Trivela
·14 de fevereiro de 2022
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·14 de fevereiro de 2022
Durante os anos 1970, dificilmente uma lista de melhores goleiros do mundo não incluiria o nome de Ronnie Hellström. O “Viking Voador” era um dos arqueiros mais aclamados do futebol europeu e espalhou sua fama também graças a três Copas do Mundo como camisa 1 da Suécia. Hellström não conquistou títulos por clubes, mas seria considerado o melhor jogador sueco em atividade no país pela ótima forma exibida com o Hammarby. Também brilhou na Alemanha, com o Kaiserslautern, eleito o melhor goleiro da Bundesliga. Já nos Mundiais de 1974 e 1978, saiu lembrado como um dos melhores de sua posição. Ao lado de Thomas Ravelli, Kalle Svensson e Sigge Lindberg, é um dos únicos quatro goleiros da seleção masculina no Hall da Fama da federação sueca. Um nome que figura em muitas das seleções dos sonhos dos escandinavos, e que faleceu no início desse mês de fevereiro, aos 72 anos, vítima de um câncer no esôfago.
A inspiração para Ronnie Hellström se transformar em goleiro estava dentro de casa. Seu pai, Rolf, chegou a atuar em equipes pequenas na Suécia e motivou o menino em sua carreira. O adolescente, de qualquer maneira, precisou lidar com as frustrações. Ele chegou a passar por uma peneira no Malmö, clube de sua cidade natal. O convite veio de Karl-Erik Palmér, meio-campista da seleção sueca na Copa de 1950 e então treinador da base celeste. Porém, por ser muito novo, o garoto de 12 anos não seria aprovado depois de alguns treinamentos. Sua história se desabrocharia longe de Malmö.
Quando tinha 13 anos, Hellström se mudou com a família para Estocolmo. Seu pai conseguiu um emprego na cidade e levou a família para a capital. Foi então que o jovem ganhou novas oportunidades para provar seu talento como goleiro, em outras equipes tradicionais. Não demorou a encontrar seu destino: o Hammarby, clube pelo qual criou gosto através de uma reportagem de revista. O adolescente não demorou a ingressar nas categorias de base dos alviverdes e logo se tornou uma grande promessa. Apesar de ser um clube tradicional e popular de Estocolmo, naquele momento o Hammarby conviva com altos e baixos, entre acessos e descensos na primeira divisão do Campeonato Sueco.
A estreia de Hellström pelo Hammarby aconteceu em 1966, quando tinha apenas 17 anos. Os alviverdes militavam na segundona, embora contassem com a presença do veterano Lennart Skoglund, lenda da seleção sueca. A equipe conquistou o acesso naquela temporada, mas cairia em 1967, na despedida de Skoglund. Mesmo com o descenso, Hellström foi eleito o melhor goleiro da liga. Seriam mais dois anos na divisão de acesso, até a promoção reconquistada em 1969. Naquele momento, o Hammarby se agarraria principalmente em seus pratas da casa. Titular absoluto no gol, Hellström dividia os holofotes principalmente com o meio-campista Kenneth Ohlsson, que tempos depois se consagraria como atleta que mais vestiu a camisa do clube.
O fato de jogar na segunda divisão, aliás, não impediu que Hellström fosse reconhecido como o melhor goleiro em atividade na Suécia. Em 1966, mesmo ano em que estreou pelo Hammarby, o arqueiro passou a defender as seleções de base. Acumulou partidas com as equipes sub-19 e sub-21, até viver um episódio memorável em 1968, com um combinado de Estocolmo que enfrentava o Dynamo Moscou. O novato de 19 anos fechou o gol e receberia elogios até mesmo do lendário Lev Yashin, na meta do clube soviético. O próprio Hellström classificou aquela como a melhor atuação de sua carreira e, no mesmo ano de 1968, ganhou sua primeira convocação para a equipe principal da Suécia. Passou a disputar a posição de titular logo de cara e vestiu a camisa 1 na Copa do Mundo de 1970. Porém, Hellström acabou marcado por uma falha, que permitiu o gol de Angelo Domenghini durante a derrota por 1 a 0 na estreia contra a Itália. Por conta disso, o jovem de 21 anos acabou barrado pelo técnico Orvar Bergmark e Sven-Gunnar Larsson assumiu o posto nas duas últimas partidas dos suecos na curta campanha pelos gramados mexicanos.
A redenção de Hellström aconteceu graças ao Hammarby. O clube ligado à classe trabalhadora e aos bairros operários de Estocolmo se fortaleceu durante os anos 1970. A representatividade da torcida alviverde era muito grande, especialmente pela cultura de arquibancada que se tornou pioneira no Campeonato Sueco. Para ajudar, o time se estabeleceu na primeira divisão. As campanhas não necessariamente colocavam a equipe na briga pelo título ou então nas copas europeias, mas permitiam que o respeito fosse adquirido. E a forma de Hellström era tão fantástica que, mesmo com a ameaça de rebaixamento na liga em 1971, o goleiro seria eleito o melhor jogador em atividade na Suécia naquela temporada, premiado com a tradicional Guldbollen – a Bola de Ouro local, oferecida pelo jornal Aftonbladet, entregue a partir de 1946.
