O milagre de Elabdellaoui: após perder a visão num acidente e passar por 11 cirurgias, lateral está apto a voltar a jogar pelo Galatasaray | OneFootball

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·11 de fevereiro de 2022

O milagre de Elabdellaoui: após perder a visão num acidente e passar por 11 cirurgias, lateral está apto a voltar a jogar pelo Galatasaray

Imagem do artigo:O milagre de Elabdellaoui: após perder a visão num acidente e passar por 11 cirurgias, lateral está apto a voltar a jogar pelo Galatasaray

De repente, tudo ao redor se apagou. E os últimos 13 meses demandaram um enorme esforço de Omar Elabdellaoui, lateral direito de 30 anos do Galatasaray e da Noruega. O jogador perdeu a visão durante o Ano Novo de 2021, depois que um rojão estourou diante de seu rosto. Não havia qualquer garantia de que o norueguês poderia voltar a enxergar por completo, quanto mais de que atuaria profissionalmente de novo. A recuperação de Elabdellaoui dependeu do apoio de alguns dos melhores oftalmologistas do planeta, bem como de 11 cirurgias. Enquanto a visão do olho esquerdo voltou antes, a do olho direito dependeu de muitos cuidados, diante dos danos severos tanto no globo ocular quanto na pálpebra. A operação principal tinha um percentual de sucesso que não passava dos 10%, mas terminou bem-sucedida. E, depois do longo processo, o lateral vive seu milagre. Elabdellaoui retomou os treinos com o Galatasaray e poderá reestrear neste final de semana. Uma vitória pessoal imensurável.

A história de Elabdellaoui é contada com mais detalhes pelo repórter Will Unwin, no jornal The Guardian. Com passagem pelas categorias de base do Manchester City, o lateral rodou por diversos clubes até se firmar. Atuaria por Strömsgodset, Feyenoord e Eintracht Braunschweig, até se tornar um jogador importante do Olympiacos. Teve uma rápida passagem pelo Hull City na Premier League, enquanto defende a seleção da Noruega desde 2013, com a titularidade conquistada a partir de 2018 – inclusive usando a braçadeira de capitão em alguns jogos. Para a temporada 2020/21, Elabdellaoui encerrou seu contrato com o Olympiacos e se transferiu ao Galatasaray. Não demorou a cair nas graças de uma das torcidas mais exigentes da Europa, com boas atuações. Porém, essa progressão seria interrompida logo cedo, com o acidente que botou em risco sua vida.


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Elabdellaoui estava em sua casa com familiares e amigos, quando soltavam fogos de artifício pelo Ano Novo. Quando se preparava para soltar seu terceiro rojão da noite, o pavio se incendiou prematuramente e a explosão inesperada veio de encontro ao seu rosto. O norueguês gritava que “não conseguia ver”, enquanto seus amigos e sua esposa tentavam socorrê-lo. Pólvora e metal penetraram na sua pele, bem como no globo ocular, provocando queimaduras severas. A jaqueta do jogador também se incendiou. A ambulância chegou em poucos minutos, encaminhando o paciente a um hospital em Istambul. Naquele momento, ele estava clinicamente cego.

“Eu apenas pensei que tinha algo no meu olho e precisava limpá-lo, quando senti meu rosto totalmente queimando. Tudo estava preto”, recontou Elabdellaoui, ao Guardian. “Eu realmente não tive controle sobre os primeiros dias. Tudo estava escuro – eu não sabia se era noite ou dia. O tempo era irrelevante. […] Havia muita gente e barulho. As vozes se tornam muito mais altas quando você ouve tudo e não pode ver. Quanto mais demorava, mais medo eu tinha”.

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Omar Elabdellaoui (Trond Tandberg/Getty Images)

Elabdellaoui recebeu grande apoio desde os primeiros socorros. Por causa do ato irresponsável de um dos socorristas, que postou uma foto do rosto machucado do jogador nas redes sociais, alguns companheiros de Galatasaray estavam no hospital antes mesmo da chegada do lateral. O técnico Fatih Terim também abandonou os festejos de Ano Novo para apoiá-lo. O empresário do norueguês, Mikail Adampour, passou a dormir no quarto do hospital com seu agenciado naquelas semanas. Todavia, não era uma situação fácil de se enfrentar. Um dos irmãos de Elabdellaoui não o reconheceu, por conta dos danos no rosto, e caiu em prantos no hospital.

