Território MLS
·02 de dezembro de 2025
Luiz Muzzi explica a evolução da MLS, scouting na América do Sul e o que esperar dos EUA na Copa do Mundo 2026

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·02 de dezembro de 2025

Poucos brasileiros conhecem a Major League Soccer tão profundamente quanto Luiz Muzzi. São mais de 30 anos vivendo o futebol norte-americano por dentro: participou da criação da liga, atravessou os períodos de instabilidade, liderou projetos pioneiros de multi-club ownership, foi peça-chave no FC Dallas e, mais recentemente, comandou por sete temporadas o Orlando City — onde conquistou a U.S. Open Cup, estruturou um departamento esportivo moderno e viu a academia do clube se tornar referência nacional.
Recém-saído do Orlando City, Muzzi está ouvindo propostas — da MLS, da Europa, da América do Sul e até de organismos internacionais.
“Estou aberto. Mas meu “arroz-com-feijão” é na América do Norte e na América do Sul.”
Nesta entrevista ao Território MLS, Muzzi discute os bastidores de sua jornada, explica a evolução histórica da Major League Soccer e detalha como funciona o scouting na América do Sul.
“O jogador vem pra MLS, aprende inglês, sai da zona de conforto, enfrenta viagens longas e ritmos diferentes. Depois, vai pra Europa mais preparado.”
Luiz ainda discute a rivalidade com a Liga MX, analisando o seu futuro na MLS ou talvez fora dela. O resultado é um panorama raro — contado por alguém que esteve em todas as fases da construção da liga.
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Muzzi viveu a MLS desde o primeiro minuto. Ele testemunhou a criação da liga e participou dos primeiros desenhos estruturais. Relembrar o passado é, inevitavelmente, comparar com o presente.
Nos anos iniciais, a MLS buscava identidade. O futebol competia por espaço com esportes já consolidados; os clubes dispunham de estruturas mínimas e até as regras variavam.
“A liga não tinha empate”, recorda. “Havia disputa 1×1, no estilo de hóquei: o jogador partia do meio-campo para tentar marcar. Era tudo muito experimental.”
Além das adaptações competitivas, havia crises institucionais. Uma ação judicial no fim dos anos 1990 quase encerrou a liga, seguida da contratação de Tampa Bay Mutiny e Miami Fusion, na Flórida, que deixaram de existir por inviabilidade financeira. Apenas três grupos mantiveram a MLS viva — Galaxy, FC Dallas (família Hunt) e New England Revolution (Robert Kraft).
Salvadores da MLS! O proprietário do New England Revolution, Robert Kraft, e o proprietário do FC Dallas, Clark Hunt, falam antes de um jogo no Gillette Stadium, em 2023, em Foxborough, Massachusetts. (Foto de Maddie Meyer/Getty Images)
A virada veio com David Beckham, em 2007.
“Com o Beckham, a MLS deixou de ser uma liga 1.0 e virou uma 2.0”, diz Muzzi. A chegada do astro inglês acelerou a profissionalização, atraiu a mídia global e abriu portas para contratações de alto impacto.
Mas, para ele, a transformação real veio de processos silenciosos: academias, investimentos constantes e uma visão de longo prazo.
“Tem grupo aqui que investe há mais de 30 anos. Isso não existe em outros mercados.”
Por décadas, clubes operavam quase sem categorias de base. A obrigatoriedade de academias mudou tudo.
“É difícil até imaginar, mas por muitos anos não existia uma academia estruturada”, diz Muzzi.
O impacto está nas seleções, nas vendas e na percepção externa. Jogadores como McKennie, Pepi, Aaronson, Adams e tantos outros surgiram dessa nova realidade.
Para Muzzi, isso explica a mudança de como a MLS é vista internacionalmente:
“O jogador vem pra MLS, aprende inglês, sai da zona de conforto, enfrenta viagens longas e ritmos diferentes. Depois, vai pra Europa mais preparado.”
E o fluxo inverso também cresceu: brasileiros e argentinos buscando jogadores na MLS com cada vez mais frequência.
“Quando um jogador sai da MLS e não funciona, culpam a liga. Quando um brasileiro vai pra Europa e não rende, ninguém culpa o Brasil. Scouting não é matemática.”
Luiz Muzzi foi direto sobre o nível da MLS em 2025:
“Coloque os melhores times da MLS em qualquer liga do mundo: não passam vergonha. No Brasil, não seriam rebaixados. Na Espanha, competiriam bem contra a maioria.”
O preconceito, segundo ele, vem de quem não acompanha.
“O pessoal fala sem ver jogo. É impressionante.”
A crítica comum à MLS é a ausência de rebaixamento. Muzzi vê como característica cultural — não como problema.
“Querem uma liga em que só dois disputam o título todo ano? Ou uma em que todo mundo começa acreditando que pode ser campeão?”
Ele cita exemplos recentes: Vancouver finalista, San Diego semifinalista no primeiro ano, Columbus campeão com o melhor futebol.
“Isso não existe em ligas de desigualdade financeira.”
O Salary Cap, as regras salariais da liga, para ele, devem evoluir, mas com responsabilidade:
“Tem que abrir mais, mas não pode virar festa. Se virar bagunça, os clubes quebram.”
A adoção do calendário agosto–maio em 2027 será, na visão de Muzzi, transformadora:
“É uma mudança histórica”, concluiu.
A diferença hoje, segundo ele, é mais cultural do que técnica.
“O time mexicano entra com faca nos dentes. É mentalidade de Libertadores.”
Muzzi lembra a final perdida pelo Columbus e episódios de catimba — mas também destaca que, na Leagues Cup, o cenário se inverte e a MLS domina.
“A MLS não deve mais nada ao México. A diferença é mínima.”
Quando chegou ao Orlando em 2019, Muzzi encontrou instabilidade e pouca estrutura. O primeiro ano foi de diagnóstico; o restante, de reconstrução.
De 2020 a 2025, o clube foi o único da MLS a ir aos playoffs em todas as temporadas, conquistou a US Open Cup de 2022, se modernizou e virou referência em academia.
“Hoje, o Orlando está entre as três melhores academias do país. Talvez a melhor. E já ultrapassou o Dallas.”
Ele destaca Alex Freeman e elogia Ricardo Moreira:
“Trabalhamos lado a lado todos esses anos. Um craque.”
Ricardo Moreira assumiu o papel de diretor de futebol do clube com a transição de Muzzi no Orlando City (@ricomoreira/Instagram)
O Orlando estruturou presença clara no continente:
“Hoje existe mão dupla. Sul-americanos vêm para MLS; brasileiros levam jogadores da MLS. Isso é novo.”
Diferentemente do Brasil, o sistema norte-americano, diz Muzzi, oferece múltiplos caminhos. Exemplos:
Daryl Dike, Duncan McGuire, Kamal Miller — todos via Draft.
A MLS Next Pro fechou um buraco antigo:
“Antes não existia sub-20. Era um buraco de desenvolvimento. Agora tem plataforma intermediária.”
“Os EUA podem ir longe. Não é mais zebra. É realidade.”
Para ele, o desafio será equilibrar atletas da MLS e da Europa.
No fim, a conversa com Luiz Muzzi deixou claro que a MLS não cresceu por acaso. Cresceu sob a visão de bilionários como Kraft e Hunt, bancando períodos de perda, investimento bruto em estádios, scouting e profissionalização de técnicos e staffing, tudo isso para trazer estabilidade e um método único que condiz com a cultura competitiva do futebol norte-americano.
E, para quem viveu 30 anos dessa história, uma certeza permanece:
A MLS não chegou ao auge — está só começando.









































