Calciopédia
·18 de junho de 2021
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Quem acompanhou o futebol europeu entre as décadas de 1970 e 1990 ou estudou sobre o tema certamente conhece John Toshack. Dentro de campo, o galês foi um bom atacante e fez parte de um Liverpool vitorioso; fora dele, assumiu ares de globetrotter e girou o mundo como técnico, ganhando mais respaldo como ídolo da Real Sociedad e com títulos pelo Real Madrid. O que pouca gente sabe é que, no início do século XXI, Toshack teve uma curtíssima e atribulada passagem pelo Catania, então militante na Serie B.
Nascido em Cardiff, capital do País de Gales, Toshack jogou nos principais clubes de sua nação (o próprio Cardiff e o Swansea) e se destacou principalmente no Liverpool, time que defendeu por oito anos e no qual foi treinado por Bill Shankly e Bob Paisley. Em Anfield, John teve companheiros históricos, como o goleiro Ray Clemence, o lateral Phil Neal e o atacante Kevin Keegan, marcou gols importantes e conquistou nove taças, incluindo a da Copa dos Campeões. Não à toa, é considerado como um dos 100 maiores jogadores de história dos Reds.
Toshack se tornou treinador antes mesmo de encerrar suas atividades nos campos. Ocupando dupla função no Swansea, conquistou três Copas de Gales e três promoções, levando os Jacks à elite pela primeira vez na história. O técnico chegou a receber uma condecoração da monarquia britânica pelo feito, mas foi fora do Reino Unido que conseguiu ainda mais respaldo.
A partir de meados da década de 1980, o galês se consolidou como um homem do mundo: no total, desenvolveu trabalhos em nove países diferentes. A sua viagem pelo planeta começou no Sporting, levando os leões ao vice-campeonato português em 1984-85. A experiência e o ótimo resultado lhe abriram as portas para o futebol espanhol. Toshack se torou um ícone da Real Sociedad e, em quatro temporadas, possibilitou que os bascos se sagrassem vencedores da Copa do Rei e ainda acumulassem um vice no próprio mata-mata e outro em La Liga.
Com 40 anos, o galês assumiu o Real Madrid, em substituição a Leo Beenhakker, e deu continuidade ao império estruturado pelo holandês. Com Toshack, os merengues foram campeões espanhóis pela quinta vez seguida e, com um Hugo Sánchez em forma arrasadora – foi o Chuteira de Ouro europeu, com 38 gols marcados –, comandou um time que colocou a bola na casinha 107 vezes em La Liga. Os resultados não se repetiram em 1990-91 e John acabou sendo demitido.
Nos anos seguintes, Toshack voltou a liderar a Real Sociedad em campanhas regulares em La Liga e passou pelo Deportivo La Coruña, onde entrou em atrito com a direção por reforços. O galês queria a contratação de um volante – o brasileiro Amaral –, mas o presidente Augusto Lendoiro adquiriu um meia-atacante: Rivaldo. Foi exonerado e deu lugar a Carlos Alberto Silva.
Toshack rumou ao Besiktas e, meses depois de faturar a Copa da Turquia, o Real Madrid pagou a rescisão de seu contrato com o clube de Istambul para que o galês retornasse à Espanha, em fevereiro de 1999, para apagar um incêndio: mesmo campeão europeu e mundial, os merengues ocupavam apenas a sexta colocação de La Liga. John levou os blancos ao vice e iniciou a temporada seguinte, mas criticou publicamente alguns jogadores, como o goleiro Albano Bizzarri, e não acatou a ordem dada pelo presidente Lorenzo Sanz de se desculpar através de entrevista. Novamente demitido, o técnico engatou um trabalho de apenas dois meses no Saint-Étienne e a sua terceira passagem pela Real Sociedad.
