Fut das Minas
·12 de dezembro de 2024
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·12 de dezembro de 2024
Construir um bom ambiente de trabalho, requer um bom fundamento e para isso, nada melhor do que edificá-lo sobre valores sólidos, como a coletividade e a excelência. Essas são algumas características do Palmeiras da Camilla Orlando, treinadora de 40 anos que assumiu as Palestrinas em 2023 com a missão de reerguer a equipe.
Camilla jogou profissionalmente entre 2004 e 2015, e virou treinadora pela vontade de “fazer algo melhor pelo futebol feminino”. Em entrevista exclusiva ao Fut das Minas, ela contou sobre sua carreira e sobre as dificuldades e aprendizados desta temporada, sem esquecer da Seleção Brasileira e da Copa do Mundo de 2027.
Foto: Luiz Guilherme Martins/Palmeiras
“O maior aprendizado foi a confirmação de algo que eu já sei: o jogo é delas. Eu preciso estar muito conectada com elas e as ideias delas para que eu possa, dentro do treinamento, onde eu tenho autonomia, controlar e manipular os espaços, o tempo e a intensidade de cada exercício para que elas possam tornar o jogo mais fácil.“
A temporada do Palmeiras começou em grande estilo com uma vitória sobre o Flamengo por 3 a 2. Relembrando a trajetória que culminou no título estadual, Camilla Orlando valorizou esse resultado, pois deu ainda mais confiança para o início do seu trabalho (que naquela altura tinha pouco mais de três meses).
“Começamos muito bem, vencendo na estreia do Campeonato Brasileiro diante de uma equipe forte e que vinha pra ser uma das grandes na temporada. Então já foi um grande passo. Depois oscilamos e demorou para conseguirmos ajustar os detalhes de um trabalho em equipe: o melhor sistema e a melhor forma de potencializar elas juntas.”
Esses ajustes aconteceram com o tempo e mesmo com alguns tropeços no Brasileirão, o Palmeiras se classificou em quarto e avançou até as semifinais. Na ocasião, as Palestrinas venceram o jogo da volta, mas não conseguiram tirar os dois gols de vantagem do Corinthians. Após a partida, quando foi questionada por um repórter, Camilla apontou que faltou tempo de trabalho para atingir o resultado ideal.
“Foi o que faltou ali. Então teve a parada para as Olimpíadas a gente conseguiu acelerar um pouco, depois com a parada da Libertadores aceleramos ainda mais e conseguimos fazer acontecer no Campeonato Paulista.“
Foto: Fabio Menotti/Palmeiras
Essas pausas foram fundamentais para o desenvolvimento do trabalho, mas o tempo não foi o único aliado. Ao longo da entrevista, Camilla deixou claro alguns valores que norteiam sua carreira, como a coletividade, a disciplina e a mentalidade forte, pilares que buscou internalizar no clube desde que chegou.
“Foi um processo diário, construído desde o primeiro momento em que traçamos a nossa meta sabendo exatamente onde queríamos chegar. Sabendo que teríamos altos e baixos, desafios e sabendo que seria justamente nesses momentos em que precisamos ser mais fortes e resilientes“
Para isso, implementou alguns “rituais” no dia a dia palmeirense, criando uma rotina clara e bem planejada – que diz ser herança de sua experiência no futebol norte-americano. Ao mesmo tempo, ela e a comissão alimentaram o espírito de equipe, sem deixar de valorizar a individualidade de cada jogadora.
“Para fechar com chave de ouro esse desenvolvimento mental que tivemos como grupo, foi realmente acreditar que estávamos prontos para vencer a partida, para dar o melhor jogo naquele dia e que tudo daria certo. Fomos construindo isso no dia a dia, que o nosso melhor momento seria a final e foi isso que aconteceu.”
Foto: Mauro Horita/Ag. Paulistão/Centauro
Logo antes de declarar sua admiração por Tatiele Silviera (Colo Colo-Fem) e Emily Lima (Seleção Feminina do Peru), Camilla comentou sobre a sua relação com as atletas, com quem disse ter aprendido muito em 2024, e como ela encara o fato de ser a primeira treinadora de muitas delas.
