Calciopédia
·01 de dezembro de 2022
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A geração croata composta por Luka Modric, Mario Mandzukic, Ivan Rakitic, Ivan Perisic e outros bons nomes foi responsável pela histórica trajetória rumo à final da Copa do Mundo em 2018. Antes disso, a melhor campanha da Croácia havia sido no Mundial de 1998, quando beliscou o terceiro lugar. Vários jogadores daquele grande time xadrez atuavam ou tiveram passagem pelo futebol italiano: Zvonimir Boban, Dario Simic, Igor Tudor, Anthony Seric, Mario Stanic, Robert Jarni, Aljosa Asanovic e Goran Vlaovic. Este último, inclusive, declinou o Ajax em favor do Padova no derradeiro minuto.
Vlaovic nasceu em Nova Gradiska, em 7 de agosto de 1972 – ou seja, 19 anos antes de a Croácia declarar independência da Iugoslávia. Um pouco antes disso, o pequeno Goran dava os primeiros chutes enquanto era orientado a seguir os passos do tio no sacerdócio. Ele persistiu no sonho de ser jogador de futebol e calçou as chuteiras para defender o time juvenil do Osijek. Aos 12, perdeu a mãe e, aos 13, quebrou a perna. Embora não tenha precisado se operar e voltado a jogar após a fratura cicatrizar naturalmente, as dificuldades que viveu como adolescente lhe moldaram como atleta.
A estreia profissional do atacante aconteceu na Prva Liga, a principal liga iugoslava, em 1988. Foram 11 gols anotados em duas temporadas pelo Osijek. Durante a Guerra de Independência da Croácia, em 1991, as obrigações militares interromperam a carreira do jovem Vlaovic por um ano. O conflito se prolongou até 1995 e Goran perdeu um primo e um tio no campo de batalha.
Depois da convocação ao exército, Vlaovic voltou a jogar bola no recém-nascido Campeonato Croata e em outras cores: fechou com o atual Dinamo Zagreb, que na época de sua passagem teve os nomes HASK Gradanski e Croatia Zagreb. O time da capital apostou no promissor atacante e não se arrependeu. Ágil e dono de um faro de gol invejável, Goran enfim mirou onde mais desejava: a rede adversária, que fez balançar 23 vezes em 1992-93. No fim das contas, foi artilheiro e o melhor jogador da competição.
O desempenho acima da média resultou em sua primeira convocação à seleção nacional, para uma turnê de amistosos em Melbourne, onde Vlaovic disputou os três jogos que os xadrezes fizeram contra a Austrália. Na temporada seguinte, Goran, então com 22 anos, aumentou a vantagem na artilharia do campeonato: seus 29 gols permaneceram como marca não superada por 12 edições da competição, até o croato-brasileiro Eduardo da Silva anotar 34 tentos pelo próprio Dinamo Zagreb, em 2006-07. Por outro lado, o atacante segue inalcançável como o jogador mais jovem com o maior número de redes estufadas em um único certame nacional.
A grande fase de Vlaovic rompeu fronteiras e abriu os olhos da Europa Ocidental ao futebol do Leste. O Ajax tinha quase tudo acertado com o croata, mas o Padova atravessou a negociação após o presidente Sergio Giordani e o diretor Piero Aggradi ficarem deslumbrados pelo jogador. O estadunidense Alexi Lalas foi outro nome de peso contratado pelos biancoscudati, recém-promovidos à Serie A depois de 32 anos de ausência.
Sob o comando de Mauro Sandreani, Vlaovic completou o ataque formado por Giuseppe Galderisi e pelo jovem Filippo Maniero. Embora tenha conseguido assumir a titularidade de imediato, o início de sua aventura italiana foi um pesadelo e ele parecia um peixe fora d’água. A equipe saiu derrotada em quatro jogos consecutivos, com 12 tentos sofridos e nenhum marcado, mas se restabeleceu na competição após empatar com o Napoli por 3 a 3 e superar o Milan em casa, por 2 a 0. Pessoalmente, contudo, o atacante croata não foi capaz de contribuir com gols e emplacar o perfil artilheiro exibido no antigo clube.