Em 2002, três anos após deixar o Santiago Bernabéu e a pompa do Real Madrid, recebeu uma oferta para treinar um clube de um país em que ainda não havia trabalhado: a Itália. Era novembro e Toshack passava férias na paradisíaca Marbella, no sul da Espanha, quando atendeu uma ligação telefônica de conteúdo desafiador. Do outro lado da linha, o excêntrico Luciano Gaucci lhe convidava para assumir o Catania, na Serie B.
Gaucci era mais conhecido por ser dono do Perugia, clube que comprara em 1991 e levara à elite italiana na segunda metade da década. Em 2000, adquirira também o Catania e dera a Riccardo, um de seus filhos, então com 24 anos, a tarefa de ser seu testa de ferro. Os rossazzurri estavam na terceira divisão na época do negócio e, em 2002, chegaram à Serie B com a expectativa de, num curto período de tempo, alcançarem a máxima categoria – que não frequentavam desde 1984.
O dono do clube também era conhecido pelo estardalhaço que fazia com contratações midiáticas e por seus rompantes. Apenas quatro meses e meio antes de ligar para Toshack, Gaucci esbravejava contra o atacante Ahn Jung-hwan, que marcara na vitória da Coreia do Sul sobre a Itália e eliminara os azzurri da Copa do Mundo de 2002. O romano ameaçava demitir o jogador do Perugia por justa causa e a notícia correu o mundo, por tamanho disparate – no fim das contas, Ahn rumou ao futebol japonês. John sabia (ou deveria saber) com quem estaria lidando.
No dia 7 de novembro de 2002, Toshack aterrissou em Roma para se reunir com Gaucci. Na reunião, descobriu que receberia um salário inferior ao que imaginava, mas ainda com valores comparáveis ao que times da parte mais baixa da tabela da elite italiana pagariam a seus técnicos. Para um clube vindo da terceira divisão, era uma fortuna. Um montante que condizia com a dificuldade da missão, visto que os etnei somavam apenas nove pontos em 11 rodadas e lutavam para não retornarem à Serie C1. O galês, então, decidiu aceitar: a Itália seria o sexto país em que trabalharia, aos 53 anos de vida.
Toshack treinou o elenco do Catania pela primeira vez no dia 13 de novembro. Ao chegar no CT, conheceu Francesco Graziani, campeão mundial pela Itália em 1982, que seria o seu auxiliar – Ciccio já vinha trabalhando no clube siciliano em dupla com Maurizio Pellegrino, antecessor do lendário galês. No grupo, John encontrou os brasileiros Guly do Prado e Luís Oliveira (este, naturalizado belga) e mais alguns outros jogadores de nível razoável, como o goleiro Gennaro Iezzo, o meia Michele Fini e o atacante Davide Possanzini.
Os torcedores dos etnei, em polvorosa pela chegada de um técnico tão gabaritado, logo arrumaram um apelido para o professor, cuja pronúncia do sobrenome dificilmente conseguiam imitar. Toschack, então, virou Tisky Tosky. Nascia um bom feeling entre o galês e os italianos. Algo muito importante para a estreia do treinador, que aconteceria justamente no dérbi siciliano com o Palermo.
Em 18 de novembro, na noite de sua primeira partida no comando do time, Toshack foi acolhido calorosamente pelo público de Catania no estádio Angelo Massimino. Fogos de artifício acompanhavam a entrada dos jogadores em campo e a festa com sinalizadores nas arquibancadas era grande. Os ultras ainda exibiram uma faixa de boas vindas para o galês: “você não sentirá falta do Bernabéu”, diziam. Em seu debute, de fato, ele não sentiu. Os rossazzurri venceram o clássico por 2 a 0, com gols de Davide Cardone e Oliveira. John estreava da melhor forma possível.
Para Toshack, contudo, a festa acabava ali. Nos duelos seguintes, as derrotas para Vicenza e Cosenza lhe aproximavam da realidade de um Catania que só parecia organizado. A família Gaucci ficou no clube até 2004 e, nesse período, empregou 12 técnicos e mais de 100 jogadores. O ambiente de trabalho era atribulado e verdadeiramente inóspito, ao sabor das vontades dos proprietários.
