Calciopédia
·27 de janeiro de 2022
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Ser um jogador polivalente tem lá as suas vantagens dentro do mundo do futebol. E quem já foi dirigido por Massimiliano Allegri sabe bem disso. Na Itália, Kévin Constant foi mais um exemplo de atleta operário que cumpria várias funções. Contudo, o versátil guineense sofreu duras críticas quando foi adaptado na lateral esquerda do Milan, depois de muitos anos atuando no meio-campo – obtendo destaque no setor em passagem pelo Chievo.
Nascido em maio de 1987 em Fréjus, no sul da França, Constant é filho de pai guadalupense e mãe guineense. Kévin deu seus primeiros passos no futebol gaulês e, inicialmente, representou as seleções francesas de base. O meia ingressou nas categorias de base do Toulouse e por lá estreou na temporada 2004-05, atuando pelo time reserva dos violetas, que disputava a terceira divisão.
No Toulouse, demonstrou ter um passe e visão de jogo diferenciados, e logo passou a ser convocado para a seleção sub-17 da França. Em 2004, o jogador faturou o Europeu da categoria. Inclusive, ele foi decisivo ao marcar um dos gols da vitória por 2 a 1 contra a Espanha, na final. Kévin recebeu um cruzamento de Jérémy Ménez, que anos depois atuaria no futebol italiano, e colocou para o fundo das redes. Constant ainda representou a equipe sub-18 dos Bleus, mas optou por defender Guiné em 2007.
Mesmo com minutos na seleção e com muita vitalidade para contribuir, o jovem não teve tantas oportunidades time principal do clube francês, que viveu altos e baixos em 2006-07 e 2007-08. O Toulouse saiu de um terceiro lugar na Ligue 1 e uma consequente vaga na Liga dos Campeões para um 17° posto no ano seguinte. Ao todo, Constant fez apenas quatro jogos nas duas temporadas a serviço do Téfécé. Em janeiro de 2008, em busca de mais minutos em campo, o atleta trocou o sul da França pela região central do país, ao fechar com o Châteauroux. Pela equipe azul e vermelha, militante na segunda divisão, as coisas correram bem diferentes.
No Chievo, Constant viveu o auge da carreira: foi um dos principais nomes da campanha dos clivensi em 2010-11 (Getty)
O restante da temporada de 2007-08 serviu para Constant mostrar serviço e ganhar algumas oportunidades para, assim, conquistar espaço nos anos seguintes. E foi o que aconteceu. Ganhando mais minutos, a titularidade veio e, como consequência, o guineense começou a mostrar seu bom futebol. O seu auge no clube francês foi em 2009-10, quando marcou 10 gols e teve a época mais prolífica da carreira – Kévin ainda forneceu oito assistências nas 35 partidas disputadas. Essas atuações ajudaram La Berri a escapar do rebaixamento para a terceirona na bacia das almas, assim como havia ocorrido nos dois certames anteriores.
Nessa altura, o vigor de marcação, o drible refinado e a velocidade, somados ao poder de finalização, davam ao jovem de 23 anos um diferencial dentro de campo: Constant podia atuar em diversas posições. Foi assim que começou a chamar a atenção dos olheiros do futebol e seu caminho finalmente cruzou com o da Serie A. Na janela de verão de 2010, Kévin foi emprestado ao Chievo com uma opção de compra fixada em aproximadamente em 1 milhão de euros.
Assim que chegou a Verona, o guineense mostrou prontamente a que veio. Logo na sua estreia como titular, ajudou os clivensi a saírem com a vitória por 3 a 1 diante do Napoli, fornecendo uma assistência para o mítico Sergio Pellissier marcar um dos gols daquela partida. Foi no Chievo que Constant começou a ganhar notoriedade no futebol italiano principalmente, pela sua versatilidade. Sob o comando do técnico Stefano Pioli, atuou principalmente como meia central, mas também foi utilizado na lateral esquerda e tanto em funções mais defensivas quanto em ofensivas da meiuca.