O longo jejum só foi interrompido em 11 de dezembro de 1994, no novo estádio Euganeo, inaugurado em junho, onde Padova e Cagliari mediam forças. As incessantes arrancadas o transformaram no melhor do jogo e, aos 89 minutos, enfim, Vlaovic foi recompensado. Em cobrança de falta, Goran não deu chances de defesa para Valerio Fiori e decretou a vitória dos patavini por 2 a 1.
Depois de salvar o Padova do descenso, Vlaovic teve problema de saúde e voltou a marcar em jogo contra a Inter (Guerin Sportivo)
Aquele foi um dos seis tentos anotados por Goran em 1994-95 – uma média inferior a dos anos anteriores, mas suficiente em uma campanha de permanência. O mais importante deles, a propósito, ocorreu no jogo de desempate com o Genoa, necessário para definir qual dos times, que terminaram a temporada regular da Serie A com 40 pontos, seguiria na elite. O croata abriu o placar com um voleio de canhota e ainda converteu o seu pênalti após o duelo terminar empatado em 1 a 1.
Diante das saídas de Galderisi e Maniero, no verão europeu de 1995, Nicola Amoruso e Massimo Ciocci chegaram como reposições para o ataque do Padova, que seguiria com o croata posicionado no centro. Vlaovic e Amoruso começaram a temporada como dupla titular do time do Vêneto e ambos marcaram imediatamente na partida que abriu a campanha – 2 a 0 sobre o Monza, pela Coppa Italia. Antes do início da Serie A, porém, Goran acordou na madrugada de 23 de agosto com uma forte dor de cabeça.
A dor não passou e a preocupação aumentou. O jogador avisou aos médicos do clube, que disseram não ser nada sério. O atacante perdeu sua primeira partida da Serie A, contra o Milan, e na segunda-feira, 28 de agosto, recebeu o dramático resultado de seus exames: hipertensão intracraniana benigna. “Foi encontrado um aumento excessivo de líquor nas meninges do cérebro de Vlaovic. Essa disfunção no líquido que flui dentro delas causa dores de cabeça muito dolorosas”, explicou Luigi Munari, médico do Padova.
A patologia apontada é bastante rara e requer cirurgia imediata. A longo prazo, de fato, pode levar a um acidente vascular ou dano cerebral permanente. Então Vlaovic voou para Gent, na Bélgica, onde confiou sua carreira ao professor Jack Caemaert, responsável pela operação na manhã de 15 de setembro de 1995. O médico tratou de tranquilizá-lo: “Você voltará a jogar sem problemas”, garantiu. Utilizando um endoscópio através de um pequeno orifício na região frontal da cabeça, o cirurgião conseguiu restabelecer a circulação no local.
O atacante iniciou o processo de recuperação e voltou aos treinos em cerca de 40 dias. “Tive medo de morrer? Sim. No primeiro dia, quando senti uma dor muito forte na cabeça, o que me fez acordar sobressaltado no meio da noite e me causou fortes náuseas. Achei que não tinham me contado toda a verdade. Hoje estou muito feliz, é um dos melhores dias da minha vida. Minha cabeça está bem”, afirmou na época.
A volta de Vlaovic aos gramados aconteceu no dia 3 de dezembro de 1995, dois meses e meio depois da delicada cirurgia, na derrota em casa, pelo placar mínimo, para a Fiorentina. No domingo seguinte, a Inter de Roy Hodgson visitou o Euganeo e o atacante croata desencantou, anotando uma doppietta e dando preciosos três pontos aos vênetos.
A partir daí, ele disparou na artilharia dos biancoscudati, chegando a 14 gols no ano – sendo 13 em 23 partidas da Serie A. Habituado a dobradinhas, Vlaovic repetiu o feito contra a Inter em vitórias sobre Atalanta (3 a 2) e Napoli (4 a 2), além de balançar as redes duas vezes numa frenética derrota por 6 a 4 para a Fiorentina. A sua veia goleadora do camisa 19, no entanto, foi insuficiente na busca pela manutenção do Padova na primeira divisão.
Rebaixado na condição de lanterna, com apenas 24 pontos conquistados na elite, o time do Vêneto tinha a duríssima missão de segurar, para a disputa da Serie B, o homem mais desejado na janela de verão. Destinado a deixar o clube patavino, Vlaovic assinou um pré-contrato com o Napoli. Ao mesmo tempo, manteve contato com Betis e Valencia, da Espanha.
