Trivela
·09 de maio de 2023
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·09 de maio de 2023
Os dois primeiros clubes promovidos para a Premier League 2023/24 não ofereceram grandes novidades. Burnley e Sheffield United vieram de passagens recentes pela elite e ninguém pode questionar os méritos de ambos no acesso, com os dois sobrando na tabela da segundona. Os playoffs, em compensação, darão a terceira vaga a um clube há mais tempo longe da primeira divisão. Nada de Watford, West Brom ou Norwich desta vez. Dos quatro semifinalistas, os mais recentes na Premier League são Sunderland e Middlesbrough, mas ainda assim não estão na primeira prateleira há seis anos. Enquanto isso, Luton Town e Coventry City completam mais de duas décadas sem pintar entre os principais times da Inglaterra. Já dá para cravar: seja quem for o vencedor em Wembley, uma boa história será contada.
As semifinais terão os embates entre Luton Town x Sunderland e Middlesbrough x Coventry City. Já a decisão em Wembley acontecerá em 27 de maio. Será a redenção de algum clube tradicional, sejam quem for.
Os produtores da Netflix que me perdoem, mas a verdadeira epopeia de reconstrução entre os quatro semifinalistas da Championship é a protagonizada pelo Luton Town. Os Hatters tiveram sua primeira passagem pela primeira divisão nos anos 1950 e, depois de se afundarem até a quarta divisão, voltaram para anos dourados de 1982 a 1992. Foram dez anos consecutivos na elite, com direito à conquista da Copa da Liga, até o rebaixamento na temporada anterior à criação da Premier League. Desde então, o clube alaranjado perambula nas divisões de acesso. O ponto mais baixo aconteceu em 2009, quando o Luton amargou o terceiro rebaixamento seguido e caiu para a quinta divisão, deixando a Football League pela primeira vez. Foram cinco tentativas de acesso na Conference Premier, até que ele acontecesse em 2015. Desde então, a escalada do time é marcante. Subiu na League Two em 2018 e na League One em 2019. De início, brigou para não cair na Championship. Durante a última temporada, contudo, já ficou em sexto e parou nas semifinais dos playoffs.
O mais legal ao redor do Luton Town é que, nesse reerguimento, o clube passou a ser gerido pelos próprios torcedores. O início do século foi bastante atribulado para os Hatters, entre proprietários com sonhos megalomaníacos que ignoravam a torcida e outros que deixaram um rombo financeiro. Em 2008, a agremiação em crise foi adquirida por um consórcio formado pela torcida e, desde então, a recuperação é propiciada pela comunidade local. Entre as principais figuras nos bastidores está Mick Harford, lenda do clube nos anos áureos e que fez de tudo um pouco nos bastidores durante as últimas décadas. Pelo modelo de negócio, não surpreende que os alaranjados contem com uma estrutura bem mais modesta, incluindo salários baixos e um orçamento bem menor do que os concorrentes que acabaram de ser rebaixados da Premier League. Apesar disso, o Luton subiu degraus e conseguiu formar um time competitivo pela segunda temporada consecutiva.
A fortaleza do Luton Town é o acanhado estádio de Kenilworth Road, com capacidade para 10,3 mil torcedores – o menor da segunda divisão. Já dentro de campo, os 80 pontos conquistados nas 46 rodadas mantiveram os Hatters isolados na terceira colocação, com muito conforto durante a reta final da Championship. O técnico Rob Edwards, de 40 anos, é um nome bastante promissor – contratado em novembro, após estourar no Forest Green Rovers e ter uma malfadada passagem pelo Watford. Já em campo, Carlton Morris foi um dos artilheiros da segundona, com 20 gols, e Tom Lockyer terminou eleito entre os melhores zagueiros. Outra adição importante foi a do volante Marvelous Nakamba. Já o volante Pelly-Ruddock Mpanzu é o único do grupo presente desde o acesso na quinta divisão.
