
Central do Timão
·03 de junho de 2025
Crises contratuais e laços familiares com a Omni: os bastidores da parceria entre Corinthians e Ligatech

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·03 de junho de 2025
No próximo dia 14, expira o prazo legal para que o Corinthians implemente a biometria facial na Neo Química Arena. A data havia sido determinada pelo artigo 148 da Lei Geral do Esporte (14.597/2023), e será descumprida pois, mesmo quase três meses após o clube assinar acordo com a Bepass para instalar a tecnologia e operar os equipamentos no estádio, o cronograma não avançou sequer na etapa de cadastramento dos torcedores.
Devido a isso, a gestão interina do Alvinegro cogita rescindir com a empresa e buscar uma nova solução no mercado. A avaliação interna é de que, embora haja um custo para romper com a Bepass, o valor gasto com a multa seria “compensado” pela economia gerada na assinatura de um acordo com outra empresa, cuja oferta global, considerando recebimento de equipamentos e fornecimento dos serviços, seria menos custosa ao clube.
Foto: Alexandre Kocinas / Corinthians
A confiança nesta “economia” gerada por um possível novo acordo vem dos termos oferecidos por empresas do segmento durante a Request for Proposal (RFP) conduzida em 2024 pelo TI alvinegro e também por uma negociação conduzida pelo mesmo setor com representantes da Ligatech, que desde 2021 faz a operação das catracas da Neo Química Arena e, durante as conversas para renovar o acordo no final de 2024, propôs incluir a biometria facial no escopo da parceria.
No entanto, segundo documentos e cópias de e-mails acessados pela Central do Timão, a diretoria corinthiana, então liderada pelo presidente afastado Augusto Melo, rejeitou a oferta, mantendo a biometria facial de fora do acordo e demitindo, dias depois, Marcelo Munhoes, chefe do TI e responsável por amarrar o acordo. A renovação do vínculo com a Ligatech até foi concretizada, pelos mesmos valores da oferta rejeitada, mas sem a operação da biometria facial.
Relação recente conturbada
O início da parceria entre Corinthians e Ligatech teve início em 4 de outubro de 2021, durante a gestão Duílio Monteiro Alves, com validade até 31 de dezembro de 2023. Após esta data, porém, já na gestão Augusto Melo, a prestação de serviço seguiu normalmente, e a continuidade do vínculo foi formalizada em 17 de maio de 2024, quando uma nova proposta comercial foi acertada entre as partes até 31 de dezembro do mesmo ano.
Nos primeiros dias de 2025, então, tem início as conversas para mais uma renovação do acordo, com a intenção de incluir a biometria facial no escopo de serviços prestados. No entanto, antes de oferecer proposta neste sentido, a Ligatech formaliza um protesto contra práticas adotadas pela gestão no ano anterior, que a empresa considerou graves:
1 – Ameaças sofridas pela empresa, por parte de membros da gestão, no sentido de que a empresa seria trocada. A pressão teria feito com que a Ligatech aceitasse conceder descontos e isentar de aluguel as catracas móveis, como condição para que permanecesse no clube;
2 – A cessão não autorizada de três catracas com tecnologia da Ligatech, pelo Corinthians, para concorrentes da empresa (Ticket Hub / BWA e Futebol Card), que também tiveram acesso à sala técnica da empresa na Neo Química Arena, onde ficam os servidores e materiais de trabalho confidenciais – tais fatos foram objeto de comunicação extrajudicial da empresa ao Corinthians, entregue em novembro de 2024 ao então diretor jurídico Vinícius Cascone;
3 – A não-resposta, por parte do Corinthians, de uma proposta feita pela Ligatech em março e abril de 2024 para implementar a biometria facial na Neo Química Arena em 2025, com os cinco primeiros jogos sendo feitos sob o regime de comodato, sem custo prévio para o clube;
4 – O não-pagamento de dívidas do Corinthians com a Ligatech que remontam a 2023 mas que se estenderam a 2024, além da suspensão, em abril deste ano, do split de pagamentos (sistema que divide um pagamento único entre vários fornecedores que tem direito a receber), sem aviso prévio nem justificativa posterior.