O galês treinou o Catania por apenas 10 rodadas, nas quais somou quatro vitórias e seis derrotas. O aproveitamento de 40% não era dos piores e até seria suficiente para a salvação – na bacia das almas. Porém, não foi esse o motivo do fim da passagem de Toshack, que se demitiu no fim de janeiro de 2003, quando o time estava fora da zona de rebaixamento.
Depois de derrota por 1 a 0 para o Napoli, Luciano Gaucci foi a público criticar a escalação de Toshack. “Ele fez o time atuar com uma defesa de jogadores vindos da Serie C1. Teria sido melhor ele ter me dito que faria isso, porque eu não precisaria ter ido ao mercado adquirir reforços”, disparou o vulcânico presidente. Nos bastidores, o proprietário do Catania também pressionava para que suas vontades fossem cumpridas. John não tolerou as interferências e entregou o cargo.
Mais de uma década depois, Riccardo Gaucci declarou ao jornal La Sicilia que o seu maior arrependimento dos tempos de Catania foi ter permitido que seu pai demitisse o galês. “Foi o melhor técnico que tivemos”, afirmou. Ao fim daquela Serie B, os etnei amargaram o descenso, mas foram salvos por um imbróglio judicial que levou a Federação Italiana de Futebol – FIGC a cancelar os rebaixamentos da categoria em 2002-03.
Já distante da Itália, Toshack teve o seu último trabalho num campeonato de ponta ao substituir Joaquín Peiró e comandar o Murcia em La Liga, na temporada 2003-04. John, contudo, não conseguiu tirar a fraca equipe murciana da lanterna e a conduziu ao rebaixamento. Depois disso, o treinador teve uma passagem de seis longos anos pela seleção de País de Gales, compensando a experiência de apenas alguns dias que tivera no cargo, em 1994. Por todos os serviços prestados à sua nação, foi incluído no Hall da Fama do futebol galês.
Na descendente da carreira, o veterano ainda se aventurou em mercados periféricos do futebol: dirigiu a seleção da Macedônia do Norte e ganhou títulos pelo Khazar Lankaran, do Azerbaijão, e pelo Wydad Casablanca, de Marrocos. Em nenhum desses lugares, mesmo com seu temperamento difícil, encontrou um presidente tão excêntrico e autoritário quanto Gaucci: John Toshack pode, então, se aposentar em paz.
John Benjamin Toshack Nascimento: 22 de março de 1949, em Cardiff, País de Gales Posição: atacante Clubes como jogador: Cardiff City (1965-70), Liverpool (1970-78) e Swansea City (1978-83) Títulos como jogador: Copa de Gales (1968, 1969, 1981, 1982 e 1983), Campeonato Inglês (1973, 1976 e 1977), Copa Uefa (1973 e 1976), FA Cup (1974), Charity Shield (1976), Copa dos Campeões (1977) e Supercopa Uefa (1977) Carreira como treinador: Swansea City (1978-84), Sporting (1984-85), Real Sociedad (1985-89, 1991-94 e 2001-02), Real Madrid (1989-90 e 1999), País de Gales (1994 e 2004-10), Deportivo La Coruña (1995-97), Besiktas (1997-99), Saint-Étienne (2000), Catania (2002-03), Murcia (2004), Macedônia do Norte (2011-12), Khazar Lankaran (2013), Wydad Casablanca (2014-16) e Tractor (2018) Títulos como treinador: Copa de Gales (1981, 1982 e 1983), Copa do Rei (1987), La Liga (1990), Supercopa da Espanha (1995), Copa da Turquia (1998), Supercopa do Azerbaijão (2013) e Campeonato Marroquino (2015) Seleção galesa: 40 jogos e 13 gols