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·03 de novembro de 2025

Por que a Coreia do Norte é potência no futebol feminino de base? A história por trás do sucesso sem paralelo

Imagem do artigo:Por que a Coreia do Norte é potência no futebol feminino de base? A história por trás do sucesso sem paralelo

Era final de setembro de 2024. As ruas de Pyongyang estavam lotadas com centenas de pessoas com as bandeiras norte-coreanas, flores e reverências. Um grupo de jovens mulheres acenava para a multidão em um caminhão adornado com flores. Era o time sub-20 da Coreia do Norte que acabara de ser campeão mundial. Nesta semana, serão outras as jovens norte-coreanas, ainda mais jovens, que enfrentarão o Brasil nas semifinais do Mundial sub-17. Favoritas. Pela impensável história de sucesso sem paralelo do futebol feminino no país. 

O time de 2024, que ainda na capital foi recebido pelo líder supremo Kim Jong Un, conquistou o terceiro mundial sub-20 da história do país. A Coreia do Norte é, ainda, a maior campeã do mundial sub-17, também com três conquistas. Se eliminar o Brasil, fica a uma vitória do inédito tetracampeonato. 


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O laboratório de talentos

Tudo começou no final da década de 1980. A seleção feminina da Coreia do Norte jogou sua primeira competição oficial: a Copa Asiática de 1989. Foi eliminada na primeira fase, após perder para China e Taiwan (e apesar da vitória sobre a Tailândia). 

Kim Jong il, pai de Kim Jong Un e líder supremo à época, deixou claro que desenvolver o futebol feminino seria uma das missões do regime. 

"Devemos desenvolver o futebol feminino. Recentemente, as habilidades das mulheres de nossa seleção melhoraram de alguma forma. Elas podem ser capazes de ganhar torneios internacionais em um futuro próximo se continuarem trabalhando duro", projetou, em declarações reproduzidas no Bukan Cheyuk Jaryojip, um livro que conta a história do esporte norte-coreano. 

Em uma sociedade patriarcal, o futebol feminino não foi desenvolvido necessariamente como uma ferramenta de igualdade de gênero. Foi, na verdade, um mecanismo propagandista do regime local. 

Vale lembrar que o futebol feminino como fenômeno global também estava engatinhando. A primeira Copa do Mundo da Fifa aconteceu apenas em 1991. Se era impossível competir em outros esportes e mesmo no futebol masculino, o feminino se apresentou como a oportunidade de o Partido dos Trabalhadores usar o esporte como propaganda política do regime comunista. 

Kim Jong il não viveu para ver a inauguração da Pyongyan International Football School, em 2013. Mas ainda no seu regime foi criada a Taesong District Juvenile Sports School, que já era base forte para o desenvolvimento de jogadoras de futebol (além de outras modalidades). 

O sistema de formação de atletas na Coreia do Norte, como tudo no país, é controlado com mão firme do estado. Há uma rede de captação de talentos que seleciona desde muito cedo, em escolas regionais, os atletas mais destacados para os desenvolver em Pyongyan. 

A Pyongyan International Football School recebe atletas entre 7 e 16 anos de idade. A formação lá dentro combina ensino regular e treinamento esportivo intensivo (6 dias por semana), sempre apresentando a disciplina e a ciência como base. 

As "regalias" do regime

O alemão Thomas Gerstner foi o primeiro técnico estrangeiro do futebol norte-coreano. Em 2017, assumiu a seleção sub-20 e levou o país para o Mundial do ano seguinte. Gerstner elucidou, anos depois, sobre o dia a dia das atletas no país. 

"Todos os jogadores, de várias seleções, ficam no Centro Nacional de Treinamentos 24 horas por dia, sete dias por semana, e não jogam por clubes depois de serem selecionados. Eles treinam seis dias por semana. E não tem pagamento", contou para a ABC da Austrália. 

"Eles ficam em alojamentos no Centro Nacional de Treinamentos, recebem alimentação, e simplesmente se orgulham por representar o país", completou. 

