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·22 de agosto de 2025

Processo de ex-jogadora revela bastidores do impasse sobre premiações atrasadas pelo Corinthians

Imagem do artigo:Processo de ex-jogadora revela bastidores do impasse sobre premiações atrasadas pelo Corinthians
  1. Por Daniel Keppler / Redação da Central do Timão

Nos últimos meses, o futebol feminino do Corinthians vem prolongando uma séria pendência com as atletas que fizeram parte do elenco de 2024 da modalidade, vencendo Supercopa do Brasil, Campeonato Brasileiro e Copa Libertadores e ficando com o vice do Campeonato Paulista. Isso pois, embora o clube tenha recebido as premiações em dinheiro por essas campanhas, o repasse às jogadoras não foi feito conforme combinado.

A Central do Timão vem acompanhando o impasse durante os últimos meses, mas as informações sobre as conversas entre clube e jogadoras eram escassas. No entanto, em apuração conjunta com o Portal Corinthians Futebol Feminino e o movimento Fiel Fazendinha, a redação obteve acesso a um processo movido no último dia 8 pela volante Ju Ferreira, atualmente no Flamengo, onde a mesma cobra as premiações atrasadas do clube e expõe diversos detalhes do caso.


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Foto: Rodrigo Gazzanel/Ag. Corinthians

O que diz a ação

A petição inicial do caso tem 33 páginas, sem contar os anexos. Ju Ferreira acionou o Corinthians no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, alegando supostas violações trabalhistas durante e após seu vínculo com o clube entre 2023 e 2024. Ela afirma, por exemplo, que foi vítima de fraude trabalhista devido ao fato de 40% de seus vencimentos serem pagos como direito de imagem, afirmando que seria um artifício usado para reduzir encargos trabalhistas e previdenciários.

As premiações atrasadas também são parte importante da ação. A jogadora afirma que o Corinthians não quitou integralmente as premiações devidas pelo título da Libertadores de 2024 (R$ 174.282,64), parcelada em seis vezes mas não totalmente paga, e pelo vice do Paulista de 2024 (R$ 11.972,73). Deste total de R$ 186.255,37 ainda restariam pagar R$ 85.399,57 segundo os cálculos da defesa.

Ela também denuncia uma suposta prática irregular do Corinthians na emissão dos Termos de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT). Segundo a ação, o clube emitiu três TRCTs distintos com a mesma data, mas com valores diferentes referentes às premiações. Esta prática teria causado prejuízos financeiros à jogadora estimados em R$ 27.610,19 devido a descontos indevidos aplicados a cada nova emissão do documento.

Além disso, a ação também inclui a exigência do pagamento de R$ 125 mil a títulos de danos morais, e a aplicação de multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT. O valor total das demandas de Ju Ferreira no processo é de R$ 253.009,76. Por fim, foi pedido o uso da assistência judiciária gratuita por hipossuficiência econômica e que o processo tramitasse em segredo de Justiça, alegando o risco de sofrer “possíveis retaliações”. Um caso recente de Rony, vaiado pela torcida do Atlético-MG após processar o clube, foi citado.

O pedido de segredo de Justiça, porém, foi negado. Segundo a juíza Mara Carvalho dos Santos Baleeiro, “a matéria tratada não diz respeito à intimidade, vida privada, honra ou imagem, e sim à relação de trabalho. Dessa forma, ausente qualquer hipótese legal que justifique a tramitação em segredo de justiça, prevalece o interesse público e o princípio da publicidade.”

Cobranças iniciaram em novembro

Junto com a petição inicial, também foram apresentados seis arquivos com prints diversos, sendo cinco deles relativos a um grupo chamado “Corinthians 2024”, composto por jogadoras do elenco do time naquela temporada e pela diretora do departamento Iris Sesso. As primeiras mensagens printadas datam de 21 de novembro de 2024, quando a diretora é cobrada por algumas atletas a respeito do “bicho”, ou seja, as premiações ainda pendentes de pagamento.

