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·03 de julho de 2024

Sofia, a menina que lutou sem parar

Imagem do artigo:Sofia, a menina que lutou sem parar

Estar no Allianz Parque nunca mais será a mesma coisa para José Leonel e Camila. Pisar dentro do estádio do Palmeiras – ou até mesmo nos arredores – traz uma forte lembrança de Sofia, filha única do casal que faleceu no dia 22 de junho, aos 10 anos.

Em outubro de 2023, a garota foi diagnosticada com Glioma intrínseco difuso (DIPG), um tumor raro e agressivo, localizado no cérebro ou no topo da coluna e normalmente encontrado em crianças entre cinco e nove anos. Foram pouco mais de seis meses de luta contra a doença, que ainda é pouco conhecida no mundo e, por isso, não tem um tratamento mais eficaz.


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“Eu estava saindo de Ribeirão Preto para vir a uma reunião em São Paulo e, mais tarde, para o jogo do Palmeiras, contra o Boca Juniors, pela Libertadores. A médica, então, nos ligou informando que havia saído o resultado dos exames. Aí eu acabei abortando a minha viagem. Nesse dia eu estava sozinho. Ela foi diagnosticada com DIPG”, contou Leonel.

“Infelizmente há pouca pesquisa e é muito agressivo. Não tem cura. Logo começamos a procurar médicos e ver qual tratamento seria possível. Nos indicaram o melhor médico do mundo na área. Ele disse que ela teria oito a dez meses. Já era uma vida intensa e ficou ainda mais”, ampliou.

Para ajudar no tratamento, Sofia usou como inspiração o seu maior amor: o Palmeiras. A camisa do clube era como se fosse a segunda pele da menina, que tinha uma coleção de mais de 30 blusas do Alviverde.

“Usamos muito o Palmeiras no tratamento, a música também. Palmeiras é o time da virada. A gente dizia que Sofia era a menina da virada. A gente acreditou até o final em um milagre. Mas o milagre foi outro”

“A Sofia conseguiu transformar muita gente, com a coragem e garra que ela teve. Ela nunca reclamou de nada. Ela lutou pela vida até o último momento”, completou Leonel.

Sofia foi ao Allianz Parque pela primeira vez com apenas quatro anos e não se abalou com o alto barulho feito pela torcida. Pelo contrário. No colo do pai, balançava os braços para ajudar a incentivar os jogadores. Desde pequena, aprendeu que o hino nacional brasileiro era nada mais nada menos que a repetição de duas palavras: “Meu Palmeiras”.

E o jogo era grande. Tratava-se de um clássico contra o Flamengo. E a família foi pé quente. Vitória de 4 a 2 sobre os cariocas. Na época, Leonel e Camila viviam situação financeira delicada, mas o advogado ganhou três ingressos de um amigo. A partir de então, ir aos jogos do Verdão passou a ser obrigação.

“Eu comprei uma bandeira e anotei os gols. Eu costumava fazer isso para ela em jogos importantes. Comprávamos a bandeira na porta do estádio e anotávamos o resultado”, lembrou Leonel.

Com uma melhor condição econômica, Sofia passou a ir em quase todos os jogos com os pais e entrou em campo com os jogadores algumas vezes. A primeira foi quando ainda tinha quatro anos. Na ocasião, ele esteve ao lado de Thiago Martins, zagueiro que atualmente está no New York City, dos Estados Unidos. Ela também teve a oportunidade de dar as mãos para atletas como Fernando Prass, Felipe Melo, Jailson, Weverton e, mais recentemente, Endrick.

A joia alviverde, que foi vendida ao Real Madrid, aliás, foi o último jogador a levar Sofia para o gramado o Allianz Parque. A despedida da garota do estádio palmeirense foi no dia 7 de abril, quando o Palmeiras venceu o Santos por 2 a 0 e se consagrou campeão paulista de 2024.

Leonel quase nem conseguiu assistir ao jogo. Com a saúde já debilitada, Sofia acompanhou a partida escorada nos braços do pai, que a colocou de pé na cadeira K2, no Gol Sul, setor 126. O advogado deixou o estádio com dores no braço, mas qualquer incômodo ficou para trás ao ver o brilho nos olhos de sua filha celebrando aquele que seria o seu último título nas arquibancadas.

“Ela já estava com dificuldade para andar. O tumor começou a afetar tudo, visão, mobilidade…Naquela semana ela recebeu uma atenção muito especial. Ela era muito fã do Endrick e gostava muito do Aníbal Moreno”, relembrou o pai.

“Foi muito especial, muito marcante. A gente sabia que poderia ter sido a última vez. E foi…”

Apesar de nova, Sofia entendia de futebol e costumava assistir programas esportivos para fazer comentários com Leonel, que se impressionava com a noção que ela tinha.

“Às vezes os pais não conseguem passar essa paixão para o filho, mas ela criou um amor ainda maior que o nosso. Era uma paixão incrível pelo Palmeiras”, comentou Camila.

Lutem sem parar

Foram nove meses de tratamento, 27 sessões de radioterapia seguidas, sempre em dia de semana. Ela fazia o tratamento, ia para casa, fazia as tarefas e partia para a escola. Tudo sem reclamar de nada. Assim como canta a torcida palmeirense, ela lutou sem parar. A sua determinação, aliás, era algo que enchia os pais de orgulho.

