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·23 de fevereiro de 2021
Morumbi terá três Rogérios Ceni em decisão. Flamengo e São Paulo não aceitam todos eles

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·23 de fevereiro de 2021
Paulo Roberto Falcão cunhou a frase que ficou famosa: o jogador de futebol morre duas vezes, e a primeira delas é quando se aposenta. Quando um ídolo, um craque, para de jogar profissionalmente, pendura as chuteiras, ele deixa esta primeira vida para entrar na eternidade.
O Rogério Ceni goleiro do São Paulo, único clube importante por ele defendido, por quem disputou 1237 jogos, marcou 131 gols, fez defesas históricas e conquistou dezenas de títulos – incluindo Mundial de Clubes, duas Libertadores e três brasileiros – está no mais alto panteão da eternidade na história são-paulina. A idolatria ao Rogério Ceni goleiro deverá ser eterna. E o será.
Mas existem outros Rogérios Ceni. Existe o homem Rogério Ceni, que tem CPF e é de carne e osso como todos nós; e existe o Rogério Ceni treinador. Que precocemente treinou o time principal do São Paulo, em 2017, antes de ser demitido em meio a polêmicas. Ceni foi técnico do Fortaleza e recebeu homenagens dos são-paulinos quando os reencontrava, só que o Leão do Pici, em que pese toda sua importância no Nordeste, não possui tradicionalmente as mesmas aspirações do Tricolor do Morumbi. Não disputa os mesmos títulos e não tem um histórico de rivalidade ou grandes embates na memória coletiva. Aí é mais fácil homenagear o Rogério Ceni treinador como se ele ainda fosse o Rogério Ceni goleiro.
Acontece que hoje Rogério Ceni é técnico do Flamengo, clube de peso equivalente ao do São Paulo e que sonha com as mesmas conquistas. Ou seja, um adversário direto. E desde que chegou ao Rubro-Negro, o destino tem colocado Ceni frente a frente com o São Paulo em momentos de decisão. Sua estreia pelos cariocas foi justamente diante do Tricolor, que o eliminou da Copa do Brasil. Agora, o Flamengo de Ceni é favorito para conquistar o Brasileirão: para isso, precisa vencer justamente o São Paulo, dentro do Morumbi, na última rodada do campeonato. Um São Paulo, importante destacar, que levantou seu último grande título há quase nove anos, dentro do próprio Morumbi, quando Ceni ainda era goleiro.
A torcida do Flamengo obviamente não abraça o “Rogério Ceni goleiro”, e isso acaba contaminando a aceitação dos outros dois Cenis para os rubro-negros: ainda existe certa antipatia em relação ao homem e isso acaba atrapalhando na avaliação de seu trabalho profissional – que é o que mais deveria importar. Ainda que o seu aproveitamento pelo clube neste Brasileirão seja de ótimos 70,5% e que o time seja o favorito ao título, o Ceni treinador parece muitas vezes até descartável na opinião de vários torcedores rubro-negros. Em considerável parte porque existe a imagem do Ceni ídolo são-paulino.
E ao dizer que a atmosfera do Flamengo é diferente à do São Paulo, justamente dias antes de poder conquistar, dentro do Morumbi, um título que foi cobiçado pelos são-paulinos, o treinador Rogério Ceni lembrou a todos que não é mais o goleiro que defendia as cores do Tricolor acima de tudo. Isso machucou considerável parte dos tricolores, especialmente face à obrigação de ver um grande ídolo comemorando um título, com outra camisa, dentro de sua própria casa.
Esta mágoa, alimentada por fortes doses de ciúme, é perfeitamente válida e compreensível. Afinal, o Rogério Ceni goleiro só existe agora na eternidade, mas seguirá sempre vivo na memória do são-paulino. A realidade, entretanto, mostra ao tricolor uma pessoa que é o treinador de outro clube. Um clube de mesma estatura. Mas esta realidade não vai apagar a idolatria de Ceni no São Paulo, pois o tempo passa e feridas superficiais cicatrizam. A realidade por vezes pode machucar, mas ídolos são eternos.
Rogério Ceni poderá, quem sabe, até mesmo escrever sua história de idolatria pelo Flamengo. Sendo, claro, o treinador Rogério Ceni. Telê Santana foi ídolo do Fluminense por quase uma década pelo que fez como jogador, e é também um imortal do São Paulo pelo que fez como treinador. Zico, por outro lado, não quis treinar clubes brasileiros e nem o seu próprio Flamengo por medo de manchar, de alguma forma, sua história gigante como maior craque rubro-negro de todos os tempos.
Vários Rogérios Ceni estarão na beira do campo no Morumbi, nesta quinta-feira (25). Torcidas de Flamengo e São Paulo ainda não aceitam todos eles – talvez nunca aceitem, faz parte. Dentro do cenário do futebol, competitivo e de paixões irracionais, quem aceitaria? A resposta é simples: quem aceita todos estes Cenis é justamente quem possui o mais puro dos amores. O amor familiar. Torcedor fanático do Internacional, que disputa o título deste Brasileirão contra o Flamengo, o pai de Rogério Ceni, Eurydes, só quer ver a pessoa de carne e osso que ajudou a colocar neste mundo ser feliz. Não importa a camisa.
“Eu sinto muito pelos colorados, que me perdoem, mas como pai do Rogério vou torcer para que ele conquiste esse título. Está em jogo a carreira dele como treinador. Ele precisa das vitórias para ter sucesso nesta profissão. Sinto muito pelo Inter, que não ganha o Brasileirão há muito tempo, mas é o meu filho. Por isso, vou torcer pelo Flamengo”, disse Eurydes em entrevista ao jornal Zero Hora.
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