Trivela
·20 de abril de 2023
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·20 de abril de 2023
O Betis e o futebol espanhol perderão uma grande referência. Joaquín, que de tão veterano é até desnecessário descrevê-lo assim, anunciou que se aposentará ao fim desta temporada, prestes a igualar Adoni Zubizarreta como o jogador que mais vezes disputou uma partida de La Liga. Aos 41 anos, o ponta direita deixará para trás uma linda carreira em que foi campeão da Copa do Rei, representou a seleção espanhola em Copa do Mundo e foi um exemplo de amor à camisa nas duas passagens pelo clube em que foi formado e do qual se tornou sinônimo.
São raros os jogadores que passam dos 40 anos em atividade, e Joaquín ameaçou pendurar as chuteiras em outras oportunidades. O título da Copa do Rei em abril do ano passado foi uma catarse tão grande que o levou a renovar contrato, embora ele tenha, de maneira altruísta, oferecido a sua aposentadoria para o Betis inscrever novos reforços, em um momento de complicações com o Fair Play Financeiro. Embora nunca tenha perdido a influência nos vestiários, a presença em campo está em declínio. Após 455 minutos em 2021/22, disputou apenas 331 na atual campanha.
Mas é possível imaginar que esse número aumentará pelo menos um pouco porque Joaquín ainda pode fazer história nesta reta final de Campeonato Espanhol. Ele tem 615 partidas de La Liga no currículo, a apenas sete de igualar o recorde de Zubizarreta. O Betis tem nove rodadas pela frente e, se ainda almeja chegar à Champions League, não seria pedir demais que o técnico Manuel Pellegrini reservasse uma substituições nos últimos minutos para ajudar um dos maiores jogadores da sua história a atingir um feito tão relevante. Provavelmente o maior jogador da sua história.
Joaquín foi formado nas categorias de base do Betis. Estreou em 19 de setembro de 2000, com apenas 19 anos, e não demorou muito para se firmar no time titular. Depois do acesso, em seu terceiro jogo na primeira divisão, marcou um gol contra o Real Madrid e contribuiu para uma ótima campanha em sexto lugar. Ainda muito jovem, chegou à seleção espanhola e foi convocado para a Copa do Mundo de 2002. Foi titular na fatídica partida de quartas de final contra a Coreia do Sul, marcada por erros de arbitragem. Fez inclusive a jogada do gol anulado de Fernando Morientes. E também desperdiçou o pênalti que resultou na eliminação para os donos da casa.
Apesar da decepção, seguiu encantando pelo lado direito do ataque do Betis por mais quatro temporadas e conquistou seu primeiro título com a camisa verde e branca, na Copa do Rei de 2004/05, com uma classificação inédita à Champions League, via La Liga, de brinde. Naturalmente, chamou a atenção de outros clubes. Em 2006, o Valencia ainda estava em alta. Pouco tempo atrás, havia chegado duas vezes à final da Champions League e fora bicampeão espanhol. Para pressionar por um fim mais rápido às negociações, o então presidente do Betis, Manuel Ruíz de Lopera, tomou uma decisão… diferente: fez valer uma cláusula no contrato de Joaquín que permitia que o clube o emprestasse para qualquer lugar e o cedeu ao Albacete. Joaquín teve que viajar e tirar uma foto no centro de treinamento da sua “nova casa” para evitar uma multa de € 3 milhões.
Nesta quarta-feira, o Albacete brincou com a história e publicou um vídeo fingindo uma ligação por telefone do diretor de futebol daquela época e uma de suas lendas, Antonio López Alfaro, negociando por Joaquín. O Betis entrou na zoeira e fez um tuíte anunciando que ele será emprestado ao Albacete até o fim da temporada. “Pode finalmente cumprir seu sonho!”, escreveu.
