaram a decisão definitiva de que iriam aos jogos.
Na hora das premiações, os atletas substituíram a bandeira e hino da Inglaterra pelo emblema e a canção olímpica. Uma forma de protesto às atitudes de Margaret Thatcher.
E a tentativa da dama de ferro de intervir não parou nas Olimpíadas. Em 1982, a Guerra das Malvinas estava no seu auge. O conflito era entre Inglaterra e Argentina e teve um embate bem sangrento, no qual houve muitas mortes.
1982 também era ano de Copa do Mundo. E Thatcher sabia da força que a Argentina tinha no futebol – era a atual campeã mundial. Por isso, a então primeira ministra sugeriu que Inglaterra, Escócia e Irlanda do Norte boicotassem o Mundial que iria acontecer na Espanha. Mas isso não foi atendido e os países foram ao torneio.
Quatro anos depois, em 1986, na Copa do Mundo disputada no México, Inglaterra e Argentina se enfrentaram nas quartas de final em um confronto histórico, onde os argentinos saíram vencedores.
Na biografia do craque e ídolo argentino Diego Maradona, ele descreveu aquela partida como uma espécie de revanche por tudo que havia acontecido na Guerra das Malvinas.
Quem se beneficiou do embate entre Argentina e Inglaterra fora de campo foi Thatcher. Com a vitória dos ingleses, seu governo conservador foi fortalecido e a Dama de Ferro conseguiu se reeleger.
Como citado no início do texto, os sindicatos e os clubes tinham uma relação muito próxima durante os anos 1980. Muitas equipes, inclusive, foram originadas desses grupos. No entanto, Thatcher via os sindicatos como um grande inimigo. E, na época, o hooliganismo estava cada vez mais forte.
Mas nem todo mundo que ia ao estádio e frequentava os sindicatos era um hooligan. Porém, isso pouco importava para quem comandava a Inglaterra naquela época. Em um artigo publicado em 2012 pelo jornal The Guardian, há um trecho que comprova que os torcedores não eram tratados da melhor maneira.
“Nos anos 1980, muitas pessoas poderosas do Reino Unido consideravam os torcedores como nada além de hooligans, que deveriam ser policiados da maneira mais robusta possível”, diz o trecho do artigo. E isso acabou sendo adotado por Thatcher e sua trupe durante o seu governo – que conviveu com sérios desastres em estádios.
Começando pela tragédia de um incêndio no estádio de madeira do Bradford City, que causou a morte de 56 pessoas em 1985. Esse fato deixou ainda mais explícito o que todo mundo sabia. Os estádios ingleses estavam em condições bem abaixo das ideais para uma experiência de futebol, com condições extremamente precárias e que colocavam em risco quem estava ali.
No entanto, o governo fechava os olhos para essa realidade, focando apenas nos hooligans como principal alvo.
Dias depois, outra tragédia. Desta vez não foi na Inglaterra, mas sim na Bélgica. No entanto, envolvia um clube inglês. Na final da então Copa das Campeões (hoje Champions League) de 1985, entre Liverpool e Juventus, cerca de 39 torcedores do clube italiano morreram no estádio de Heysel, em Bruxelas, capital belga.
Os hooligans foram considerados culpados, claro, e como forma de punição, a Uefa baniu todos os clubes ingleses de competições europeias por cinco temporadas – o Liverpool, por estar envolvido, ficou seis. E Thatcher concordou com essa medidas.
Entretanto, os envolvidos nas investigações resolveram ignorar que o estádio daquela final não tinha as mínimas condições de receber um jogo daquele porte. Além do estado precário em que se encontrava, ainda houve péssima distribuição dos ingressos, o que causou a superlotação.
Porém, os envolvidos tratavam aquilo como apenas casos de hooliganismo, mesmo que todo mundo estivesse enxergando que outros problemas também contribuíram para os desastres tanto de Bradford como de Heysel.
Os anos iam passando e as condições dos estádios continuavam sendo ignoradas, atribuindo os problemas exclusivamente aos hooligans. Não que eles não tivessem culpa, longe disso, mas era uma situação que necessitava de intervenção em outras condições. O que não foi feito por Thatcher e sua cúpula.
Além das grades nos estádios, que pareciam estar guardando animais, Thatcher teve outra ideia para melhorar a experiência num jogo de futebol: registrar os torcedores e obrigá-los a terem um cartão de identificação. O que, definitivamente, não deu certo. E se tornou um erro histórico e lembrado até hoje.
Não deu certo porque essa medida acabou sendo descartada depois da maior tragédia do futebol inglês: Hillsborough. Na partida entre Liverpool e Nottingham Forest, realizada no estádio de Hillsborough, 96 torcedores dos Reds morreram, além de 766 que ficaram feridos. Um desastre sem precedentes e que até hoje é sinônimo de dor.