“Acho que elas também confiaram e quiseram me devolver isso. Lembro que uma delas falou pra mim ‘professora, eu quero muito ser campeã com uma treinadora mulher, vai ser muito importante pra mim’. Acho que isso fortaleceu muito elas, mas também me fortaleceu.“
Abraço de Letícia e a comemoração com o time. Foto: Fabio Menotti/Palmeiras
Para além de ter começado sua carreira como treinadora no sub-18 feminino do Internacional, Camilla nunca escondeu a importância que dá ao investimento nas categorias de base. Essa é uma promessa antiga no Palmeiras que se tornou realidade apenas nesta temporada, com a montagem do elenco sub-20 para a disputa da Copinha Feminina.
Embora o time ainda não estivesse formado, o clube já possuía algumas jogadoras da categoria incorporadas ao elenco principal, como é o caso de Tainá Maranhão e Dudinha, destaques do alviverde no Brasileirão A1. Dudinha, inclusive, foi a autora de um dos gols do título no Derbi da final do Paulistão.
“Já acredito nelas desde o início do ano, já fazem parte do projeto profissional do Palmeiras. (…) A Duda, por exemplo, teve a oportunidade de ser apresentada para o mundo do futebol esse ano, mas já vem treinando aqui em alto nível. Tudo isso forma uma atleta pra que na hora que ela tenha a oportunidade ela esteja realmente pronta para brilhar.“
Dudinha comemorando seu gol na final. Foto: Mauro Horita/Ag. Paulistão/Centauro
Voltando um pouco ao passado, precisamente em 2019, Camilla foi campeã do Brasileirão Sub-18 com as Gurias Coloradas em uma campanha de apenas uma derrota: para o Santos de Amanda Gutierres, que foi a artilheira da competição. A centroavante, que hoje segue artilheira, mas pelo Palmeiras, não marcou na ocasião, mas já atraía os olhares e a preocupação das comissões adversárias.
“Era uma atleta que eu estudei e que tive a oportunidade de ver, mas trabalhar com ela no dia a dia é ainda mais engrandecedor. Não é artilheira do Campeonato Brasileiro por dois anos consecutivos à toa, né? Ela tem um entendimento do jogo muito legal de poder compartilhar no dia a dia.“
Após o título do Paulistão, a treinadora mostrou que não quer parar por aí. Mirou a conquista da Libertadores e até mesmo de um futuro Mundial de Clubes Feminino – o que ela espera que aconteça logo. E enquanto pensa nesse futuro alviverde, não esconde que pensa também em um futuro com a Amarelinha.
“Claro que comandar uma seleção é realmente uma grande oportunidade, mas neste momento eu tenho estado muito concentrada no clube, quero poder desenvolver um projeto de médio a longo prazo, acho que é algo que fortalece a minha carreira e espero que seja possível fazer isso.
É verdade que o contexto atual está muito mais favorável ao desenvolvimento do futebol feminino, mas os avanços são lentos e ainda há certa insegurança. Por esse motivo, ao fazer projeções sobre o futuro, Camilla demonstrou ter também alguns “pés atrás” por conta do passado.
“Eu brinco que eu sou da geração do ‘agora vai’ do futebol feminino, muitas vezes falamos isso e só agora demos esses passos de profissionalização com os clubes investindo. Então espero que a gente siga caminhando, principalmente porque vamos receber uma Copa do Mundo aqui.“
Com o Brasil escolhido para sediar a Copa de 2027 com um discurso de valorização da modalidade e de sua pluralidade, espera-se um legado deixado pelo evento. A exemplo da Austrália, é visível o impacto positivo causado pelo Mundial de 2022.
“Temos uma oportunidade muito grande nas nossas mãos e temos que aproveitar da melhor forma possível, aproveitar para massificar a modalidade no país, para que o futebol também faça parte da vida das brasileiras.“
Não arriscou cravar as futuras estrelas das Seleção até a próxima Copa, mas mostrou empolgação ao falar do tema. Com cada vez mais jogadoras brasileiras atuando no exterior, especialmente nos Estados Unidos, a treinadora destacou a importância delas para o cenário nacional.