Apesar do prestígio de Hellström e da segurança que ele transmitia sob as traves, o Hammarby não seria capaz de ir além do quinto lugar naquela primeira metade dos anos 1970. O goleiro parecia grande demais às ambições do clube, que ainda perseguia seu primeiro troféu no Campeonato Sueco. E mais uma prova de seu talento viria em 1974, em mais uma Copa do Mundo. Bem mais experiente que no México, o camisa 1 teria a chance de se redimir na Alemanha Ocidental. Foi exatamente o que aconteceu, com uma coleção de grandes atuações para levar os escandinavos a um honroso quinto lugar.
Um sinal positivo sobre a Suécia veio um ano antes do Mundial, quando a equipe disputou um amistoso contra o Brasil no Estádio Rasunda, em junho de 1973. Os tricampeões do mundo alinharam Rivellino, Jairzinho, Piazza, Paulo Cézar Caju e outras feras do período. Os escandinavos, ainda assim, venceram por 1 a 0. Hellström foi um dos mais elogiados, conforme descrevia o Jornal dos Sports: “Excelente goleiro, tanto na colocação como nas saídas de gol. Fez em todo jogo, pelo menos, umas três defesas de alta categoria. Deu uma lição na saída do gol nas bolas altas”. Num dos lances mais aclamados, parou um dos violentos tiros de Rivellino. Segundo o próprio Hellström, aquela foi sua melhor atuação pela seleção.
A Suécia integrou um grupo duríssimo na Copa de 1974, ao lado de Bulgária, Holanda e Uruguai. Hellström não sofreu um gol sequer naquela largada da competição. Sua grande atuação aconteceu exatamente diante da Laranja Mecânica, numa tarde em que fechou o gol e segurou o empate por 0 a 0. Os suecos seriam derrotados no quadrangular semifinal para Polônia e Alemanha Ocidental, mas Hellström ainda acumulou novos milagres na derrota por 4 a 2 contra os germânicos. Por fim, uma vitória por 2 a 1 sobre a Iugoslávia rendeu o quinto lugar aos escandinavos. Hellström seria inclusive apontado como o melhor goleiro da Copa pelo jornal holandês Volkskrant.
A impressão deixada por Hellström na Alemanha Ocidental foi tão sólida que, logo depois da competição, ele seria levado à Bundesliga. Em negócio alinhado antes mesmo da competição, o Kaiserslautern tirou o arqueiro do Hammarby. Tornava-se um grande passo à sua carreira, já que o regime no Campeonato Sueco ainda era semiprofissional. O goleiro poderia ganhar um dinheiro condizente ao seu talento, bem como atuaria por um dos clubes mais tradicionais do país. Naquele momento, os Diabos Vermelhos costumavam ocupar posições intermediárias na tabela do Campeonato Alemão-Ocidental. Já contavam com outro sueco no elenco, o artilheiro Roland Sandberg.
Hellström não teve problemas para se estabelecer como titular do Kaiserslautern e também ser reconhecido como um dos goleiros mais talentosos da Bundesliga. E sua segunda temporada já teria um grande momento, com a campanha até a decisão da Copa da Alemanha, na qual perderam o troféu para o Hamburgo. O consolo ficaria para a classificação à Copa da Uefa de 1976/77, pela sétima posição na liga. Seria também o início da história de Hellström nas competições europeias, apesar da eliminação durante a segunda fase, diante do Feyenoord.
A melhor temporada de Hellström pelo Kaiserslautern aconteceu na Bundesliga 1977/78. A equipe não teve sua melhor colocação naqueles anos, ocupando o oitavo lugar, apesar de manter a liderança nas primeiras 11 rodadas. Mas o goleiro vivia fase tão espetacular que ainda assim acabou escolhido como o melhor de sua posição no campeonato. Era mais um sinal positivo à seleção da Suécia. Mesmo atuando no exterior, Hellström mantinha o posto de titular absoluto dos escandinavos e auxiliou na classificação para mais uma Copa do Mundo. Voltaria a vestir a camisa 1 em seu terceiro Mundial consecutivo, na Argentina.
A campanha da Suécia foi bem mais modesta na Copa de 1978. Os escandinavos foram eliminados na primeira fase, em grupo ao lado de Brasil, Áustria e Espanha. O orgulho dos suecos naquela caminhada, sem vitórias, esteve em segurar o empate por 1 a 1 contra o Brasil – apesar do gol anulado de Zico no apagar das luzes. Hellström faria boas defesas para segurar o resultado, a ponto de ser analisado como um dos melhores goleiros da primeira rodada do Mundial. Depois, diante da Áustria, acumulou milagres mesmo com a derrota por 1 a 0. E também não permitiu que o 1 a 0 aplicado pela Espanha fosse maior. A campanha curta não o impediu de ser mais uma vez aclamado internacionalmente.