Operação sem contrato
Mesmo sem resolver plenamente todas as questões, a Ligatech envia em 16 de janeiro uma nova proposta, incluindo a biometria facial no escopo de serviços. Após solicitações de ajustes, uma versão final é encaminhada ao clube no dia seguinte, com novas preocupações expressadas pela empresa, afinal de contas, o Corinthians jogaria em Itaquera no dia 19 contra o Velo Clube, pelo Paulistão, e ainda não havia contrato assinado com a empresa que operaria a logística de ingresso do público no estádio.
As conversas continuaram durante o dia 18, véspera do jogo, sem que o contrato fosse assinado pelo presidente Augusto Melo. Já de noite, no mesmo dia, firma-se um compromisso no qual a Ligatech aceitaria operar as catracas mesmo sem um contrato assinado, o que aconteceria na terça-feira seguinte, dia 21, após orientação dada pelo então diretor jurídico Vinícius Cascone – copiado em toda a troca de e-mails.
No entanto, mesmo após a realização do jogo, com operação logística da Ligatech em Itaquera, o Corinthians não apenas não paga de imediato a nota fiscal desta operação individual como também não assina a proposta comercial no dia 21, como havia prometido. A operação sem contrato volta a acontecer no dia seguinte, quando o Timão recebeu o Água Santa em Itaquera, e somente no dia 24, após protestos da empresa, o financeiro alvinegro quita as NFs. O contrato, porém, seguiu sem ser assinado.
Mudança no acordo
O Corinthians é cobrado novamente pela Ligatech em 28 de janeiro, após nenhuma das pendências (dívidas antigas, catracas em posse de concorrentes e assinatura do novo contrato) ser resolvida. A essa altura, Marcelo Munhoes já havia sido demitido do clube, por divergências com a gestão em diversos assuntos, incluindo o Fiel Torcedor.
No mesmo dia, a empresa se reúne com Cascone e o novo chefe do TI alvinegro, onde o clube solicita que a biometria facial seja retirada da proposta comercial. Ocorre que, a esta altura, a Ligatech já havia comprado os equipamentos para iniciar a implementação da tecnologia, baseada na promessa de assinatura do acordo uma semana antes, que não ocorreu. O investimento da empresa nestes equipamentos foi de R$ 589 mil.
Dada a nova situação, a empresa atende ao clube, oferecendo uma nova proposta excluindo a oferta da biometria facial, mas solicita preferência para quando o Corinthians resolvesse implementar a tecnologia. Pede, ainda, o ressarcimento do valor gasto com os equipamentos e reforça o pedido para que fossem resolvidas as pendências anteriores, incluindo a devolução de uma catraca que, até esse momento, ainda estava em posse da Ticket Hub / BWA. É esta proposta que o clube aceita e assina, em 7 de março.
Quanto custa a parceria
O objeto do aditivo assinado nesta data entre Corinthians e Ligatech é a prestação não-exclusiva de “serviços de operação, desenvolvimento, consultoria, suporte e manutenções especializadas para gestão, operação, controle de acesso dos jogos, eventos e demais necessidades” do clube. A Ligatech se manteve responsável por fornecer o staff e a tecnologia para executar tais serviços.
A empresa concedeu descontos ao clube no campo das remunerações. Pelo contrato assinado, a manutenção das 145 catracas (e do sistema que as operam) passou de R$ 54.250 para R$ 39 mil mensais. Já a consultoria e apoio técnico nos jogos do futebol masculino, incluindo staff de 15 a 20 pessoas, passou de R$ 72.500 para R$ 54 mil. Já outros eventos, ou a operação de jogos de outros times, tem valor variável, calculado caso a caso.
Os jogos no Parque São Jorge e no Ginásio Wlamir Marques tem a cobrança, pelo contrato, apenas do efetivo pessoal utilizado nos eventos, de acordo com tabela anexa ao acordo, onde está especificada a remuneração, por função, de cada staff cujo serviço o clube julgue necessário. Cada bilheteiro, por exemplo, custa R$ 220. Já um segurança tem sua contratação precificada em R$ 300, por até oito horas de evento.