Iris argumenta que possíveis “bloqueios” possam ter causado o atraso, mas não afirma categoricamente e o grupo permanece sem interações até o início de dezembro, quando as interações voltam após surgirem notícias de que o Corinthians teria outras dívidas com as jogadoras, no âmbito da apresentação do plano de pagamentos do clube no Regime Centralizado de Execuções (RCE) à Justiça. A diretora reagiu à notícia com ceticismo:

“Salários não estão atrasados! Não entendo que pendências são essas… Nenhuma dessas atletas nunca sequer tocaram nesse assunto nem com a Cris e nem comigo! Se houvesse mesmo essa dívida, com certeza vcs estariam cobrando!! Se tiverem algo a pontuar estarei a disposição. Vou a fundo nisso!”

A diretora foi apoiada pelas jogadoras, que pedem foco “no que é real”, ou seja, as premiações. Em 4 de dezembro, Iris encaminhou às atletas print de um e-mail da FPF iniciando os trâmites para o repasse ao clube dos valores da Conmebol pelo título continental das Brabas. Receberam a mensagem Augusto Melo (ex-presidente), Vinicius Cascone (ex-diretor jurídico), Pedro Silveira (ex-diretor financeiro), Luiz Ricardo Alves, o “Seedorf” (ex-gerente financeiro), Sandro Marques (ex-gerente de contabilidade) e João Henrique Martins (cargo ainda não identificado).

Nos dias seguintes, permanecia o impasse. As atletas pressionavam Iria por resposta, e esta insistia que fazia cobranças diárias ao financeiro corinthiano, sem no entanto conseguir um retorno objetivo sobre o motivo do ataso. No dia 16 de dezembro, ela escreveu: “Meninas, ainda sem atualização sobre a premiação. Algumas de vcs estão me enviando msg dizendo que podem ir até o Financeiro etc etc, mas não resolverá. Eu estou a frente disso e meu empenho é total para resolver.”

Dois dias depois, a diretora retornou ao grupo, afirmando que segundo o Corinthians o pagamento seria feito apenas em janeiro, por motivos de “fluxo de caixa”. A reação das atletas foi de estranhamento e indignação, com várias jogadoras protestando contra a atitude do clube. Confira alguns comentários:

“Ano passado não podiam realizar o pagamento no outro ano, oq mudou?”

“Precisamos de DATAS, Janeiro quando!? Isso já esta nos prejudicando!”

“Ano passado isso não aconteceu”

“Usaram o dinheiro e agora vai ter que esperar entrar de patrocinador pra conseguir pagar? Pq não está fazendo sentido, sempre foi pago no mesmo ano”

“Não teremos garantia nenhuma desse dinheiro entrar em janeiro”

No entanto, a mensagem mais enfática veio de uma das líderes do elenco, que citou o ex-presidente Augusto Melo ao lamentar a condução do caso pelo clube. “Estamos certas de cobrar o que é nosso como combinado. O presidente foi até o Paraguai e nos cobrou de vencer também. Então nada mais justo de alguém vir nos explicar claramente o que aconteceu de fato”, disse.

Primeiro prazo descumprido

A indefinição permaneceu no final de dezembro de 2024 e início de janeiro de 2025. Iris seguiu afirmando que estava cobrando o clube, mas não conseguia nenhum retorno concreto sobre a data do pagamento. No dia 8, a diretora detalhou no grupo o desfecho de uma reunião com Marcelo Mariano (ex-diretor administrativo), que possuía forte influência na diretoria de Augusto Melo:

“Oi meninas! Hoje houve reunião com o Marcelinho e as atletas. O que está prejudicando e muito é a questão dos bloqueios que estão ocorrendo. Ele não consegue pontuar uma data específica, mas está empenhado e prometeu que assim que houver desbloqueio o pagamento será efetuado.”

