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·02 de agosto de 2024
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A vida de um jogador de futebol que atua fora do seu país de origem nem sempre costuma ser fácil. Conviver longe da família, se adaptar com outra cultura e entender um novo idioma são alguns dos obstáculos que precisam ser superados. Mas, em alguns casos, a dificuldade é ainda mais extrema. Lucas Rangel viveu a realidade de uma guerra que o atrapalhou no melhor momento da carreira.
Atualmente com 29 anos, o atacante encerrou sua segunda passagem pelo futebol ucraniano e planeja, agora, continuar a carreira respirando novos ares, onde possa estar junto a sua família.
Após passagem por mercados alternativos na Europa, Rangel foi contratado pelo Vorskla em 2022. Vindo de uma temporada no futebol finlandês, onde marcou sete gols em 20 jogos, o atacante deu continuidade ao bom momento vivido e manteve a sequência positiva no novo destino. Até que a escalada da invasão russa na Ucrânia interrompeu sua passagem pelo país.
Em entrevista para oGol, Rangel relembrou os momentos de tensão com o conflito e destacou que nem os companheiros ucranianos imaginavam a proporção que se tomaria.
"Estávamos em uma pré-temporada na Turquia quando vi a primeira informação sobre uma suposta invasão da Rússia. Meus colegas riram de mim quando perguntei, falaram que era algo inimaginável. Quatro dias depois de voltarmos para casa, o nosso zagueiro Joonas Tamm, que nasceu na Estônia, me ligou desesperado para sair às pressas da Ucrânia. Fui tentar entender o que estava acontecendo e descobri que estavam atacando Kharkiv, cidade a 40 minutos de onde eu morava", relatou Rangel.
Após dar conta da gravidade da situação, o brasileiro arrumou as malas com documentos e alguns pertences importantes e iniciou uma longa viagem para tentar chegar à fronteira com a Polônia. Enfrentando a escassez de recursos e o frio do Leste Europeu, Rangel passou quase quatro dias na estrada, antes de conseguir cruzar a cidade de Lviv, limite geográfico da Ucrânia.
Após deixar o país em guerra, o brasileiro retomou a carreira emprestado ao Sabah, do Azerbaijão, e, em seguida, cedido ao Riga, da Letônia. Sem conseguir repetir a sequência que havia encontrado na Ucrânia, o atacante aceitou retornar ao país e acreditou que poderia viver uma realidade diferente da que deixou há dois anos.
"Tu precisa ter um compromisso como jogador e com a tua mentalidade ao ter que conviver com a chance de ser atingido por um míssil a qualquer momento. Quando decidi voltar, acreditava que conseguiria absorver essa situação, mas acabei mentindo para mim, eu vivia preocupado. Eu tinha um telefone que avisava quando havia ameaça na minha região, o alarme acionava cinco ou seis vezes por dia. Às vezes você acha que não será nada e logo ouve um estrondo. Como faz para ficar tranquilo assim?", revelou o jogador.
Rangel foi contratado em definitivo pelo Kolos Kovalivka e, na última temporada, disputou apenas 12 partidas e marcou um gol. Sem conseguir dedicar sua concentração exclusivamente ao futebol, o brasileiro voltou a viver momentos de tensão e colocou um fim de forma antecipada no seu retorno ao futebol ucraniano.
"Kyiv é uma cidade linda, incrível, com muitas coisas boas, mas infelizmente eu não consigo mais. Os ucranianos conseguem viver neste contexto, mas para nós, que somos de fora, é muito difícil. As partidas frequentemente paravam por conta de bombardeios perto dos estádios e precisamos nos abrigar em bunker. Não tem como tratar isso com naturalidade", contou.
"Uma vez eu estava em casa e vi da janela do meu apartamento um drone russo ser abatido pelo exército ucraniano. Poderia ter atacado meu condomínio, poderia ter atacado o meu prédio. Eu vi com os meus olhos, ninguém me contou. E para eles era normal, um míssil era disparado em uma região próxima e minutos depois estavam todos na rua, como se nada tivesse acontecido", relatou o brasileiro.
Embora ainda tivesse contrato com Kolos, Rangel negociou uma rescisão amigável para procurar um novo clube. Sem fechar as portas para um retorno ao Brasil, o atacante estuda propostas vindas do futebol asiático e prioriza a sequência de jogos e a proximidade com a família para continuar sua carreira.
Nascido na região metropolitana de Porto Alegre, Rangel passou pelas categorias de base do Internacional e do Novo Hamburgo, antes de estrear profissionalmente no futebol paranaense. Convidado para disputar a segundona estadual pelo Pato Branco, o atacante chamou a atenção do Londrina e acabou contratado no final da temporada.
No entanto, o atacante acabou não sendo aproveitado no Tubarão e rodou por empréstimos por Itumbiara, Foz do Iguaçu e Grêmio Barueri. Em destaque após boa passagem no futebol paulista, com dez gols em 14 jogos, mas sem espaço no Londrina, Rangel pediu a liberação definitiva para procurar um novo destino.
O pedido foi aceito pelo clube e Rangel acertou sua ida para o Operário, mas uma ligação um dia após o acordo mudou drasticamente o destino do jogador.
"Eu já havia assinado com o Operário quando recebi uma proposta para jogar na Albânia. Eu não conhecia nada sobre o país, mas sabia que era a chance da minha vida. Conversei com o presidente do Operário, expliquei a situação e eles entenderam. É uma chance única, acabei viajando logo em seguida e comecei minha trajetória na Europa", relembrou o atacante.
Pelo Kukësi, Rangel chegou já na reta final da temporada e mesmo assim conseguiu balançar as redes duas vezes em sete jogos. Apesar do pouco tempo, o jogador participou da conquista de dois títulos nacionais albaneses.
No ano seguinte, Rangel ganhou uma "promoção" para atuar na Áustria, mas também permaneceu por pouco tempo. Ainda em 2018, o brasileiro desembarcou na Finlândia e, enfim, passou a ter sequência para atuar. Em quatro anos pelo KuPS, o atacante anotou 25 gols em 73 jogos e liderou o clube ao título nacional.
Em meio a uma das temporada, o jogador ainda passou pela segunda divisão turca para ajudar no acesso do Adana Demirspor. Com direito a gol nos acréscimos no clássico contra o Adanaspor, Rangel vivenciou uma das grandes sensações na carreira ao ser testemunha do fanatismo turco.
Apesar do contrato com o Adana, a falta de sequência e de afinidade com o novo treinador, resistente à utilização do brasileiro, fizeram o atacante retornar ao clube finlandês para a disputa da Conference League. Depois de comandar uma virada com hat-trick em 45 minutos na primeira eliminatória, e marcar o gol da classificação na casa adversária na segunda disputa, Rangel despertou o interesse do futebol ucraniano e acertou a sua ida para o país, antes de ter a passagem interrompida pela guerra.
Com uma carreira alternativa construída praticamente no futebol europeu, Rangel busca reencontrar a paz. O jogador viveu a experiência de uma vida tranquila na Finlândia e o caos do conflito na Ucrânia. Agora, o atacante só quer um destino onde possa dedicar sua atenção ao que mais ama, a família e o futebol.