O acordo tem duração de 12 meses, renováveis por outros 12 meses mediante manifestação expressas das partes. A multa rescisória estipulada é baixa, estipulada em R$ 500 mil e podendo ser acionada por ambos os lados. O contrato validou, ainda, todos os atos ocorridos até a data de assinatura, englobando, assim, as operações realizadas pela Ligatech em Itaquera nos meses anteriores.
Conexões familiares
O vínculo do Corinthians com a Ligatech, porém, é criticado por torcedores nas redes sociais. As críticas tem relação com a família proprietária da empresa: os Ravaglio, que também fundaram e controlaram a Omnisys e a Omnigroup, ambas conhecidas popularmente apenas como Omni e que que tem longa história com o Alvinegro.
Entre 2007 e 2017, a Omni assumiu diversas operações e serviços junto ao Corinthians. A empresa financiou o processo de criação do Fiel Torcedor, estando à frente de sua operação por cerca de dez anos. Além disso, fazia o controle da bilheteria da Neo Química Arena, administrava o estacionamento do estádio e prestava serviços de administração no local. Os termos destes contratos, sobretudo o do estacionamento, eram alvos de severas críticas, por serem considerados negativos ao clube.
Como exemplo, vale lembrar apuração da reportagem da Folha de São Paulo de 2016, que revelou que a Omni havia arrecadado R$ 9 milhões no ano anterior apenas com o FT, além de R$ 100 mil por jogo com administração da bilheteria, catracas e controle de acesso. Já no estacionamento, seu gasto anual com manutenção era de R$ 1 milhão por ano, porém a empresa ficava com a receita nos dias de jogos.
O vínculo entre o clube e a empresa se encerrou de fato apenas em 2019 após longo imbróglio e a definição de que seria pago à Omni uma indenização de R$ 14 milhões pela rescisão antecipada, parcelada em 60 meses. Segundo apurações da época, o Corinthians moldou uma engenharia financeira onde o valor das prestações, pagos à Omni, seriam descontados do montando pago pelo clube à IBM, sucessora da empresa na operação do FT.
O vínculo familiar entre Omni e Ligatech é centralizado na figura de Marta Alves de Souza Cruz Ravaglio, atual CEO da Ligatech. Ela é esposa de Luiz Alberto Ravaglio e mãe de Alex Marques Ravaglio, sócios da Omnisys, uma das empresas Omni, que foi extinta em 2024. Além disso, é mãe de Anna de Souza Cruz Ravaglio, fundadora da Ligatech. Além disso, desde 2022 a Ligatech funciona no mesmo endereço em que a Omnisys operou nos anos finais de existência.
Defesa da Ligatech
A Central do Timão procurou fontes ligadas ao clube para entender a escolha da Ligatech para firmar parceria em 2021, poucos anos após se encerrar o vínculo com a Omni, empresa da mesma família e que gerou uma série de polêmicas e possíveis prejuízos financeiros. O argumento usado foi de que a Ligatech, àquela altura, prestava serviços para diversas outras entidades como a Federação Paulista de Futebol (FPF), sendo bem avaliada. O baixo custo cobrado pelos serviços também foi ressaltado.
Fontes ligadas à atual gestão também foram procuradas, para justificar a manutenção e renovação do contrato com a empresa. As pessoas ouvidas afastaram qualquer hipótese de favorecimento pessoal ou político na escolha, afirmando que os valores cobrados pela Ligatech para continuar no Corinthians a partir de 2025 estão abaixo da média de mercado, devido aos descontos oferecidos ao clube. A baixa multa rescisória negociada no aditivo também é apontada como sinal da lisura do negócio.
Outro argumento usado, por fim, foi o fato de o aditivo mais recente, descrito nesta matéria, ter sido assinado em março deste ano, portanto, pela gestão Augusto Melo, contando com o crivo de aliados do presidente como o diretor jurídico Vinícius Cascone. Tal ato, segundo as fontes ouvidas, provaria que a Ligatech se manteve na prestação de serviços devido à qualidade do trabalho desenvolvido.
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