Suas obrigações defensivas eram maiores e, por isso, não foi um grande goleador nos seus tempos de futebol italiano. No entanto, balançou as redes em momentos importantes. Anotou dois tentos bem significativos na trajetória dos gialloblù: abriu o placar na vitória por 2 a 0 diante do Bologna no Marcantonio Bentegodi e, na última rodada da Serie A, foi decisivo na virada sobre o Palermo. Na ocasião, o guineense saiu do banco e, depois de marcar um gol, forneceu uma assistência para Nico Pulzetti fazer 3 a 1 para o Chievo. Foi o quarto passe-chave de Constant na boa campanha do Céo, 11º colocado no certame.
Em maio de 2011, pouco depois de a temporada se encerrar, os dirigentes do Chievo anunciaram que o direito de compra sobre Constant seria exercido e assinaram em definitivo com o guineense. No entanto, o jogador de 24 anos nunca mais entrou em campo com a camisa azul e amarela: nos primeiros dias daquele mesmo mercado de verão, o Genoa acertou com o meio-campista, numa negociação que envolveu dinheiro e os passes dos defensores Ivan Fatic e Francesco Acerbi, que fizeram o caminho contrário.
O guineense encontrou um ambiente hostil no Genoa e teve dificuldades no time por causa de uma lesão (Iguana Press/Getty)
O Genoa, para variar, viveu uma temporada muito atribulada. O clube rossoblù teve três técnicos diferentes (Alberto Malesani, em duas ocasiões, Pasquale Marino e Luigi De Canio) e escapou do rebaixamento para a Serie B apenas na última rodada. Devido a sua versatilidade e às corriqueiras trocas no comando, Constant mudou de posição várias vezes ao longo do campeonato: foi meia, lateral e ponta pela esquerda, volante, regista e meia-atacante.
Kévin foi bastante utilizado pelos técnicos do Genoa por dois terços da temporada. Era uma das poucas certezas de uma equipe muito confusa e que lutava na parte de baixo da tabela. Por uma lesão muscular na coxa, Constant desfalcou os rossoblù nas 11 derradeiras jornadas da Serie A e sua ausência foi sentida: o time caiu de rendimento, perdeu quatro posições e terminou na 17ª colocação, uma acima da zona de descenso, com seis pontos a mais do que o Lecce.
Após 23 jogos, um gol e duas assistências em sua única temporada pelo Genoa, Kévin teve a grande chance da carreira ao ser adquirido pelo Milan. No entanto, o que representaria, para Constant, a oportunidade de brigar por títulos e disputar uma Liga dos Campeões, viraria um pesadelo. O guineense se tornou um dos símbolos da chamada “banter era”, a época de vacas magras dos rossoneri, na qual jogadores sem grife foram contratados a atacado e não entregaram resultados positivos.
A contratação de Constant, por empréstimo tinha relação direta com a lesão do volante Sulley Muntari, que havia rompido os ligamentos cruzados do joelho durante as férias, por isso, passaria seis meses fora de atividade. No entanto, os primeiros treinos do guineense pelo Milan fizeram o técnico Max Allegri entender que a sua melhor colocação seria na lateral esquerda – o que levou o Diavolo a adquirir, posteriormente, o holandês Nigel De Jong, do Manchester City.
Kévin teve farta concorrência no setor, embora três jogadores para aquela lateral fossem bastante contestados – Djamel Mesbah e Urby Emanuelson, que foram negociados no inverno, e Luca Antonini. Sendo assim, o seu principal rival era o emergente Mattia De Sciglio, em sua segunda temporada como profissional. Constant não conseguiu se adaptar rapidamente e, pelo contrário, sofreu. Mesmo tendo o desarme como uma virtude, o posicionamento e o poder de marcação de um meia de origem são bem diferentes de um atleta formado na posição, o que prejudicou sua afirmação.
No Milan, Constant teve de lidar com a contestação da torcida e com lamentáveis episódios de racismo (Getty)
Enquanto o guineense provocava a ira da torcida rossonera nas arquibancadas, De Sciglio crescia. E foi assim ao longo de duas temporadas. Na primeira, o Milan foi terceiro colocado da Serie A e foi eliminado nas oitavas e nas quartas de final da Champions League e da Coppa Italia, respectivamente. Na segunda, o Diavolo repetiu o desempenho nos mata-matas, mas amargou o oitavo lugar no certame nacional – além de ficar fora dos torneios continentais, o time teve o pior posicionamento no Italiano desde 1998. Os maus resultados levaram à demissão de Allegri e a contratação de Clarence Seedorf no meio da campanha.
