Calciopédia
·15 de março de 2022
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São muitas as histórias de jogadores que não tiveram uma trajetória esplendorosa dentro de campo mas que, após pendurarem as chuteiras, conseguiram destaque em outra função ligada ao futebol. O albanês Igli Tare se encaixa perfeitamente neste clichê. Embora tenha sido um atacante importante para a modalidade em seu país, ele nunca foi um primor de técnica ou se notabilizou por marcar muitos gols: era um centroavante pesadão e que contribuía de outras formas para os times que defendeu. Na Itália, após passar por Brescia e Bologna, encerrou a carreira na Lazio, agremiação que lhe deu a oportunidade de se tornar um respeitado dirigente.
Igli nasceu em 1973, na cidade de Vlorë – a terceira maior da Albânia e dona do segundo maior porto do país. Ainda na infância, o garoto e sua família deixaram o balneário, localizado às margens do Mar Adriático e voltado para a Apúlia, no sul da Itália, para se mudarem para a capital Tirana, onde ele concluiu os estudos. Só que, enquanto seus irmãos Agron e Auron optaram por carreiras tidas como convencionais (o primeiro é gestor de docas portuárias em Durrës e o segundo é jornalista esportivo), ele optou por ser futebolista.
Na capital albanesa, Igli havia ingressado na base do Partizani Tirana quando ainda era adolescente. Por lá, se tornou um grandalhão sem muita elegância para jogar futebol, mas que fazia muito bem as suas funções na bola aérea e no pivô. Aos 20 anos, estreou profissionalmente e fez sua única temporada no time vermelho. Ao fim de 1993-94, seu destino seria o futebol alemão.
Bem antes de circular por grandes palcos, Tare disputou duas campanhas da terceira divisão germânica, sendo uma pelo VfR Mannheim e outra pelo Südwest Ludwigshafen. Seus números não foram chamativos, mas lhe renderam uma transferência ao Karlsruher, da Bundesliga, em 1996. Igli foi utilizado quase sempre pelo time reserva dos azuis, que também militava na terceirona, mas teve oito oportunidades na primeira categoria. Essas aparições possibilitaram que o centroavante de 1,92m estreasse pela seleção albanesa em abril de 1997.
Tare já havia circulado bastante quando, no verão daquele mesmo, recebeu uma chance de ser titular no Fortuna Düsseldorf, então rebaixado à 2. Bundesliga. No clube do oeste da Alemanha, o albanês teria o período mais prolífico de toda a sua carreira, com 27 gols marcados em 66 partidas. Igli ajudou o time a ficar no meio da tabela em 1997-98, mas não foi capaz de evitar que os flingeraner segurassem a lanterna no ano seguinte e terminassem relegados à terceirona. O bom desempenho, contudo, levou o grandalhão ao Kaiserslautern.
Tare chegou à Itália através do Brescia e, no clube, desenvolveu parceria com o técnico Mazzone (Allsport)
Os diabos vermelhos, campeões da Bundesliga em 1998 sob o comando de Otto Rehhagel, procuravam uma opção aos titulares Olaf Marschall e Jörgen Pettersson. Tare cumpriu esse papel em 1999-2000, marcando quatro gols em 25 jogos, mas perdeu espaço na temporada seguinte, quando Andreas Brehme passou a treinar o Kaiserslautern e deu oportunidades ao jovem Miroslav Klose e ao reforço Vratislav Lokvenc. Em janeiro de 2001, então, o gigante loiro foi contratado pelo Brescia, da Itália.
Tare se encaixava perfeitamente na proposta de futebol do técnico Carlo Mazzone, que gostava de ter um jogador com porte físico mais robusto ao lado de Roberto Baggio. Enquanto Dario Hübner era o titular, Igli chegava para assumir o lugar de Kubilay Türkiylmaz e dar um descanso ao dono da camisa 11. No fim das contas, o albanês cumpriu bem o papel que lhe foi designado: anotou quatro gols nas 17 aparições que fez e ajudou o Brescia a alcançar um respeitável oitavo lugar na Serie A – a melhor colocação da história do clube.
Nos dois anos seguintes, o atacante albanês foi opção a Luca Toni e jamais conseguiu ser titular absoluto do Brescia – embora tenha ganhado mais minutos em campo e, em 2002-03, até tenha sido preferido por Mazzone em detrimento a Toni. Tare continuou a marcar poucos gols, mas deixou alguns importantes: anotou, por exemplo, doppietta em empate por 2 a 2 com o Milan e um tento em vitória sobre a Juventus. Nesse período, o time da Lombardia voltou a fazer campanhas razoáveis na Serie A, ocupando o meio da tabela, e ainda foi semifinalista da Coppa Italia e finalista da Copa Intertoto, em 2001-02.
O gigante loiro até iniciou a temporada 2003-04 no Brescia, mas se despediu ainda no mercado de verão. Após somar 17 gol em 86 aparições pelo clube, atendeu ao chamado de Mazzone, que havia se transferido ao Bologna. Com a camisa rossoblù, Tare, aos 30 anos, finalmente conseguiu ser titular num campeonato de primeira divisão. O albanês chegou à Emília-Romanha para substituir Julio Cruz, vendido à Inter, e passou a fazer dupla de ataque com um entre o veterano Giuseppe Signori e Claudio Bellucci, que se revezavam no posto.
No Bologna, assim como em sua trajetória anterior, Tare não se notabilizou pela quantidade de gols marcados – tanto é que passou quase o primeiro turno inteiro da Serie A 2003-04 sem colocar a bola na casinha. Seu forte era o trabalho coletivo, preparando jogadas e abrindo espaços para os colegas de ataque balançarem as redes. Ainda assim, depois de desencantar, Igli contribuiu com tentos em quatro importantes vitórias dos rossoblù – especialmente num 2 a 1 sobre a Roma, no Olímpico, e num 3 a 0 sobre o Brescia, seu antigo time.