Ao final de 1978, Hellström recebeu pela segunda vez em sua carreira a Guldbollen, eleito o melhor jogador da Suécia no ano. Também ficou em sexto na votação da Bola de Ouro como o melhor da Europa, inclusive aparecendo como o melhor goleiro da lista da France Football – algo que ocorreu também em 1974, 1977 e 1979. Chegava ao auge de sua forma, aos 29 anos. Não à toa, contribuiu para que o Kaiserslautern aumentasse suas pretensões na Alemanha Ocidental. Os Diabos Vermelhos emendaram duas campanhas na terceira colocação da Bundesliga, em 1978/79 e 1979/80. Neste segundo ano, ainda foram até as quartas de final da Copa da Uefa. Acabaram eliminados pelo vizinho Bayern de Munique. E a fidelidade ao clube também valorizava seu trabalho, especialmente por recusar uma proposta do New York Cosmos nessa época.
No entanto, o início dos anos 1980 marcou o declínio de Hellström. O goleiro se despediu da seleção da Suécia em setembro de 1980, durante o início das Eliminatórias para o Mundial de 1982. Totalizou 77 partidas com a equipe nacional e era o goleiro com mais partidas pelo país até então – superado por Thomas Ravelli, que se tornou o herdeiro da posição a partir de 1981, e também por Andreas Isaksson. Ainda assim, Hellström permanece como um dos únicos quatro jogadores suecos que disputaram três Copas do Mundo – ao lado de Bo Larsson, Björn Nordqvist e Henrik Larsson.
Já pelo Kaiserslautern, Hellström manteve a titularidade até a temporada de 1980/81. Seria reserva de Armin Reichel nas duas edições seguintes da Bundesliga, quando os Diabos Vermelhos seguiram com campanhas na parte de cima da tabela e emendaram classificações à Copa da Uefa. Como titular nas copas, Hellström teve seus momentos de brilho. Em 1980/81, o Kaiserslautern foi de novo finalista da Copa da Alemanha, derrotado na final pelo Eintracht Frankfurt. Já em 1981/82, os Diabos Vermelhos alcançaram as semifinais da Copa da Uefa. Sapecaram um 5 a 0 sobre o Real Madrid nas quartas, com direito a pênalti defendido pelo sueco, mas acabaram superados na fase seguinte pelo IFK Gotemburgo.
Hellström retomou um pouco de seu espaço em 1983/84, mas, aos 35 anos de idade, decidiu pendurar as luvas ao final daquela campanha. Foram 311 jogos pelo Kaiserslautern, sendo 266 apenas pela Bundesliga, com 428 gols sofridos e 65 partidas sem ser vazado. Sua idolatria era tamanha que, em abril de 1984, tornou-se o primeiro jogador estrangeiro a ganhar uma partida de despedida no futebol alemão-ocidental. Mais de 35 mil torcedores compareceram para a homenagem no Betzenbergstadion, com Franz Beckenbauer, Sepp Maier e Paul Breitner entre as lendas convidadas ao amistoso, além de várias figuras históricas da seleção sueca.
Hellström continuou ligado ao futebol depois de sua aposentadoria. O veterano trabalhou como treinador de goleiros em diversos clubes tradicionais da Suécia, incluindo o Hammarby e o Malmö. Teria inclusive uma breve volta aos gramados em 1988, pelo Sundsvall, quando a equipe teve problemas de lesão com seus arqueiros e o medalhão atuou por uma partida aos 39 anos. Em 2004, outro enorme reconhecimento veio quando acabou eleito o segundo maior jogador da história do Hammarby – atrás apenas de Skoglund, seu companheiro no início da carreira. O clube também batizou um dos setores das arquibancadas da Tele2 Arena com o nome do goleiro.
E o sangue da família Hellström continuou representado dentro de campo, pela terceira geração de goleiros. Erland Hellström, filho de Ronnie, atuou profissionalmente no Campeonato Sueco. A maior parte de sua trajetória seria na meta do Assyriska, mas ele também teve duas passagens mais curtas pelo Hammarby. E conseguiu algo que o pai não pôde com os alviverdes: era reserva na conquista do Campeonato Sueco em 2001, o primeiro da história do clube. De certa maneira, o passado de Ronnie também se viu honrado naquele momento.
Ronnie Hellström permaneceu como um dos personagens mais aclamados do futebol sueco. Assim, a notícia de que o ex-goleiro estava com um câncer no esôfago gerou grande comoção em 2021. O arqueiro resistiria até o último dia 6 de fevereiro, quando faleceu aos 72 anos. Sua memória permanecerá honrada pelos torcedores de Hammarby, Kaiserslautern e sobretudo pelos compatriotas suecos, que poderão recontar a lenda do “Viking Voador”.