Durante sua trajetória no Milan, Constant ainda teve de lidar com intoleráveis casos de racismo. Em maio de 2014, enquanto o time lutava pela vaga na Liga Europa, no duelo contra a Atalanta, em Bérgamo, uma banana foi atirada no gramado, na direção de Kévin. O polivalente jogador mostrou a fruta arremessada ao árbitro Nicola Rizzoli – neste momento, uma faca também foi lançada ao campo. Apesar de toda a baderna e o desrespeito, a partida continuou e os milanistas viram a derrota chegar, de virada, nos acréscimos. Esse episódio aconteceu poucas semanas depois de Daniel Alves comer uma banana arremessada por torcedores do Villarreal, em La Liga.
Esta não foi a única vez em que o atleta sofreu racismo na Itália. Meses antes, em um amistoso contra o Sassuolo, o meia recebeu muitos insultos racistas e decidiu abandonar o gramado com o jogo em andamento. Contudo, a atitude lhe rendeu uma multa de 30 mil euros dada pela Federação Italiana de Futebol, a FIGC, que aplicou a mesma pena ao time adversário. Adriano Galliani, diretor rossonero, também não apoiou o guineense. “Tudo é muito lamentável, mas não se pode abandonar o campo”, disse. Um show de horrores.
Depois de dois anos em Milão, nos quais acumulou 57 aparições, apenas três assistências e nenhum gol, Kévin deixou a Itália: em agosto de 2014, rumou ao futebol turco, assinando um contrato de quatro épocas com o Trabzonspor. Apesar da longa duração do vínculo, o polivalente jogador não permaneceu por todo esse tempo na Turquia. Constant recebeu poucas oportunidades e disputou apenas 33 partidas pelo clube azul e grená.
No período em que defendeu o Trabzonspor, Constant fez a sua única participação num grande torneio pela seleção de Guiné: a Copa Africana de Nações. Kévin havia sido convocado para representar os Elefantes na edição de 2008 do certame continental, mas a Fifa vetara a presença do atleta pois o seu passaporte guineense ainda não estava regularizado. Em 2015, o meio-campista vestiu a 10 e, com um gol de pênalti contra Mali, foi decisivo para que os tricolores superassem a fase de grupos. Nas quartas de final, Gana encerrou o sonho da equipe de Conacri.
O último clube de Constant no futebol italiano foi o Bologna, pelo qual pouco jogou (Iguana Press/Getty)
Constant rescindiu o seu contrato com o Trabzonspor em novembro de 2015 e ficou dois meses e meio sem clube. Em 1º de fevereiro do ano seguinte, o guineense voltou para a Itália ao acertar com o Bologna, treinado por Roberto Donadoni. Kévin foi apenas uma opção de banco do técnico e teve apenas uma passagem meteórica pelo time da Emília-Romanha: depois de sete jogos, não teve o vínculo renovado.
O Bologna foi o seu último clube na Itália. Com apenas 29 anos, Kévin continuou a ter dificuldades de encontrar novos empregadores: ficou parado até fevereiro de 2017, quando rumou ao Sion, da Suíça. O guineense jogou pouco por lá e, em junho de 2018, encerrou sua passagem pelos Alpes. Depois de mais seis meses sem time, acertou com Tractor Sazi, do Irã, mas sequer atuou pela equipe. Em janeiro de 2020, Constant anunciou a sua aposentadoria precoce do futebol, aos 32, por razões pessoais.
Kévin foi, por muito tempo, um meia que teve as portas abertas no esporte por conta de sua versatilidade. Apesar disso, a sua ida para o Milan, clube em que teve dificuldades para se impor como lateral-esquerdo, fez a sua trajetória receber um novo – e nada positivo – olhar. O mau momento dos rossoneri contribuiu para que Constant não desse um salto esperado pelo que demonstrou no início da carreira.
Kévin Constant Nascimento: 10 de maio de 1987, em Fréjus, França Posição: lateral-esquerdo e meio-campista Clubes: Toulouse (2004-08), Châteauroux (2008-10), Chievo (2010-11), Genoa (2011-12), Milan (2012-14), Trabzonspor (2014-15), Bologna (2016), Sion (2017-18) e Tractor Sazi (2019) Títulos: Eurocopa Sub-17 (2004) Seleção guineense: 28 jogos e 5 gols