Calciopédia
·19 de outubro de 2022
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Muitos simpatizantes do futebol italiano possuem memória afetiva dos neerlandeses que marcaram época na Serie A durante a década de 1990. De Marco van Basten a Dennis Bergkamp, de Edgar Davids a Clarence Seedorf, o laranja foi uma cor vibrante em várias equipes, inclusive abaixo do topo da pirâmide nacional. O Foggia, de campanha intermediária, recebeu Bryan Roy num acordo sem precedentes, arquitetado nos bastidores por Mino Raiola, que apadrinhou o atacante. Porém, o promissor atleta chegou de um jeito e saiu de outro, bem mais discreto do que se imaginava.
Quando surgiu, Roy parecia ter grande futuro: levado à equipe titular do Ajax por ninguém menos que Johan Cruyff, foi eleito como grande revelação na Holanda, em 1987. Aos 19 anos, o garoto de origem surinamesa estreou na seleção e, logo depois de ser campeão nacional, figurou na lista de Leo Beenhakker para a Copa do Mundo de 1990 – apesar de não ter saído do banco da Oranje. No time de Amsterdã, treinado por Louis Van Gaal, era titular absoluto… mais um daqueles pontas rápidos e dribladores, revelados pelos Países Baixos desde tempos imemoriais.
Em 1992, poderia ter vivido o ano da explosão. Roy foi destaque no título do Ajax na Copa Uefa, em cima do Torino, e também ocupou o posto de titular na Euro, competição em que a Holanda foi semifinalista. No entanto, o neerlandês perdeu espaço para Marc Overmars no início da temporada 1992-93 e sentiu que chegava a hora da mudança. Assim, na janela de transferências de outono, deixou a sua cidade natal e rumou para a Itália, maior vitrine europeia na época.
Uma curiosidade é que Raiola, um dos personagens mais poderosos no ramo empresarial da bola e falecido em 2022, teve papel central na transferência de Roy. A sua família gerenciava o Ristorante Napoli em Haarlem, na Holanda, e foi lá que Mino adquiriu o dom dos negócios, ao estabelecer relações com jogadores do Ajax que frequentavam o espaço. Aos 20 e poucos anos, ele começou a forjar uma rede de contatos na qual podia contar com Rob Jansen, um empresário de grande influência nos Países Baixos naquela época.
Com o prato cheio na mão, o italiano usou a melhor carta disponível: sua língua materna. Mino abriu um canal privilegiado com a Serie A e, dessa forma, foram confiadas a ele as rédeas na negociação entre Foggia e Bryan, seu primeiro cliente de destaque. O jogador era avaliado inicialmente em 4,5 bilhões de liras, mas o valor caiu consideravelmente após o empresário mexer seus pauzinhos. No final, o time rossonero pagou 2,2 bilhões para tirar o ponta do Ajax. “A Serie A foi como a Premier League de hoje”, disse Raiola ao SPORT1. “E a chegada de Roy ao Foggia representou minha primeira grande transferência. Aí todo mundo queria jogar na Itália”, completou.
Na Apúlia, Roy viu Zeman mudar seu estilo de jogo (Foggia Reporter)
O reforço consagrou uma nova era para os rossoneri, um passo a mais que o cartola Pasquale Casillo não havia se atrevido a dar. Sob as ideias visionárias de Zdenek Zeman, em contraste com o jogo burocrático da maioria dos adversários, a expectativa era que a Zemanlândia pudesse crescer de patamar após o Foggia terminar em nono no seu retorno à elite italiana.
A largada de Roy foi promissora, ao marcar na estreia, numa vitória dos rossoneri por 2 a 1 sobre a Lazio. Mas o neerlandês só voltou a encontrar as redes cinco meses depois, em outro triunfo, dessa vez ante ao Pescara (4 a 2). A realidade diferente entre o sul da Itália e de Amsterdã se impunha na adaptação do ponta, o que levou o clube a encontrar uma forma de frear a situação.
A diretoria do Foggia solicitou a Raiola que fosse morar na Apúlia e ajudasse seu cliente a se instalar. Porém, o agente foi além do papel da tradução do dia a dia e acompanhou Roy em praticamente todos os momentos no clube: nas refeições da equipe e no banco de reservas, onde lhe auxiliava a entender o “zemaniano”. Ou seja, as orientações táticas de Zeman.