No Bologna, também sob as ordens de Mazzone, o albanês disputou duas temporadas razoáveis (New Press/Getty)
Em 2004-05, o Bologna sofreu com a saída de Signori e lutou contra o rebaixamento: no comando do ataque, Tare e Bellucci não conseguiam entregar um desempenho satisfatório e o time de Mazzone teve o segundo pior ataque da Serie A. Igli se tornou querido entre os torcedores graças a um gol contra o Parma, na ida dos playoffs que decidiram o rebaixamento, mas os felsinei perderam o jogo de volta e amargaram o descenso.
O bom relacionamento com a torcida indicava que o atacante permaneceria para disputar a Serie B, mas uma proposta da Lazio manteve o jogador de 32 anos na elite italiana e encerrou a sua passagem pelo Bologna, após 62 presenças e 13 gols marcados. A sua contratação não foi muito bem aceita por grupos de ultras neofascistas da equipe celeste, já que Tare era um ativista da causa albanesa.
Seguindo o pregado por Benito Mussolini, os torcedores das organizadas de extrema direita acreditavam que a Albânia deveria fazer parte do território italiano. Igli, por sua vez, tendo nascido na cidade em que fora assinada a independência do seu país, em 1912, não só defendia a causa de seu povo com palavras como ainda ajudou financeiramente diversos refugiados da Guerra do Kosovo, que aconteceu no fim da década de 1990.
Sua etnia não impediu que se adaptasse à Lazio e viesse a ser aceito pela torcida, mas entrou novamente em foco no início de 2006. Numa partida contra a Inter, pelas quartas de final da Coppa Italia, Tare foi provocado pelo sérvio Sinisa Mihajlovic durante todo o primeiro tempo. No intervalo, incomodado com as palavras difamatórias sobre albaneses, Igli deu dois socos no adversário – a arbitragem não viu e nenhum dos atletas foi advertido. Em entrevista à imprensa de seu país, o atacante afirmou que respondeu à altura e que não se arrependia do que tinha feito.
Tare começou jogando na peleja que rendeu o episódio com Mihajlovic, mas havia sido contratado, na verdade, para ser reserva da Lazio: ao longo de três temporadas, foi titular em apenas 13 das 70 partidas que fez pela equipe. Quase sempre, o albanês cumpriu a função de ajudar o time treinado por Delio Rossi nos minutos finais das pelejas e, não à toa, chegou a viver um jejum de quase dois anos sem balançar as redes, entre janeiro de 2006 e dezembro de 2007.
Tare chegou à Lazio como veterano e, já aposentado, virou importante dirigente da equipe (imago/IPA)
Igli anotou somente cinco gols pela Lazio, mas dois deles foram marcantes. O primeiro desses, pela Serie A 2005-06, foi, simplesmente, de bicicleta: acertou uma bicicleta e fechou a vitória por 4 a 1 sobre o Ascoli. Por sua vez, o tento mais importante aconteceu diante do Napoli e encaminhou a classificação dos aquilotti às quartas de final da Coppa Italia, em 2008 – os capitolinos pararam nas semifinais. Neste mesmo período, Tare se aposentou da seleção da Albânia: foram 68 partidas e 10 bolas nas redes, sem disputar torneios relevantes.
Em 2008, aos 35 anos, Tare pendurou as chuteiras e aceitou o convite do presidente Claudio Lotito para ser dirigente da Lazio. Inicialmente, foi contratado como coordenador da área técnica do clube e, em 2012, foi elevado à posição de diretor esportivo. Tendo confiança total do dono da agremiação, Igli se tornou seu braço direito e, em quase uma década, jamais viu seu cargo ser ameaçado.
Como dirigente dos aquilotti, Tare conseguiu muito prestígio por suas habilidades de negociação, potencializadas pelo fato de ele falar seis idiomas. Dessa forma, efetuou, mesmo sem muito dinheiro à disposição, contratações certeiras – vide Ciro Immobile, Felipe Anderson, Antonio Candreva, Luis Alberto, Lucas Biglia, Sergej Milinkovic-Savic, Lucas Leiva, Marco Parolo, Stefan De Vrij e tantos outros. Tais reforços fizeram a Lazio brigar por títulos frequentemente.
Com tanta moral nos bastidores, o albanês chegou a impor restrições a Lotito. Em 2016, o presidente quis contratar Mihajlovic para ser treinador da Lazio, aproveitando a identificação do sérvio com a agremiação, da qual havia sido ídolo nos tempos de jogador. As tratativas só não tiveram êxito porque Igli manifestou sua desaprovação pessoal a Sinisa. Após conversas com Jorge Sampaoli e a negativa de Marcelo Bielsa, Simone Inzaghi, que ocupava o cargo de técnico interinamente desde a demissão de Stefano Pioli, foi efetivado.
Enquanto escreve sua história como um dos dirigentes mais longevos da história da Lazio, Igli também plantou uma sementinha na capital italiana. Seu filho, Etienne, nascido em Brescia, no ano de 2003, é um centroavante grandalhão da base do clube. Será que vai florescer como mais uma das boas descobertas de Tare?
Igli Tare Nascimento: 25 de julho de 1973, em Vlorë, Albânia Posição: atacante Clubes: Partizani Tirana (1993-94), VfR Mannheim (1994-95), Südwest Ludwigshafen (1995-96), Karlsruher (1996-97), Fortuna Düsseldorf (1997-99), Kaiserslautern (1999-2001), Brescia (2001-03), Bologna (2003-05) e Lazio (2005-08) Seleção albanesa: 68 jogos e 10 gols