Vlaovic passou apenas dois anos na Itália, mas deixou saudades na torcida do Padova (LaPresse)
No fim das contas, o Valencia terminou lhe oferecendo um salário maior do que o Napoli e Goran acertou sua transferência para o litoral hispânico, encerrando sua passagem pelo Padova com 52 aparições e 20 gols. O desfecho irritou o presidente napolitano Corrado Ferlaino, que apelou à Fifa e solicitou a suspensão do atleta. Contudo, teve o recurso rejeitado.
Além da transferência para La Liga, o ano de 1996 marcou o retorno de Vlaovic para a seleção croata – na qual ainda não havia se firmado. Em boa fase no Padova após a cirurgia, passou a ser figura constante nas convocações do técnico Miroslav Blazevic após anotar uma tripletta numa vitória por 3 a 0 sobre a Coreia do Sul, em amistoso. Assim, Goran integrou o elenco dos vatreni em sua estreia na Eurocopa. Contra a Turquia, o atacante saiu do banco nos 20 minutos finais para mostrar que o seu faro de gol estava em dia e garantir os três pontos. Depois foi titular em todas as demais partidas da equipe, até a eliminação pela eventual campeã, a Alemanha, nas quartas de final.
Pelo Valencia, foi artilheiro em sua primeira temporada, com os mesmos 10 gols do brasileiro Leandro Machado. Na atribulada campanha de 1996-97, concluída no meio da tabela de La Liga, assistiu de camarote os entreveros entre Romário e o técnico Luis Aragonés. Naquele ano, ainda foi treinado pelo argentino Jorge Valdano e teve, como companheiros de clube, Andoni Zubizarreta, Ariel Ortega, Gaizka Mendieta, Claudio López e outros grandes nomes.
Em sua passagem pela Península Ibérica, Vlaovic ainda pode ver o Valencia voltar aos trilhos sob o comando do italiano Claudio Ranieri e se manter em alta na gestão de Héctor Cúper: Goran reencontrou o caminho dos títulos ao conquistar a Copa Intertoto e a Copa do Rei, em 1998-99, e a Supercopa da Espanha, na temporada seguinte. Naquele período, os morcegos ainda abocanharam o quarto e o terceiro lugares no Campeonato Espanhol e chegaram à final da Liga dos Campeões. Só que o croata perdeu totalmente o seu espaço na gestão de ambos os comandantes e assistiu o nocaute para o Real Madrid diretamente da tribuna.
Em contrapartida, Goran mantinha seu status na seleção intacto. O atacante participou de todos os jogos na histórica campanha da Croácia na Copa do Mundo de 1998: dividiu a responsabilidade de estufar as redes com Davor Suker e marcou seu único gol na competição na vitória sobre a Alemanha, nas quartas de final.
Aos 28 anos, em 2000, Vlaovic arrumou as malas e deixou a Espanha rumo à Grécia, onde realizou as últimas quatro temporadas de sua carreira no Panathinaikos. Com a camisa verde, faturou um Campeonato Grego e uma Copa da Grécia, além de voltar a ter a chance de disputar uma Copa do Mundo – no entanto, sequer tocou na bola na edição de 2002 do torneio. Os croatas foram eliminados na fase de grupos após derrotas para México e Equador, além de uma vitória contra a Itália.
Vlaovic pendurou as chuteiras precocemente, aos 32 anos. Mesmo assim, precisou arrumar espaço na prateleira de casa para acomodar diversas premiações, além de poder se gabar de ter levado a Croácia a suas primeiras participações em Euros e Copas do Mundo. Nada disso, no entanto, supera o brio com que enfrentou grandes dificuldades, como uma guerra e uma cirurgia delicadíssima durante a carreira.
Goran Vlaovic Nascimento: 7 de agosto de 1972, em Nova Gradiska, Croácia (antiga Iugoslávia) Posição: atacante Clubes: Osijek (1989-91), Dinamo Zagreb (1991-94), Padova (1994-96), Valencia (1996-2000) e Panathinaikos (2000-04) Títulos: Campeonato Croata (1993), Copa da Croácia (1994), Copa Intertoto (1998), Copa do Rei (1999), Supercopa da Espanha (1999), Campeonato Grego (2004) e Copa da Grécia (2004) Seleção croata: 52 jogos e 15 gols