Uma série de erros causaram o desastre. O primeiro: local da partida. O estádio de Hillsborough, localizado na cidade de Sheffield, já sofria com graves problemas de infraestrutura. Entretanto, inexplicavelmente, recebia inúmeros jogos decisivos.
Mesmo que muitos tentem separar essas atividades, futebol e política andam lado a lado. O esporte mais popular do mundo não está alheio do que está acontecendo na sociedade, como explica o historiador e professor Luiz Antônio Simas.
Em entrevista à PL Brasil, ele detalhou como o desejo de Thatcher de punir a classe trabalhadora, que fazia parte dos sindicatos, influenciou nas suas medidas no futebol. De acordo com Simas, o futebol não está alheio da sociedade, sendo um sintoma do mundo.
Portanto, naquela época, as políticas neoliberais de Thatcher em parceria com Ronald Regan, presidente dos Estados Unidos de 1981 até 1989, foram fundamentais para o desmonte de bem-estar social na Inglaterra, com os ataques direcionados para a classe trabalhadora e os sindicatos – público que a Dama de Ferro considerava inimigo.
“Então quando Thatcher interferiu pesadamente no futebol inglês, no caminho da elitização do futebol, no caminho da domesticação do ato de torcer, ela investiu contra uma forma de sociabilidade dos mais pobres, da classe trabalhadora. Havia um espiral de violência no futebol inglês? Evidente que havia, a gente não vai achar que foi a Thatcher que inventou o que acontece de mais violento no futebol da Inglaterra”, disse Simas.
O historiador ainda completa afirmando que o interesse da Dama de Ferro não era exatamente o jogo, mas sim a sociabilidade da classe trabalhadora britânica, público presente nos sindicatos e que estava presente nos jogos de futebol – e com muita influência nos clubes.
“Era uma época em que o fenômeno dos hooligans estava muito acirrado, e tudo isso. Agora ela aproveitou alguns episódios para uma interferência pesada na desmobilização das formas de sociabilidade que passavam pelo futebol. No fim das contas, o horizonte da Thatcher não era exatamente o jogo, mas sim formas de sociabilidade da classe trabalhadora“, detalha.
Como citado, os sindicatos representavam não apenas uma influência nos clubes e no futebol, mas também uma forma de pertencimento. O esporte, por si só, já traz essa carga de coletividade, o que aumenta ainda mais quando todos estão focados em um objetivo, como é o caso do mundo da bola.
Para Simas, Thatcher usou alguns episódios violentos do futebol inglês para culpar os torcedores. Além disso, também vincular os fãs a essas formas de organização, no qual ela sempre buscou atacar antes mesmo de ser eleita.
“E aí você tem um papel que ela estabelece e está vinculada a isso, que é pegar alguns episódios, transformar esses episódios em episódios de extrema violência, tendo os torcedores como principais responsáveis. E sempre vinculando esses torcedores a essas formas de organização”, disse Simas, que completa abordando a questão do pertencimento dos sindicatos.
“O pano de fundo é esse: o que nós temos é um ataque às formas de organização. O que nós chamaríamos de torcida organizada, é uma construção de identidade, de pertencimento. Como o sindicato também é uma construção de pertencimento. Na perspectiva dela, era essa a questão da desmobilização”, finalizou.
Para o professor, as medidas de elitização buscadas por Thatcher repercutem no futebol inglês até hoje. Desde os preços mais caros dos ingressos até a mensagem passada pelas dezenas de câmeras durante a transmissão, com o intuito de repassar a mensagem de que a experiência é mais completa dentro de casa.
“Esse processo de elitização, articulado ao interesse do capital, a questão da Premier League e tudo isso, está muito vinculado ao que começou com a Thatcher. Então basicamente é isso: atacar a ludicidade e as formas de sociabilidade dos mais pobres.
“Você não se importou quando mentiu. Nós não nos importamos com a sua morte”. Essa frase estava escrita em um cartaz no Anfield, durante uma partida realizada entre Liverpool e Reading, poucos dias após a morte de Margaret Thatcher, vítima de um derrame cerebral.
A frase do cartaz estava fazendo alusão à postura da Dama de Ferro durante as investigações sobre a tragédia de Hillsborough. A torcida do Liverpool não perdoou a forma como a ex-primeira ministra tratou o caso. Antes mesmo dela morrer, alguns fãs do Liverpool cantavam uma música com a seguinte letra: ‘Quando Maggie Thatcher morrer, nós vamos comemorar’.
Além dos moradores de Liverpool, outras pessoas do Reino Unido também foram para as ruas comemorar a morte de Thatcher, em 2013. No entanto, a parte da sociedade britânica que enxerga a Dama de Ferro como uma grande líder lamentou bastante o seu falecimento há sete anos atrás.