Saudações Tricolores.com
·03 de outubro de 2025
O óbvio ululante da Barbárie Digital: Quando foi que paixão virou Punhal?

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·03 de outubro de 2025
Meus caros, — alguns que já me acompanham aqui por quase uma década, e outros tantos de mesas de bares e degraus de arquibancadas, por quase a vida inteira. Minha coluna hoje se debruça sobre um tema com a quase imprudência apoteótica de quem se aventura aos beirais dos precipícios mais altos e perigosos do mundo. Hoje, com a clareza de quem observa o espetáculo da vida – e do futebol – com a lente crua do desespero e da verdade, atrevo-me a entrar no termômetro digital das redes sociais. Sim, um lugar hostil – e cada vez mais hostil – onde a palmatória do mundo está presente nas mãos de todos que se sentem empoderados por seus seguidores.
Mas antes de prosseguir nesse terreno minado, onde um passo em falso pode significar a crucificação instantânea — o cancelamento —, é preciso que se diga algo fundamental sobre esse termo que tanto assombra e é tão distorcido: “seguidores“. Pois seguidor, meus caros, não é sectário. Não é adepto cego de uma religião profana. Não é carneiro que entrega, de bandeja e com laço de fita, o poder supremo a quem quer que seja. E muito menos — anotem isso com sangue e fogo — é carta branca para qualquer barbaridade. Seguir alguém nas redes sociais significa apenas isso: escolher receber aquele conteúdo, acompanhar aquelas ideias, ter acesso àquelas informações. Nada mais, nada menos. Não é abdicação da consciência, não é renúncia ao pensamento crítico, não é pacto fáustico com o diabo das opiniões alheias. Mas na lógica perversa dos tempos modernos, seguir virou sinal de concordância cega, discordar virou heresia, e não empunhar a tocha do linchamento coletivo virou traição.
Isto posto, sigamos ao âmago da coluna, que pretende ocupar-se do empunhamento de punhais, tão logo o último trilar dos apitos é ouvido nos estádios.
O absurdo, meus queridos, não reside na crítica. Ah, não! Criticar faz parte! Contratações, desempenho pífio ou até mesmo a cor do gramado faz parte da tragicomédia que é amar um time. O verdadeiro miasma, o fedor que emana dos esgotos da nossa paixão, é a proporção dantesca e desmedida que essas críticas vêm assumindo. Um ódio visceral, um veneno que se derrama e que, anoto aqui, é de uma periculosidade abissal.
Um empate, uma derrota — vexatória, simples ou não —, uma atuação que nos faz arrancar os cabelos e praguejar contra os deuses do futebol – antes parte natural, fisiológica, da nossa existência de torcedor – agora se transmutaram. Tornaram-se munição para ataques de todas as espécies. Sejam pessoais, sejam para a execração pública de jogadores, de membros da comissão técnica, de diretores; os ataques já fazem parte e são naturalizados por muitos — que vivem no meio e aprenderam que o “negócio é assim”. E, pasmem, existem ataques pesados até contra torcedores que ousam pensar diferente daquela manada ou enxame! Sim, a praga é contagiosa. Há quem insinue, com a vilania da péssima fé, que há algo por trás das escolhas dos treinadores, que aquela contratação só joga por aquele motivo escuso. Além de suspeitas infundadas, as ilações provocam a revolta da torcida e insuflam a turba a acreditar que um demônio qualquer assombra o vestiário, que há um Judas em cada esquina. É a fofoca elevada à categoria de verdade absoluta, o boato como dogma.
Ah, a santa ingenuidade! O time, em seus delírios coletivos, é obrigado a ser infalível. Qualquer erro, qualquer escorregão na grama molhada, qualquer passe equivocado, vira pretexto para a guerra. Por enquanto, virtual, é verdade, mas com a virulência de um punhal, com a covardia do anonimato. É a caça às bruxas digital, onde a fogueira é alimentada por cliques e compartilhamentos.
O problema, caros amigos, não é mais o debate, a divergência de ideias – essa, a bem da verdade, jaz morta, enterrada sob pilhas de ignorância. O problema é o formato. É o tom. É a canalização de uma fúria cega, de uma bile negra que se joga sobre tudo e todos. Quando um energúmeno qualquer, desprovido de qualquer formação ou embasamento, se arvora em autoridade máxima na internet para trucidar alguém por causa de um jogo de futebol, ele não está, vejam bem, “fazendo crítica construtiva”. Ele está, com a malícia dos hipócritas, semeando raiva, rancor e intolerância. Esse tipo de discurso, abertamente aplaudido por uma fatia – não pequena – da torcida, serve apenas para inflar o risco. O risco da violência real.
Não se trata, meus amigos de fé, de “blindar” o clube ou de interditar a crítica. Longe disso! A crítica é o sal do futebol, a pimenta da paixão! Mas ela precisa ser feita com responsabilidade, sobretudo por aqueles que empunham um microfone, ou que possuem uma audiência, por menor que seja. O que testemunhamos é um acúmulo de ataques virulentos, de insinuações sórdidas, que desenham um quadro pavoroso de hostilidade.
Anotem o que lhes digo, com a voz embargada de profeta de araque que sou: isso, cedo ou tarde, vai desaguar em uma tragédia. E, com a amargura dos desiludidos, afirmo que só quando algo grave, algo irremediável acontecer, é que alguns poucos perceberão o tamanho do erro. Já estamos na “era” das invasões ao CT, da enxurrada de ataques torpes às redes sociais de tantos – incluindo a família, com crianças inocentes sendo ameaçadas em seu mais sagrado refúgio.
A minha visão é a do cínico que vê o fim: não se trata de calar a voz da torcida, mas de implorar que se entenda que a forma de criticar pode ser a diferença entre manter viva a chama santa da paixão pelo futebol ou transformá-la em uma explosão de violência real, com sangue e lágrimas.
E cá para nós, no confessionário secreto da minha alma tricolor: muitos, eu ouso dizer, ainda utilizam o altar profano das redes sociais para despejar, com a torpeza dos covardes, suas próprias e inconfessáveis frustrações pessoais sobre o resultado de 90 minutos de bola rolando. Que a bola role, sempre, mas que a barbárie seja banida. E prontamente, enquanto é ainda virtual. Pois, caso não o façamos, testemunharemos lágrimas e luto, lenços umedecidos pelas dores dos parentes daqueles que se foram, vitimados por trabalhar, aos olhos dos maníacos, de forma equivocada.
Bom final de semana a todos,
Washington de Assis