Uma coisa que eu torço é que elas possam estar no futebol brasileiro, acho que isso ia fortalecer muito o campeonato. Independente disso, também sei da importância que tem ir pra fora e ter outras experiências. Espero que seja uma grande Copa do Mundo, que todas as que estiverem representando a Seleção Brasileira possam brilhar e que seja a nossa vez de ser campeão.
A gente faz parte do desenvolvimento da modalidade no país, a gente tá vivendo isso. Fico feliz de poder traçar uma carreira em que vivencio cada passo do futebol e da sua trajetória, de como as atletas vão se desenvolvendo dentro de cada momento.
A fala de um treinador que tive me marcou muito, ele disse “isso é o futebol feminino”, mas sem a grandeza que ele é e eu sei que o futebol feminino é muito grande. Mudou a minha vida e a de muitas pessoas. A gente merecia ter isso estruturado e bem organizado. Eu compartilhei e aprendi muito com elas nesse quesito.
“O Arthur é um treinador multicampeão, um treinador que conhece muito bem o futebol feminino e faz parte do desenvolvimento da modalidade (…) Agora, no primeiro campeonato dele, já é vice-campeão, mostrando um futebol agressivo e ofensivo. Ele é uma grande referência pra mim e acho que está representando muito bem o futebol brasileiro.
Uma temporada de altíssimo nível, aquelas que você faz quatro em um e tem que acelerar todo o processo em um ano. (…) Desenvolvemos juntos e tornamos a rotina de uma equipe campeã e que queria entrar pra história do clube e do campeonato. Foi o que construímos e evoluímos no dia a dia, principalmente essa confiança no trabalho em equipe.
“Eu busco deixar uma mentalidade do trabalho, que fortalece a mim, mas principalmente à equipe. A força do esporte coletivo é justamente o coletivo e eu procuro fortalecer isso a cada passo que vou dando e esse ano foi muito especial. Pelo tamanho do clube e pela qualidade das atletas.”
São atletas com bagagem e muito a compartilhar, foi essa força que eu quis dar pra elas. No final, são elas que fazem acontecer então que elas confiassem nisso e no trabalho da equipe diariamente. A ideia não é definir os caminhos para elas, mas ler os espaços para que juntas pudessem fazer acontecer. Lembro que quando parei de jogar, me comprometi que era porque eu queria fazer algo melhor pelo futebol feminino.
A última preleção foi a certeza de que a gente estava se ajudando a superar nossos limites, a realmente dar um passo pra cima na nossa carreira. Foi uma preleção com outras atletas falando e outras pessoas participando. Essa preleção coroou esse momento de integração de um pensamento em busca de um único objetivo que era a taça.
Foi tentar conectar um pouco de tudo isso que vivenciei nesses lugares e nos clubes por onde passei. Nosso país é muito grande, então em cada clube eu tinha um pouco do sul, do sudeste, do centro-oeste. Tento sempre multiplicar isso para podermos viver, como nação, a potência que é o futebol feminino.
Os EUA me deram uma formação muito especial no sentido de ter uma organização do esporte porque a cultura americana é ver o esporte como algo que pode transformar uma sociedade e a gente também vê o futebol assim. Aliás, o futebol é isso para a gente e poder trazer isso, de uma organização estrutural, de pensamento a médio e longo prazo, a gente já mais acelerado, tudo “pra ontem”
Quando estava no Chile com a Tatiele, pude observar o trabalho dela, que é uma treinadora que me inspira, que tem uma organização, um planejamento e uma mentalidade vencedora. Não é à toa foi a primeira treinadora a conquistar o Brasileirão Feminino. Nessa mesma época a Emily estava por lá e pude acompanhar também o trabalho dela. (…) Em relação ao amistoso que assisti, foi interessante ver a evolução dela e como ela planta uma semente por onde ela passa – hoje estou com uma atleta que passou por ela. Então também é legal ver a nossa cultura sendo espalhada.