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·25 de outubro de 2025
Fla-Diretas: quando a democracia vestiu rubro-negro

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Neste sábado (25), o Dia da Democracia no Brasil, data que homenageia o jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura durante a ditadura militar, o MundoBola Flamengo relembra a Fla-Diretas, movimento que uniu futebol e liberdade no Maracanã.
Quase 40 anos depois, o economista Sérgio Besserman, um dos fundadores, revisita a história do grupo e conta como o Flamengo se tornou parte da luta pela redemocratização do país.
O país vivia os últimos meses da ditadura militar. As manifestações pelas Diretas Já reuniam milhões de pessoas nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro pedindo o direito de eleger o presidente da República.
O regime ainda era comandado pelo general João Figueiredo, torcedor do Fluminense, enquanto o país se dividia entre o candidato governista Paulo Maluf e o oposicionista Tancredo Neves, flamenguista declarado.
A história da Fla-Diretas começou de forma simples, entre amigos que se reuniam para jogar bola e falar de política. A maioria vinha do movimento estudantil e compartilhava o amor pelo Flamengo e pela liberdade em um Brasil que ainda vivia sob os resquícios da ditadura militar.
Sérgio Besserman conta que a ideia surgiu naturalmente, em meio às conversas na praia e às peladas entre universitários do Rio de Janeiro.
“Havia um grupo de amigos que misturava a galera do Casseta, do PULSAR, e todo mundo se encontrava. Era o Cláudio Manoel, o Bussunda, o Marcelo Madureira, o Rony, essa turma toda. Nós íamos à praia, perto da Joana Angélica, e ali se reunia esse pessoal do movimento estudantil contra a ditadura, junto com outros amigos. Eu era dirigente do movimento estudantil naquela época. Batendo papo, surgiu a ideia da Fla-Diretas.”

Foto: Ignácio Ferreira/Abril Comunicações
O grupo tinha entre vinte e trinta pessoas no início. A convivência vinha de muito antes. Besserman, o irmão Bussunda, Cláudio Manoel e outros colegas haviam estudado juntos no Colégio de Aplicação da UFRJ. Eram jovens engajados, mas também apaixonados pelo humor e pela convivência.
“O que nos unia era a vida, o destino. Estudamos juntos e todos lutávamos pela democracia, pela derrubada da ditadura. E tinha um coleguismo sacana, uma alegria de estar juntos. Eu recrutei todos eles”, brinca.
O humor, marca registrada do grupo, já aparecia ali. Sérgio recorda que mesmo os amigos que não eram rubro-negros se juntavam para colaborar com o movimento.
“Tinha gente que não era Flamengo, mas ajudava, participava dos papos, dava força. Era um grupo que acreditava na liberdade e se divertia junto.”
A Fla-Diretas fez sua primeira aparição nas arquibancadas no jogo contra o Palmeiras, em janeiro de 1984, pelo Campeonato Brasileiro. Antes disso, o grupo buscou apoio das principais torcidas organizadas e da diretoria rubro-negra.
“A gente conversou com a Raça e com a Jovem, e ambas mostraram total simpatia. Não era engajamento político, que não era a deles, mas apoio. A Raça, inclusive, foi quem coordenou o local onde ficaríamos. No Maracanã, primeiro o pessoal tentava entender o que era, mas logo percebia. Era apoio total.”
O grupo levou bandeiras e faixas pedindo eleições diretas para presidente. A Raça Rubro-Negra acolheu os novos torcedores como aliados, e a presença da Fla-Diretas rapidamente chamou atenção.
“No começo, uma torcida chamada Independente, que ficava mais à frente, estranhou um pouco. Mas quando viram que a Raça estava com a gente, tudo se resolveu. Era uma festa. O Bussunda, por exemplo, ia a todos os jogos. Era conhecido na geral inteira, falava com todo mundo. Ele tinha uma sensibilidade enorme para entender a reação popular.”
O apoio dentro do clube veio de Márcio Braga, então deputado federal pelo PMDB e ex-presidente do Flamengo. Próximo de Tancredo Neves e Leonel Brizola, ele integrava a Comissão das Diretas na Câmara e foi o elo entre o grupo e o presidente George Helal, que autorizou a presença da torcida no Maracanã.
O encontro com Helal teve seu lado curioso:
“O Márcio Braga levou tudo para uma reunião com o presidente Helal. Ele estava acostumado com torcidas tradicionais e, de início, achou estranho. Logo que entramos, ele começou a nos dar canetinhas do Flamengo, uma para cada um. Era o brinde dele. Mas depois entendeu. Não podia comprometer o clube institucionalmente, mas deu todo o apoio. Chegou até a ajudar com dinheiro para fazermos as faixas.”
A Fla-Diretas também ganhou forma nas mãos de Henfil, um dos maiores cartunistas do país e símbolo da resistência à ditadura.
Autor da ideia do Urubu como mascote rubro-negro, Henfil criou o logotipo da torcida: o urubu puxando uma faixa vermelha, como se fosse um aviãozinho de praia, com o nome “Fla-Diretas”.
A arte virou camiseta, adesivo e plástico de carro, espalhando-se rapidamente pelo Rio como um símbolo de liberdade.
“O Henfil ajudou muito com o desenho da Fla-Diretas. Era o urubu puxando a faixa, como um aviãozinho de praia. Todo mundo reconhecia o traço dele.”
A atriz Christiane Torloni, rubro-negra e engajada politicamente, também apoiou o movimento, tornando-se madrinha simbólica da Fla-Diretas.
O envolvimento dos jogadores do Flamengo também teve papel importante para que a torcida fosse bem recebida.
O grupo chegou a visitar a concentração em Teresópolis e recebeu apoio de nomes como Leandro, Júnior e o zagueiro Figueiredo, que acabou se tornando padrinho da torcida.
“O Leandro deu muita força de imediato. O Júnior também. E o Figueiredo topou ser o padrinho, foi uma brincadeira com o presidente Figueiredo. O Bussunda dizia: ‘O padrinho tem que ser o Figueiredo mesmo’. Eles abraçaram a ideia e deram a maior força. Naquela época ainda havia receio, mas o apoio dos jogadores ajudou muito. Quando se trata de liberdade, a torcida do Flamengo sempre tem algo a dizer.”