“Tentei desesperadamente entender, mas foi difícil. Por causa de toda a pólvora, meu rosto se queimou. Acho que foi difícil para eles dizerem, imediatamente, quão ruim estava. Em certo momento, agarrei uma médica e pedi para que me dissesse a verdade. Ela falou: ‘Seu olho esquerdo não parece tão ruim, mas não sabemos sobre seu olho direito’. Do jeito que ela disse, sabia que não era bom”, completa Elabdellaoui.

De fato, o olho esquerdo se recuperou primeiro, oferecendo de início um feixe de luz. Logo ele conseguiria ver cores e formas. “Não tive coragem para dormir. Assim que consegui ver um pouco de luz depois de dias, fiquei com medo de dormir, porque tinha medo da escuridão e de fechar meus olhos. Mesmo que fosse só um pouquinho de luz no meu olho esquerdo, sempre verificava se estava lá, porque tinha medo de perder”, afirma.

“Quando a realidade te acerta em cheio e você está sozinho num quarto, com tudo ainda escuro, é difícil manter uma mentalidade positiva. Mesmo quando eu estava totalmente para baixo e sentia que minha vida estava arruinada, eu ainda mantive a disciplina para a tarefa. Eu poderia ter sentido pena de mim, chorado e ficado deprimido, mas fiz tudo o que precisava fazer”, complementa.

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Omar Elabdellaoui (LINDSEY PARNABY/AFP via Getty Images)

A partir de então, se iniciou uma corrida contra o tempo, na tentativa de recuperar a visão completa de Elabdellaoui e restabelecer sua carreira. O Galatasaray ofereceu amplo apoio, bancando os cuidados médicos, assim como o médico do clube procurou um tratamento com mais chance de sucesso. Depois de consultarem especialistas de diversos países, em fevereiro o jogador viajou pela primeira vez aos Estados Unidos, onde se encontrou com o Dr. Edward Holland, pioneiro no transplante de córnea pelo Cincinnati Eye Institute. Elabdellaoui permaneceu os seis meses seguintes de maneira praticamente contínua nos EUA.

Segundo a avaliação dos médicos, a lesão de Elabdellaoui no olho direito era equivalente a queimaduras de terceiro grau. O jogador danificou o tecido que cria novas peles de proteção ao olho, assim como os canais lacrimais. A íris ficou opaca e um terço da pálpebra superior foi perdida. Assim, para que um transplante de córnea tivesse sucesso, era preciso recuperar o tecido da superfície ocular.

Dr. Holland estimou que Elabdellaoui tinha de 5 a 10% de chances de recuperar sua vista do olho direito. O experiente médico avaliou como uma das piores lesões que examinou em 35 anos de carreira, quatro vezes pior que uma lesão sofrida por um soldado americano cegado por uma bomba no Afeganistão. E, além da complicação em relação ao estado dos tecidos, existia uma intenção de acelerar os processos para que o jogador então com 29 anos ainda pudesse desfrutar de sua carreira em alto nível competitivo.

Um desafio paralelo para Elabdellaoui, inclusive, era manter sua forma física. Ele lidava com uma dieta restritiva e bebia apenas água. Contou com o apoio de um dos preparadores físicos do Cincinnati Bengals, que passou o programa de um wide receiver – o mais puxado da NFL. O lateral, que nesse momento só enxergava com o olho esquerdo, precisava daquelas atividades também para sua recuperação mental e sentia que os exercícios ainda não eram intensos o suficiente. “Foi o paciente mais motivado que já vi. Sua perseverança para recuperar a visão inspirou a mim e a minha equipe. Ele pularia no meio de círculos de fogo se pedíssemos”, comentaria o Dr. Holland.

Como Elabdellaoui enfatizou: “Isso me salvou, me manteve vivo, não vou mentir. Sem os exercícios, eu não teria conseguido sobreviver até o fim. Essa foi minha verdadeira fuga. Comecei a treinar desde cedo e coloquei na minha cabeça que voltaria a jogar, não importava o que acontecesse. Toda vez que eu tinha uma sessão realmente dura, suava tudo para fora. Eu podia sentir que eu ainda era capaz, forte e vivo. Os treinos eram tudo para mim. Eu me lembro de algumas poucas semanas quando não pude treinar, se tivesse algum procedimento delicado. Foram os momentos mais difíceis, e o Dr. Holland entendeu isso, fazendo com que eu treinasse assim que pudesse. Treinar e visualizar os treinos com o time era algo que me manteve vivo”.

