Calciopédia
·22 de junho de 2021
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O intercâmbio entre jogadores de futebol do Equador e clubes italianos não é lá dos mais intensos: o número de atletas oriundos da república tropical que entraram em campo nas principais divisões da Velha Bota não chega a encher duas mãos. O motivo para essa rara troca cultural até poderia ter origem na aversão aos equatorianos que emergiu no Belpaese após a criminosa arbitragem de Byron Moreno no duelo com a Coreia do Sul, pela Copa do Mundo de 2002, mas vem de antes: vem da desconfiança provocada pelo atacante Iván Kaviedes, que fracassou de forma retumbante com a camisa do Perugia.
Kaviedes estreou profissionalmente no fim da década de 1990 e logo gerou grandes expectativas. Se imaginava que o jovem atacante herdasse do meia Álex Aguinaga, próximo ao fim de sua carreira, o posto de grande ídolo do futebol equatoriano. El Flaco teve uma incrível primeira temporada como titular do Emelec, na qual marcou 43 gols em 39 jogos pela Série A do Equador. Era uma história de sonho: o menino que foi criado pelos tios porque perdera os pais com apenas seis anos, num acidente automobilístico, encontrava a felicidade no esporte.
Os números absurdos pela liga equatoriana abriram as portas da seleção para Iván antes mesmo que ele completasse 19 anos – estreou numa derrota por 5 a 1 contra o Brasil, em Washington. Também lhe lançaram imediatamente ao futebol europeu. Em janeiro de 1999, o Perugia do presidente Luciano Gaucci levou a joia para o Campeonato Italiano, o mais badalado do mundo àquela altura. Era mais uma contratação barulhenta feita pelo vaidoso cartola, que gostava de chamar a atenção com reforços – fizera o mesmo alguns meses antes ao levar o japonês Hidetoshi Nakata para a Úmbria.
Quando El Flaco chegou ao clube umbro, a camisa 9 já era de Sandro Tovalieri e, por isso, ele decidiu escolheu a 33: afinal, três vezes três dá nove e, quem sabe, isso lhe ajudasse a multiplicar os gols pelo Perugia. Kaviedes também pediu um favor, prontamente atendido: no uniforme, não usaria o seu nome, mas o apelido Nine. Sim, em referência ao número que identifica os centroavantes.
Kaviedes se tornou titular do time biancorosso logo de cara, atuando como homem mais avançado do 4-4-1-1 do técnico Ilario Castagner. A sua estreia aconteceu no dia 17 de janeiro de 1999, em San Siro, numa derrota por 2 a 1 contra o Milan, pela Serie A. Nas duas rodadas seguintes, o equatoriano brilhou: encobriu Michelangelo Rampulla no 2 a 1 sofrido ante a Juventus e, do meio da rua, acertou um balaço no ângulo de Fabrizio Ferron na vitória por 2 a 0 sobre a Sampdoria.
Castagner se demitiu na jornada seguinte, após uma derrota para a Lazio. O veterano Vujadin Boskov o substituiu e, na sua estreia, viu El Nine ser oportunista: como autêntico centroavante, aproveitou sobra na área da Inter e abriu o placar, encaminhando vitória por 2 a 1 sobre a equipe nerazzurra. Curiosamente, todos os tentos anotados por Kaviedes aconteceram entre os 19 e os 20 minutos do primeiro tempo.
Apesar do início alvissareiro, El Flaco viu a sua fonte de gols secar rapidamente. O equatoriano passou a conviver com discussões com companheiros de clube e polêmicas íntimas, chamando mais atenção por esses acontecimentos do que pelo que produzia em campo.
Em seu país, algumas mulheres clamavam que estavam grávidas do artilheiro. Em junho de 1999, quando viajou para defender o Equador num amistoso, ele chegou a ser conduzido coercitivamente em Guayaquil para realizar um exame de DNA. Nenhuma das paternidades foi confirmada, mas o estilo latin lover e a vida promíscua fizeram com que Iván ganhasse o apelido de Inseminator, numa brincadeira com o filme “O Exterminador do Futuro” – cujo título original, em inglês, é Terminator.
Esses quiprocós extracampo marcaram o fim da curtíssima passagem de Kaviedes pelo Perugia. Os grifoni se salvaram do rebaixamento na bacia das almas, mesmo perdendo para o Milan, porque a Salernitana não venceu o Piacenza na última rodada. O intempestivo Gaucci não estava satisfeito nem com o rendimento da equipe nem com o de El Flaco. Porém, o equatoriano ainda era visto com bons olhos pelo mercado devido desempenho mostrado em seu país e, em tenra idade, ainda tinha margem de evolução. Dessa forma, após a participação de Iván na Copa América de 1999, o presidente vendeu o atacante ao Celta de Vigo por 5 milhões de euros, recuperando o investimento realizado.
O negócio se mostrou acertado para Gaucci. Afinal, Kaviedes não rendeu o esperado nas suas experiências posteriores no futebol europeu e viveu mudando de clube como trocava de amante. Na Europa, fez pouquíssimos jogos por Celta de Vigo, Porto e Crystal Palace, tendo uma participação aceitável pelo Valladolid: atuou em 24 partidas, marcou seis gols (incluindo contra Deportivo La Coruña, Barcelona e Real Madrid) e ajudou os blanquivioletas a permanecerem em La Liga.
No restante de sua carreira, El Nine viveu de lampejos no futebol latino-americano e na seleção do Equador. Kaviedes jogou pelo Puebla, do México, e pelo Argentinos Juniors, além de oito clubes de seu país, obtendo maior destaque por Barcelona e El Nacional.
Durante parte considerável desse momento de sua trajetória, pouco entrou em campo devido aos mais variados motivos: detenções, punições por indisciplina, ações judiciais movidas contra seus empregadores, ganchos promovidos pela Federação Equatoriana de Futebol e passagens por clínicas de reabilitação para dependentes químicos. Por La Tri, disputou as Copas de 2002 e 2006. No segundo dos torneios, ficou marcado por ter vestido uma máscara do Homem-Aranha depois de fazer um gol contra a Costa Rica. Era uma homenagem a Otilino Tenorio, seu ex-colega de ataque na seleção e no Emelec, falecido num acidente de carro.
Por alguns, Kaviedes continuará lembrado por esse bonito gesto. Por muitos, a recordação que permanece é a do jogador talentoso, mas que perdeu o foco por questões pessoais e extracampo, talvez relacionadas à sua difícil infância. El Nine teve centenas de amores em dezenas de portos, mas não certamente não deixou saudades nos torcedores do Perugia.
Jaime Iván Kaviedes Llorentty Nascimento: 24 de outubro de 1977, em Santo Domingo, Equador Posição: atacante Clubes: Emelec (1995-99), Perugia (1999), Celta de Vigo (1999-2000 e 2002-03), Puebla (2000 e 2003), Valladolid (2000-01), Porto (2001-02), Barcelona de Guayaquil (2002, 2004, 2005 e 2006), Deportivo Quito (2003 e 2012), Crystal Palace (2004-05), Argentinos Juniors (2005-06), El Nacional (2007 e 2011), LDU (2008), Macará (2010), Aucas (2012), Liga de Loja (2014) e Liga de Portoviejo (2014) Títulos: Supertaça de Portugal (2001) e Segunda Categoria (2012) Seleção equatoriana: 55 jogos e 15 gols