Nas semanas seguintes, porém, a situação não avançou e a irritação das atletas se agravou, motivando nova reunião de Iris, desta vez com Pedro Silveira, ocorrida no dia 22. Nela, o ex-diretor sustentou que o clube tinha dificuldades para honrar o acordo e acenou pela primeira vez com um possível parcelamento da dívida com as atletas, em seis vezes com início no dia 10 de fevereiro. A ideia foi rechaçada pelas jogadoras:

“É melhor esperar o desbloqueio e pagar tudo de uma vez!”

“Não concordo! Combinado nunca foi esse, e nunca chegamos a essa situação.”

“Que garantia a gente tem que vamos receber certo as parcelas? Não estou de acordo”

“O clube poderia passar a crise que fosse, mas sempre pagou salário e premiações ‘em dia’. Pq agora tem que ser diferente?”

“Duvido que pro masculino colocam essa opção de parcelamento”

“Primeiro que o dinheiro que foi da conquista da libertadores não deveria nem ter sido utilizado pra outra coisa, já que eles priorizam tanto o feminino. Injusto essa situação, sendo que o feminino sempre deu os resultados esperados.”

“E ainda assim em 6x, capaz de ficar atrasando as parcelas igual atrasa do direito de imagem. Já tem tempo que tá atrasado isso e agora querem parcelar.. e sem garantia. Dá não.”

“Não concordo também! Isso nunca aconteceu no Corinthians, que loucura. Falta de respeito com o futebol feminino, estão fazendo pouco caso, e olha que é a modalidade que conquista tudo! É triste demais tudo isso!”

Com a reação das jogadoras, Iris se comprometeu a encaminhar a recusa à direção. No mesmo dia 22, o Corinthians derrubou o bloqueio nas contas, acertando os direitos de imagem atrasados com as jogadoras, que celebraram no grupo e alimentaram a expectativa de que, então, as premiações seriam pagas em seguida.

No entanto, janeiro terminou sem mais novidades, e as jogadoras voltaram a pressionar Iris para obter uma data para o pagamento, colocando em dúvida o real interesse da diretoria em fazer o acerto.

Parcelamento forçado, pagamento desigual

Pouco depois, porém, em 4 de fevereiro, uma nova reunião foi feita entre a diretora, algumas atletas do elenco, a executiva de futebol Grazi, o técnico Lucas Piccinato e Seedorf, onde o Corinthians argumentou que não poderia honrar com os pagamentos à vista, impondo o parcelamento proposto dias antes. Vale lembrar que a Central do Timão noticiou os detalhes desta reunião com exclusividade na época.

Foram encaminhadas, em seguida, planilhas revelando os valores das premiações: o clube recebeu R$ 10.641.059,82 pelo título da Libertadores e R$ 658.500,00 pelo vice do Paulista, comprometendo-se a repassar ao elenco 80% do primeiro e 100% do segundo, ou seja, um total de R$ 9.171.347,86.

Em termos individuais, foi reservado a cada jogadora R$ 11.972,73 pelo estadual e R$ 174.282,64 pelo continental, sendo que para as atletas das categorias de base o prêmio pela Libertadores seria menor, de R$ 49.093,70. A primeira parcela do acordo, prometida pelo Corinthians, variava entre R$ 11.972,73 e R$ 39.437,12.

No dia 10 de fevereiro, porém, apenas as atletas que permaneceram no clube receberam conforme negociado. As que deixaram o Parque São Jorge, então, passaram a protestar pelo tratamento desigual e questionando os argumentos de Iris, de que os depósitos às atletas com contrato PJ ou desvinculadas precisava ser reprocessado. Os pedidos de “paciência” também foram mal recebidos.

Com o pagamento no dia seguinte, outro impasse ocorreu, pois os depósitos do Corinthians às ex-jogadoras foi feito com desconto, com o clube justificando que o motivo seriam, justamente, as rescisões. O argumento foi rebatido pelas jogadoras, afirmando que as premiações eram relativas a 2024 e portanto não deveriam sofrer descontos (que variaram entre R$ 500 e R$ 1000 dependendo da atleta).