Em setembro de 1984, a Fla-Diretas ganhou o Maracanã. O clássico entre Flamengo e Fluminense pela final da Taça Guanabara ficou conhecido como o “FlaxFlu das Diretas”.
Nas arquibancadas, faixas pediam “Muda Brasil, Tancredo já” e “O Fla não malufa”, em alusão ao candidato do regime militar, Paulo Maluf.
“Foi algo muito marcante. Não lembro de outro Fla-Flu com uma manifestação tão forte dos dois lados. Era imprevisível, mas, pela recepção que a gente tinha, sabíamos que o movimento estava colando. As pessoas se aproximavam da gente, queriam participar, e o Henfil ajudou muito com o desenho da Fla-Diretas. Era o urubu puxando a faixa, como um aviãozinho de praia. Todo mundo reconhecia o traço dele.”
Enquanto isso, o Fluminense vivia um constrangimento político. Alguns jogadores haviam viajado a Brasília para presentear o presidente João Figueiredo e acabaram posando ao lado de Paulo Maluf, o que provocou forte reação da torcida tricolor.
No Maracanã, os rubro-negros levantavam a faixa “O Fla não malufa”, e os tricolores respondiam com “O Flu não vai malufar - Diretas Já”. A arquibancada, dividida pela rivalidade, se unia na defesa da democracia.

No campo, o Flamengo venceu por 1 a 0, com gol de Adílio, e ficou com o título da Taça Guanabara de 1984.
A vitória ganhou contornos simbólicos: o time rubro-negro, identificado com Tancredo Neves e o movimento pelas Diretas Já, superava o Fluminense, clube do presidente João Figueiredo e associado, naquele momento, ao candidato do regime.
A comemoração em campo se misturou à das arquibancadas, onde o grito pela democracia ecoava com força inédita. O “Fla x Flu das Diretas” transformou o Maracanã em um ato que marcará para sempre a história política e do futebol brasileiro.
Quase 40 anos depois, Sérgio Besserman reflete sobre o significado daquele movimento e sobre a fronteira entre futebol e política. Para ele, o esporte deve se manter afastado de disputas partidárias, mas nunca dos valores universais.
“Futebol e política não devem se misturar, a não ser em causas que dizem respeito a todo mundo. Liberdade, combate ao racismo, à discriminação de gênero, aos ataques aos direitos humanos. Isso está acima de qualquer divergência. Quando há uma restrição às liberdades, o futebol é muito propício para unir as pessoas.”
Ele relembra que antes da Fla-Diretas já havia surgido outro movimento, a Fla-Anistia, também com apoio de Henfil, no fim da década de 1970.
Segundo ele, o sucesso da Fla-Diretas mostrou como a arquibancada podia refletir o desejo popular por mudança. Nando, irmão de Zico, foi o primeiro jogador de futebol anistiado.
“Lançamos a Fla-Diretas, mas ela só se tornou o que foi porque a torcida encantou. Os jogadores ajudaram, claro, mas principalmente a torcida. Encantou mesmo. E isso mostra que quando se trata de liberdade, o Flamengo sempre está do lado certo da história.”
A Fla-Diretas nasceu da mistura entre humor, militância e paixão, e sobrevive como um dos gestos mais autênticos da redemocratização brasileira dentro do futebol.
O país não teve eleições diretas em 1985, mas o movimento ajudou a impulsionar a vitória de Tancredo Neves e marcou o Maracanã como palco da liberdade, quando a democracia vestiu rubro-negro.









