Sem empolgar na primeira temporada, quando os satanelli brigaram para não cair, o jogador mostrou a que veio em 1993-94. O trio de ataque formado por Bryan, Pierpaolo Bresciani e Igor Kolyvanov encaixou, o que deixou o holandês à vontade em frente do gol. Assim, ele se lançou ao topo da lista de artilheiros do time na Serie A, com 12 tentos, ajudando na campanha que por pouco culminou na vaga em uma competição continental. O “Foggia dos milagres” voltou a ser nono colocado, repetindo o desempenho de 1991-92.
O holandês se destacou durante um ano num dos melhores times da história do Foggia (EMPICS/Getty)
O grande campeonato na Apúlia levou o ponta à sua segunda Copa do Mundo, aos 24 anos. Nos Estados Unidos, Roy teve utilidade: começou no onze inicial do time de Dick Advocaat e, apesar de ter perdido a posição após a segunda rodada, jogou nas outras três partidas da Holanda, que foi eliminada pelo Brasil nas quartas de final. Bryan deixou sua marca uma vez, na vitória por 2 a 1 sobre Marrocos.
Na transição entre as temporadas 1993-94 e 1994-95, a era de ouro do Foggia chegaria ao fim, com a passagem de Zeman para a Lazio. A saída do técnico que transformou a carreira de Roy também levaria o holandês a mudar de ares. “Coloco Zeman no mesmo nível que Cruyff, [Rinus] Michels, Van Gaal, [Guus] Hiddink. Ele foi um dos melhores treinadores que já tive, me ensinou a fazer gol, o que eu não sabia fazer quando estava no Ajax”, afirmou o ex-ponta à Immediate TV.
Roy rumou à Premier League. Pelo Nottingham Forest, que o contratou junto ao Foggia por 2,5 milhões de libras esterlinas, teve uma primeira temporada razoável: 13 gols anotados em 37 jogos, que valeram a classificação dos Reds à Copa Uefa. Na Inglaterra, ele começou a atuar mais recuado, até mesmo como meio-campista, no momento em que a sua condição física foi afetada por uma sequência de lesões.
Aos poucos, o balão foi perdendo ar. Em paralelo a isso, a geração “Ajax 1995” surgiu atropelando, e Roy nunca mais jogou pela seleção, que representou entre 1989 e 1995, com 32 partidas e nove gols marcados. O neerlandês não manteve o nível na Inglaterra e buscou o recomeço na Alemanha, pelo Hertha Berlim, mas também não entregou o suficiente em três temporadas.
Ponta-esquerda agudo, Roy se destacou pelos dribles (Gerardo Parrella)
Em 2001, Bryan voltou aos Países Baixos e assinou com o NAC para reencontrar o Roy incansável do início da carreira. Mas não havia sombra dele. O ponta pendurou as chuteiras naquele mesmo ano, apesar de ainda ter arriscado um retorno em 2004 para alguns jogos pelo Workington, militante na conferência norte da sexta divisão da Inglaterra.
Após o fim da carreira, Roy teve passagens internas pelo Ajax, como técnico na base, antes de voltar à carreira de empresário. No ramo extracampo, chegou a criar um negócio de venda de bonecos 3D de jogadores de futebol, em 2005. Durou pouquíssimo: faliu já em 2006.
Além disso, o holandês teve sérios problemas com a justiça entre 2020 e 2021. Se tornou um propagador de teorias da conspiração e fake news, a ponto de ameaçar Mark Rutte, primeiro-ministro dos Países Baixos, de morte. Ele foi condenado a efetuar 80 horas de serviço comunitário, mas não cumpriu a sentença e foi preso por 40 dias. Não adiantou: Roy continua a destilar ódio e a disseminar mentiras através de seus perfis nas redes sociais.
No início de 2020, antes de se colocar às voltas com problemas judiciais, o ex-jogador chegou a lançar uma autobiografia: “Ongrijpbaar: de wonderlijke schijnbewegingen van Bryan Roy”. Em português, “Incompreensível: os movimentos maravilhosos de Bryan Roy”. Bom título para uma carreira mais errática do que parecia no começo, e que terminou de forma deprimente.
Colaborou Felipe dos Santos Souza, do Espreme a Laranja.
Bryan Eduard Steven Roy Nascimento: 12 de fevereiro, em Amsterdã, Países Baixos Posição: ponta-esquerda Clubes: Ajax (1989-93), Foggia (1993-94), Nottingham Forest (1994-97), Hertha Berlim (2001), NAC Breda (2001) e Workington (2004) Títulos: Eredivisie (1990) e Copa Uefa (1992) Seleção holandesa: 32 jogos e 9 gols
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