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·25 de outubro de 2025
Flamengo e a luta pela liberdade: lembranças no Dia da Democracia

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·25 de outubro de 2025

No Dia da Democracia, celebrado em 25 de outubro em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, o MundoBola Flamengo relembra personagens que, de formas diferentes, ajudaram a construir uma trajetória de liberdade ligada ao clube.
De resistência à ditadura, luta por direitos no futebol e à modernização das leis esportivas, nomes rubro-negros escreveram capítulos que unem esporte, coragem e transformação social.
A trajetória desses personagens ajuda a entender como o Flamengo esteve presente em diferentes capítulos da história política e social do país. Atletas do Rubro-Negro foram parte ativa de momentos decisivos na construção da liberdade e da democracia brasileira.

Remador bicampeão carioca pelo Flamengo em 1964 e 1965, Stuart Angel Jones representou o clube em uma das modalidades mais tradicionais da Gávea.
Jovem, disciplinado e apaixonado pelo esporte, conciliava os treinos no remo com o curso de Economia na UFRJ. Filho da estilista Zuzu Angel e do americano Norman Angel Jones, cresceu em um ambiente de intensa inquietação política e cultural, e acabou se aproximando dos movimentos de resistência ao regime militar.
Com o avanço da repressão, Stuart passou a integrar o MR-8, uma das organizações contrárias à ditadura. Em determinado momento, chegou a se refugiar na sede náutica do Flamengo, na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde contava com a proteção de amigos e companheiros de equipe.
O clube, mesmo sem envolvimento institucional, acabou servindo de abrigo temporário a um atleta que era, ao mesmo tempo, símbolo do esporte e da juventude politizada daquela geração.
Em 1971, Stuart foi preso por agentes da Aeronáutica, levado à Base Aérea do Galeão e assassinado sob tortura. Seu corpo jamais foi entregue à família.
A mãe, Zuzu Angel, transformou o luto em denúncia e levou o nome do filho para as passarelas e para a história da resistência brasileira. Décadas depois, o reconhecimento se estendeu também ao clube que ele defendeu no remo.
Na sede do Flamengo, uma placa com o nome de Stuart foi instalada como homenagem ao ex-atleta e vítima da ditadura. A placa fazia parte do projeto “Pessoas Imprescindíveis”, iniciado em 2006.
Ele inaugurou mais de 40 memoriais em diferentes cidades do país em locais cuja história era ligada à violação de direitos humanos durante a ditadura militar.
Em 2016, a placa foi retirada devido a uma reforma patrocinada pelo Comitê Olímpico Americano, que usou as instalações do Flamengo durante os Jogos Olímpicos do Rio.
Em 2023, no entanto, o clube alegou não saber o paradeiro da placa, algo que segue sem explicação. A homenagem da Gávea foi a única dos mais de 40 memoriais que não está no local original.
Hoje, seu nome está inscrito entre os esportistas brasileiros que morreram pela liberdade. Stuart Angel Jones representa a face mais dolorosa, mas também mais corajosa, da relação entre o Flamengo e a democracia. Um atleta que vestiu o vermelho e o preto antes de se tornar símbolo da resistência política e da luta por justiça.

O zagueiro Figueiredo viveu um momento marcante em 1984, quando o Flamengo e sua torcida se uniram ao movimento pelas Diretas Já.
Em meio à efervescência política que tomava o país, ele se tornou o padrinho simbólico da Fla-Diretas, grupo criado por torcedores como Sérgio Besserman e Bussunda para levar o grito pela democracia ao Maracanã.
A escolha carregava ironia. O padrinho da torcida dividia o sobrenome com o presidente João Figueiredo, último general do regime militar. O gesto era uma provocação bem-humorada, típica do espírito do movimento, mas também um ato de coragem em um momento em que política e futebol ainda se cruzavam com receio.
Em entrevista ao MundoBola Flamengo, Sérgio Besserman relembrou o apoio dos jogadores à causa:
“O Leandro deu muita força de imediato. O Júnior também. E o Figueiredo topou ser o padrinho, foi uma brincadeira com o presidente Figueiredo. O Bussunda dizia: ‘O padrinho tem que ser o Figueiredo mesmo’. Eles abraçaram a ideia e deram a maior força. Naquela época ainda havia receio, mas o apoio dos jogadores ajudou muito. Quando se trata de liberdade, a torcida do Flamengo sempre tem algo a dizer.”
No campo, Figueiredo era firme e discreto, mas fora dele mostrou sensibilidade e consciência ao associar seu nome ao movimento que marcou a redemocratização.
Pouco depois do histórico “Fla x Flu das Diretas”, em que o Flamengo venceu por 1 a 0, o zagueiro morreu tragicamente em um acidente aéreo.

A história de Zico e de seu irmão mais velho, Nando, também se cruza com o tema da liberdade no esporte. Antes de o Galinho se tornar o maior ídolo da história do Flamengo, Nando já havia enfrentado a repressão da ditadura militar.
Ex-jogador e professor, ele foi perseguido, preso e torturado após participar do Programa Nacional de Alfabetização, criado por Paulo Freire e extinto logo após o golpe de 1964.
Nando teve a carreira no futebol interrompida pela perseguição política, mas acabou se tornando o primeiro jogador brasileiro a ser oficialmente anistiado. Décadas depois, Zico contou que acompanhou de perto o sofrimento do irmão e a luta da família por justiça. A experiência marcou sua visão sobre o papel social do esporte e o inspirou em sua própria trajetória pública.
Como atleta, Zico sempre defendeu um futebol mais transparente e profissional. Foi um dos idealizadores da criação do Sindicato dos Atletas Profissionais do Rio de Janeiro, que abriu caminho para a organização dos jogadores como categoria.
Já nos anos 1990, atuou como Secretário Nacional de Esportes e criou a Lei Zico, embrião da Lei Pelé, que introduziu mecanismos de democratização e autonomia na gestão dos clubes.
Em trajetórias distintas, os irmãos Nando e Zico viveram momentos que refletem o valor da liberdade no esporte. Um enfrentou a repressão e tornou-se símbolo de resistência. O outro construiu, dentro e fora das quatro linhas, caminhos para que o futebol brasileiro se tornasse mais justo e profissional.
As histórias de Stuart Angel Jones e Zico mostram que a liberdade no Flamengo sempre se expressou de maneiras diferentes. Em alguns momentos, como ato de resistência contra a repressão. Em outros, como apoio a movimentos que deram voz à democracia nas arquibancadas e no campo.
O Flamengo, com sua força popular e sua ligação profunda com o povo, sempre refletiu o espírito do seu tempo. Quando a liberdade foi ameaçada, o clube teve em seus atletas e torcedores exemplos de coragem. E quando o país voltou a respirar democracia, o rubro-negro continuou presente, fiel à sua história de paixão, pluralidade e consciência coletiva.









