A ida para a capital, porém, pode significar uma mudança de vida considerável dentro do contexto norte-coreano. Voltando a falar dentro da realidade do futebol feminino, muitas atletas têm a oportunidade de deixar a vida dura no interior do país e conseguir "regalias" em Pyongyan. Os sucessos esportivos poderiam render prêmios como carros ou até mesmo apartamento, e a chance de levar os pais para a capital. 

Isso sem contar no status social e na sensação de dever cumprido. É sempre bom lembrar que desde cedo os norte-coreanos são doutrinados a reconhecer a soberania do regime e do líder supremo. O nacionalismo tem um papel crucial no contexto social por lá.

O estádio Primeiro de Maio, que sustenta uma capacidade para 150 mil pessoas oficialmente (mas fontes dizem que a capacidade é bem menor depois das últimas reformas), recebe os jogos principais e Gerstner explicou como é possível encher uma casa tão grande. 

"Durante os jogos internacionais, pessoas das universidades e do exército são ordenadas a irem aos jogos. Isso significa que um dos maiores estádios do mundo recebe cerca de 50% de soldados uniformizados e 50% de estudantes", contou. 

Os segredos do sucesso (principalmente na base...)

Com o contexto sócio-cultural claro, podemos avançar com as conclusões acerca das causas e consequências do sucesso norte-coreano no futebol feminino. Ao menos no futebol de base... 

Com o apoio da máquina do estado, o futebol feminino norte-coreano consegue filtrar as melhores jogadoras e desenvolvê-las dentro de um ambiente bem estruturado e pautado na disciplina. Apesar de muitas das vezes jogarem em equipes mistas (normal até os 15 anos), as meninas vivem e respiram o futebol. 

Com disciplina tática e uma preparação física exigente, chegam na seleção com uma base sólida. Convivendo diariamente no mesmo ambiente, constroem uma força coletiva que é um diferencial das equipes. Como aprendem desde cedo com o comunismo, o coletivo está sempre na frente do individual. 

O uso do esporte como uma propaganda do regime também contribui para a força da Coreia do Norte na base. Não apenas pela estrutura montada, mas pela mentalidade criada. O objetivo principal não é a formação de grandes atletas individualmente, mas de equipes que possam ser campeãs e, então, exaltar o regime, elevando o nome do país pelo mundo. 

Quando falamos da seleção feminina principal, a Coreia do Norte ainda está longe das potências mundiais. Não há como, financeiramente, competir com Inglaterra, Estados Unidos, Espanha, Alemanha e França. Ainda assim, o país está em décimo no ranking da Fifa. Se comparado com o 120º lugar do time masculino, a seleção feminina principal também é um sucesso. Quem sabe, também um dia será recebida por uma multidão em Pyongyan... 

Vantagem sobre o Brasil (só na base)

A seleção norte-coreana chegou na decisão do Mundial sub-17 com goleadas sobre Marrocos (6 a 1) e Japão (5 a 1) no mata-mata. Wo Sim Kim e Jong Hyang Yu são as artilheiras da equipe e do atual Mundial, com seis gols cada.

Será o primeiro duelo na história no sub-17 entre Brasil e Coreia do Norte. Os dois países já se enfrentaram seis vezes no Mundial sub-20, e com ampla vantagem norte-coreana, com cinco vitórias, contra apenas uma do Brasil (em 2008).

O Brasil venceu a Coreia do Norte nas Olimpíadas de 2008 e com a seleção principal em torneio em Yongchuan em 2017. Vale lembrar que, no masculino, a seleção brasileira venceu a norte-coreana por 2 a 1 na Copa de 2010. 

Na próxima quarta-feira (05), no estádio Olímpico de Rabat, Brasil e Coreia do Norte decidem vaga na final do Mundial sub-17, uma final que seria inédita para as brasileiras, e a chance de manter a dinastia norte-coreana. 

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