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Omar Elabdellaoui (Trond Tandberg/Getty Images)

O tratamento de Elabdellaoui passou por estágios. Primeiro, teve o uso de anti-inflamatórios para reforçar a superfície do olho. A membrana de uma placenta foi usada para criar uma pele artificial no local. Já a reconstrução da pálpebra dependeu da retirada de tecidos da parte interna da boca e da orelha do norueguês. Por fim, a etapa decisiva de restauração da visão contou com um transplante das células-tronco de um membro da família. Uma de suas irmãs era totalmente compatível. Um doador anônimo também participou.

“Foi surreal. Foi um grande sinal de que realmente poderia dar certo. Mesmo sabendo que era um longo caminho, ter 100% de compatibilidade com minha irmã fez uma grande diferença. Fazer minha irmã passar por uma cirurgia não era algo que eu queria. Mas é engraçado como meus outros irmãos estavam quase chateados por não serem eles, que gostariam de ajudar. Foi importante ter esse amor da minha família”, relembrou o jogador, também grato ao seu empresário. “Acho que não há nenhum empresário no mundo inteiro que faria o que ele fez por mim, e merece todos os elogios. Quando o acidente aconteceu, ele dormiu comigo no hospital por um mês. Considere que estava no meio da janela de inverno, então tenho muita sorte e sou grato por contar com ele”.

As células-tronco foram usadas para que o olho direito de Elabdellaoui criasse uma nova pele e oferecesse mais chance de sucesso ao transplante de córnea. Esta foi a última das 11 cirurgias, realizada em setembro de 2021. O momento mais emocionante ocorreu quando, ao deixar o hospital, Elabdellaoui tirou seu tapa-olho: “Foi realmente especial – não sei colocar em palavras. Você pode tentar imaginar, mas não acho que seja possível para qualquer pessoa que nunca viveu isso. Eu estava tirando o tapa-olho e tinha um pouco de visão. Fechava meu olho esquerdo e podia realmente ver minha mão pelo lado direito. Podia ver todos os movimentos do lado direito que eu não via. Foi um milagre, como um sonho transformado em realidade. Você nunca pensa que ver é um sonho – você apenas considera isso como algo garantido”.

Outro momento especial foi quando finalmente pôde morar novamente com sua família: “Esse período nos deu mais momentos emocionantes do que tivemos em todas as nossas vivas, então poder voltar para casa e vê-los, eles me verem… foram muitas lágrimas, abraços. Quando seu único objetivo por nove, dez, onze meses é enxergar, quando é a única coisa que você pensa 24 horas por dia, quando conseguimos alcançar, então era apenas felicidade”.

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Omar Elabdellaoui (Trond Tandberg/Getty Images)

O retorno de Elabdellaoui ao Galatasaray em janeiro gerou grande comoção entre os companheiros. Por conta de seus treinos físicos em Cincinnati, o lateral não teve problemas para se reintegrar. Depende, ainda assim, de alguns cuidados. O jogador tem que pingar colírios a cada meia hora (exceto quando está atuando), usa lentes de contato e também se protege com óculos especiais. Além dos coletivos com o clube, ficou apto a disputar jogos. Sua reestreia aconteceu num amistoso, há duas semanas. Segundo o norueguês, ele se sentia como em sua primeira partida como profissional.

A reaparição de Elabdellaoui no Campeonato Turco atrasou um pouco mais, depois que o jogador testou positivo para covid e ficou em isolamento. Apto para voltar, ele deve ser relacionado para o duelo com o Kayserispor nesse sábado. Independentemente do resultado, será certamente uma das grandes vitórias do final de semana. A fanática torcida na Türk Telekom Arena certamente deixará um clima de acolhimento ainda mais à flor da pele na recepção ao norueguês.

* Fica o agradecimento ao leitor Ruan Marques, que recomendou a pauta. Valeu!

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