Mais atrasos nos pagamentos

Em março, o Corinthians voltou a atrasar o pagamento. No dia 10, Iris avisou às jogadoras que a parcela do acordo estava no fluxo de caixa – no entanto, após mais atrasos, apenas dez dias depois a planilha foi enviada, informando que a segunda parcela seria de R$ 30.709,34 por jogadora. Os depósitos foram feitos dia 21 ao grupo que ainda está no clube e quatro dias depois às que deixaram o Parque São Jorge, o que gerou mais críticas.

No entanto, a situação atingiu um ponto crítico em abril após nenhuma planilha ou posicionamento ser encaminhado no grupo. Uma ex-jogadora, então, escreveu no dia 23: “Oi Íris, tudo bem? Você tem algum parecer sobre o pagamento? Nós só queríamos um pouco de respeito e clareza com as coisas, nao estamos pedindo muito rs. As coisas nunca funcionaram assim, sempre houve muita transparência, por gentileza, nos dê uma resposta! Obrigada!”

A diretora respondeu. “Oi meninas! Jamais faltei com respeito. Estou diariamente cobrando eles (a Grazi e a Lari estão acompanhando e sabem o quanto estou sofrendo e desgastada com essa situação). Não me deram uma data, estou sem retorno e continuo insistindo. Agora mesmo vou cobrar novamente e espero ter um retorno”, explicou. Porém, nos dias seguintes, não houve avanço, e abril terminou sem pagamento.

O estopim da insatisfação foi atingido em maio, com a proximidade do vencimento da quarta parcela sem que sequer a terceira tivesse sido paga pelo Corinthians. Sem conseguir repassar informações objetivas às atletas, Iris mantinha o discurso a respeito das dificuldades de fluxo de caixa, pois era a resposta que recebia. No entanto, a paciência das atletas havia acabado. Confira:

“A gente não tem nada a ver com isso, essa situação já era para ser resolvida em dezembro. E mesmo assim aceitamos o parcelamento, e temos que ser ainda mais pacientes? Temos cara de palhaça só pode.”

“Hoje é dia 7 de Maio e não recebemos a parcela de Abril e a parcela de Maio vence em 3 dias! Qual é o problema do Corinthians em não cumprir com o combinado? Temos que vir nesse grupo TODOS OS DIAS perguntar sobre o que é de direito nosso! A gente não aguenta mais tanta falta de respeito e comprometimento, acho que tudo tem um limite e essa situação já passou de todas elas!”

“Já vi que é perca de tempo ficar mandando msg todos os dias, vamos ter que tomar outras medidas para receber esse dinheiro. Pq pelo visto não adianta mais, e pelo visto vocês estão c*gando pro feminino.”

“Desde sempre tudo foi feito como o Corinthians quis, pagar no ano seguinte, parcelamento em 6x e na data que quer, fora que para quem saiu o dinheiro nem o mesmo, cada uma recebe no valor diferente, e ainda assim do jeito que eles querem não mantém o compromisso!”

Pouco depois, a diretora informou às atletas que o Corinthians direcionaria R$ 1,5 milhão para acertar premiações, com previsão de pagamento no dia 20. Iris foi cobrada na data prometida, com a última manifestação nos prints do processo dando conta de que o clube enviaria a planilha de valores individuais a serem pagos e avisando que os depósitos seriam feitos primeiro para as jogadoras ainda no clube. O pagamento ocorreu, mas incluiu apenas uma das duas parcelas atrasadas.

Situação atual

No último dia 2 de julho, a Central do Timão repercutiu apuração do portal Meu Timão de que o Corinthians havia pactuado um novo acordo com as atletas, a fim de quitar as parcelas ainda pendentes de pagamento. Não se sabe, neste momento, se os depósitos foram feitos conforme prometido.

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