O Middlesbrough suscita lembranças bem mais recentes na Premier League. O Boro é um clube tradicional na primeira divisão, quase sempre presente na elite do Campeonato Inglês durante a primeira metade do Século XX. As aparições se tornaram mais esporádicas depois de 1954, até que a relevância se recuperasse especialmente nos anos 1990. Desde então, os alvirrubros bateram cartão na primeira divisão e disputaram também repetidas finais das copas nacionais. Os anos áureos de Juninho Paulista são os mais exaltados, assim como o time que foi sétimo colocado na Premier League em 2005 e alcançou a final da Copa da Uefa em 2006. Desde então, a derrocada se tornou mais clara. Depois do rebaixamento em 2009, o Middlesbrough quase sempre zanzou na Championship. A exceção ficou para 2016/17, num retorno pontual à Premier League. A equipe treinada por Aitor Karanka tinha bons valores, mas não escapou do descenso.
Nestes anos todos de Championship, o Middlesbrough quase sempre figurou no meio da tabela. Das últimas 12 aparições na segunda divisão, além do acesso conquistado, só em duas oportunidades o Boro havia alcançado os playoffs – perdeu a final em 2015 para o Norwich e a semifinal de 2018 para o Aston Villa. O mais interessante dos alvirrubros é que, diferentemente de outros tantos clubes ingleses, há uma estrutura administrativa que se preserva há décadas. O proprietário do clube é Steve Gibson, empresário que nasceu na cidade e ajudou a salvar o Middlesbrough da bancarrota em 1986. Desde 1994 é o acionista majoritário e preserva ligações próximas do Boro com a comunidade local. Mesmo que a bonança daqueles primeiros anos não tenha se mantido, os alvirrubros foram bem menos suscetíveis às incertezas.
A campanha do Middlesbrough não começou bem na Championship, mas a equipe cresceu na virada do ano e uma sequência de vitórias a partir de dezembro manteve os alvirrubros quase sempre dentro da zona dos playoffs. Para tanto, uma mudança no comando técnico aconteceu: Chris Wilder deixou Riverside e Michael Carrick assumiu a prancheta em outubro. A subida de produção com o ex-volante é clara, em seu primeiro trabalho como técnico principal. Uma arma do Boro é Chuba Akpom: o atacante revelado pelo Arsenal voltou com tudo do PAOK e foi o artilheiro da Championship, com 28 gols, eleito também o melhor jogador da liga. Cameron Archer é outro nome importante no setor ofensivo, onde Rodrigo Muniz é opção. Já a defesa tem nomes tarimbados como o zagueiro Paddy McNair e o goleiro Zack Steffen.
O Coventry City levou um tempo para chegar à primeira divisão do Campeonato Inglês, mas teria uma longa estadia na elite. Foram mais de três décadas ininterruptas, do acesso em 1967 ao descenso em 2001. Apesar desses anos todos na primeira prateleira, os celestes teriam apenas três campanhas acima da décima colocação – com destaque ao sexto lugar de 1969/70. Já o ponto alto aconteceu em 1986/87, com o título da Copa da Inglaterra em cima do Tottenham, num emocionante 3 a 2 resolvido só na prorrogação em Wembley. Já as últimas décadas viram os celestes militarem nas divisões de acesso. Permaneceram por mais de uma década na Championship, até a queda em 2012. Depois disso, variaram entre a terceira e a quarta divisão, com uma escalada mais recente. As promoções de 2018 e 2020 recolocaram o Coventry na segundona. E o time vinha de duas campanhas na metade da tabela, até alcançarem os playoffs desta vez.
A aparição nos playoffs corresponde a um momento de mudança ao Coventry. Os celestes também lidaram com uma administração atribulada ao longo das últimas décadas. Correram o risco de liquidação e passaram anos de desterro, com uma disputa entre seus donos e a administração da chamada Ricoh Arena – nas mãos de Mike Ashley, o execrado antigo dono do Newcastle. O Coventry chegou a atuar em Northampton (110 km) e em Birmingham (31 km) até que a situação se apaziguasse em 2021, com o retorno à cidade. Já em abril, o empresário local Doug King assumiu o controle dos celestes. A esperança no momento é que as raízes com a comunidade se fortaleçam, e um acesso imediato à Premier League seria um excelente prêmio.