Enfim, Joaquín foi mesmo para o Valencia, por € 25 milhões, um valor alto na época. Começou um interlúdio de nove anos sem defender o Betis. Cinco deles foram pelos Ches, com mais uma conquista da Copa do Rei. Em 2011, saiu para o Málaga, que vivia um período de megalomania, sob o comando técnico de Pellegrini. Foi, ao lado de Santi Cazorla, um dos destaques do mercado do clube que virou exemplo de donos irresponsáveis que gastam muito dinheiro e elevam os gastos de maneira insustentável. Contribuiu com um quarto e um sexto lugar em La Liga e esteve presente na épica caminhada às quartas de final da Champions League em 2012/13.
Embora em seu auge tenha sido assediado pelo Chelsea de José Mourinho, a única experiência fora da Espanha foram dois anos na Fiorentina. Foi relativamente bem sucedido também, com duas campanhas em quarto lugar na Serie A, uma semifinal de Liga Europa e um vice-campeonato na Copa da Itália. Mas estava na hora de voltar para casa. Foi recontratado em 2015. Não era o melhor momento do Betis, que havia acabado de subir à elite pela segunda vez em cinco anos. Joaquín, 34, provavelmente não imaginava que essa seria uma passagem mais longa do que a primeira.
Teve cinco temporadas jogando regularmente, titular em aproximadamente metade das rodadas de La Liga, e praticamente intocável em 2017/18, quando fez 35 jogos, 29 desde o início. Nessa campanha, o Betis terminou em sexto lugar, o seu melhor resultado desde 2004/05. E teve uma vitória emocionante no Ramón Sánchez Pizjuán contra o Sevilla, por 5 a 3, com duas assistências de Joaquín. No começo da época seguinte, saiu do banco de reservas para fazer o gol da primeira vitória do Betis em casa contra o seu maior rival desde 2006. Com problemas físicos, foi seu primeiro jogo naquele campeonato. “Eu queria estar com meus companheiros nesta partida. Foi a estreia dos sonhos. Marcar em um dérbi e levar os três pontos, com nossa torcida, é o sonho de todo torcedor do Bétis. São três pontos que significam mais e a torcida os merece. Eu deixarei o futebol feliz porque essa torcida me deu tudo”, comemorou.
Pellegrini, seu velho conhecido de Málaga, chegou ao Betis em 2020, e sua presença em campo começou a diminuir. Não por causa do novo chefe necessariamente, mas porque o tempo é implacável. Mas ainda deu tempo para que Joaquín se consagrasse um pouco mais, com o título da Copa do Rei de 2021/22. Ele entrou no fim do tempo regulamentar, disputou a prorrogação e converteu o seu pênalti na disputa decisiva. Tornou-se o primeiro jogador a levantar dois troféus com a camisa do Betis. Mais uma linha em seu vasto currículo, com 521 partidas pelo clube.
Além dos feitos no futebol, Joaquín também ganhou os corações da torcida com seu comprometimento com a comunidade e uma personalidade extrovertida, sem medo de dar risada de si mesmo, abrindo sua vida pessoal aos torcedores nas redes sociais. “Chegou o meu momento, o momento de dizer que esta temporada será a última como jogador do Betis. Agradeço por sempre ter me acompanhado. Viva o Real Betis Balompié, sempre”, disse, em um vídeo publicado nas redes sociais. Em outro, com um poeminha, afirmou que sempre tentou transformar o seu futebol em uma arte e, vendo alguns dos seus principais lances, é difícil discordar que conseguiu.
“A vida é uma constante evolução. O segredo é ter a capacidade de se adaptar às mudanças. Encarar cada dia como um desafio. E colocar, sempre, um pouco de arte em tudo. O caminho está cheio de emoções. Na minha cabeça, não param de ressoar nomes e momentos. Essa mágica noite no fim de abril em que pude realizar um sonho (o segundo título da Copa do Rei). Como o tempo passa rápido! Nada é para sempre, dizem. Mas estão errados. Por acaso não conhecem a arte? É inspiração, emoção, transformação. Durante 23 anos, tentei fazer do meu futebol uma arte e que fosse lembrado de geração por geração. Do clássico ao contemporâneo. Agora, me resta apenas pendurar as chuteiras. Minha arte. Uma janela para a eternidade”.
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