O Coventry passou apenas dez rodadas da Championship na zona de acesso. Não foi o desempenho mais estável, mas o time conseguiu permanecer invicto durante quase toda a reta final, com apenas uma derrota nas últimas 16 rodadas. Assim, a guinada recolocou os celestes na zona dos playoffs em seus três compromissos finais, após ganharem o confronto direto com o Blackburn. O técnico Mark Robins é um velho conhecido da torcida. Está na casamata desde 2017, à frente dos outros dois acessos recentes dos celestes. Além disso, alguns destaques individuais podem fazer a diferença. Ben Wilson foi o goleiro com mais “clean sheets” na Championship e recebeu o prêmio de melhor da posição. Já Viktor Gyökeres terminou como vice-artilheiro e também entrou na seleção do campeonato. Olho em Gustavo Hamer, meio-campista nascido em Itajaí, mas que se mudou na infância para a Holanda e fez a carreira no país. É outro destaque individual do Coventry.
Por tradição, o Sunderland é o maior dos quatro sobreviventes da Championship. Os Black Cats foram uma potência nos primórdios do Campeonato Inglês, com três títulos conquistados de 1892 a 1895. Os nortistas tiveram outras três taças até 1936 e se mantiveram quase sempre na elite, embora o período após a Segunda Guerra Mundial marque uma gangorra maior entre as duas primeiras divisões, com o ápice proporcionado ali pela Copa da Inglaterra de 1973. Ainda como ioiô nos primeiros anos da era Premier League, o Sunderland teve seu período mais longo de volta à primeira prateleira de 2007 a 2017. Era um time da metade inferior da tabela, mas que apresentava talentos e era duro de se encarar dentro de casa. Isso até que a famosa derrocada viesse a partir de então, com dois rebaixamentos consecutivos e todo o drama para se reerguer na League One.
O drama do Sunderland na terceira divisão quase todo mundo acompanhou, através da série documental da Netflix. E também a relação problemática do time com os playoffs de acesso. Foram duas empreitadas infelizes, até que a ascensão fosse conquistada na temporada passada, com a vitória por 2 a 0 sobre o Wycombe em Wembley. E não deixa de ser surpreendente que, apenas um ano depois do acesso, os Black Cats briguem pela segunda promoção consecutiva. Auxilia a situação de bastidores desde a chegada de Kyril Louis-Dreyfus, o jovem magnata que se tornou dono do clube em 2021 e que possui uma vivência desde cedo no ambiente do futebol – filho do falecido Robert Louis-Dreyfus, antigo chefe-executivo da Adidas e presidente do Olympique de Marseille.
O Sunderland até começou bem a Championship, passando boa parte das primeiras rodadas na zona dos playoffs. O fôlego dos Black Cats não se manteve por tanto tempo e o time caiu para o meio da tabela na virada dos turnos. Faltando seis rodadas para o fim, o 12° lugar não transmitia muitas esperanças, mas a diferença de seis pontos para a zona dos playoffs era acessível. Foi quando veio a guinada do time, com quatro vitórias e dois empates. O destaque fica para os 2 a 1 fora de casa no confronto direto com o West Brom. Já na rodada final, enquanto o Sunderland batia o Preston North End por 3 a 0, o Millwall deixava um 3 a 1 se transformar em derrota por 4 a 3 diante do Blackburn. Foi o que consolidou a classificação dos Black Cats, que tomaram a sexta posição no momento mais precioso. O rodado técnico Tony Mowbray substituiu Alex McNeill depois do acesso, com o antigo comandante assinando com o Stoke City. Já o elenco se vale de muitos dos heróis da League One – como Anthony Patterson, Ross Stewart, Jack Clarke e Alex Pritchard. Reforços pontuais também ajudaram, em especial Amad Diallo, cedido pelo Manchester United.