“Ela sempre foi uma menina que sorria para tudo, muito difícil ver ela reclamando. Ela gostava de ajudar a todos. Era uma coisa incrível. Além de ter muita gente no velório dela, todos falavam como ela era. Ela estava sempre de bem. Não me lembro de vê-la emburrada. Ela disse que queria ajudar outras crianças. Ela dava pulseiras para as meninas no HC”, disse a mãe.

“Ela disse para nós que não queria que ficássemos triste. Ela deixa essa vontade de viver, de ajudar os outros. Foi tão lindo ver os amigos, as professoras, todos que a conheceram, dizendo que ela era um exemplo. A saudade não vai diminuir nunca, só vamos saber conviver, mas foi muita coisa boa. Vivemos apenas momentos bons e muitos deles no Allianz. Ela era determinada”, acrescentou.

Para dar um gás ainda maior para a garota, diversos famosos mandaram vídeos para ela. Sofia recebeu mensagens de estrelas da música, do automobilismo e, claro, do futebol. Ao todo, foram mais de 300 declarações. Entre os nomes, estão o técnico Abel Ferreira, que ainda a presenteou com uma camisa e um livro, Lucas Moura, atacante do São Paulo, e Paulinho, ex-volante do Corinthians.

“Logo alguns amigos ficaram sabendo e passaram para o Abel Ferreira a situação. Ele mandou uma camisa e um livro para ela. Ela amava ler. Logo no jogo seguinte nós viemos e ela entrou com os jogadores. Era uma coisa que ela gostava muito. Ela era apaixonada pelo Allianz”, declarou Leonel.

Além disso, o desempenho do Palmeiras dentro de campo também ajudava muito. Viradas importantes do Verdão, como 4 a 3 contra o Botafogo, pelo Campeonato Brasileiro de 2023, e o 3 a 2 sobre o Independiente Del Valle, pela Libertadores de 2024, viraram inspirações na vida de Sofia.

“O Palmeiras foi muito importante. Quando ela via as vitórias mais difíceis, ela ganhava muita força, especialmente no período de tratamento. A virada contra o Botafogo foi dois dias antes do início do tratamento com a radioterapia”, contou o advogado.

A alma da equipe é o altruísmo

Sofia acabou não resistindo e morreu no dia 22 de junho. O seu legado, no entanto, permanece vivo. Com o intuito de ajudar crianças com a mesma doença, os pais da menina criaram o Instituto Sofia Leonel, que tem justamente o objetivo de incentivar as pesquisas sobre o DIPG.

“O instituto foi uma ideia que tivemos quando começamos a visitar o HC Criança. É uma lição de vida. Quem vê tudo o que acontece lá dentro, a garra dos médicos e enfermeiros, todo mundo que trabalha lá, os casos…é tudo muito forte e tocante. Quando falamos do instituto, a Sofia ficou feliz pois ajudaria outras pessoas. Vamos poder ajudar muita e muita gente. O movimento cresceu muito. O instituto está se formando estatutariamente agora. Ia se chamar Instituto Capivara pelo amor dela pelas capivaras”, detalhou o pai.

“A ideia surgiu pela raridade e da limitação de pesquisas. O foco principal é incentivar pesquisas. Estamos entrando em contato com laboratórios, hospitais, profissionais de fora do país para desenvolver um protocolo no Brasil. Quase não há aqui. O GRAAC está desenvolvendo alguma coisa agora, mas ainda é muito carente. Precisamos de mais suporte. Entendemos qual foi o propósito de tudo isso. Penso que a luta não foi em vão. Os exemplos dessa equipe fantástica vão servir para muitas crianças”, completou.

Todos somos um

Mesmo sem a presença física de Sofia, Leonel e Camila seguirão indo aos jogos do Palmeiras no Allianz Parque. Agora, ir ao estádio representará estar sempre junto da filha e, assim, carregar a sua memória.

A primeira partida do casal após o falecimento foi na última segunda-feira, na vitória de 2 a 0 sobre o Corinthians, pela 13ª rodada do Campeonato Brasileiro. Camila não conteve a emoção e chorou do primeiro ao último minuto do primeiro tempo.

No dia seguinte ao clássico, a dupla voltou ao estádio acompanhada da reportagem da Gazeta Esportiva. Ao subir as escadas das arquibancadas e sentar em uma das cadeiras da casa alviverde, os olhos dos dois se encheram de lágrimas novamente.

“Eu nunca fui de ir ao estádio. Minha família é palmeirense, toda família por parte da mãe é italiana. Aí começamos a namorar e passei a ir com ele no estádio. E comecei a gostar. Não tem como uma pessoa imaginar o que é isso sem ir ao estádio. É muito diferente de assistir na TV”, contou Camila.

“Eu já tinha vindo em alguns jogos sozinho. E teve um jogo em que uma menina de 10 anos sentou justamente na cadeira que a Sofia costumava ficar. Aquele dia já passou um filme na minha cabeça. Até então eu me mantive muito firme, mas quando eu entrei no estádio para o clássico foi bem difícil. A gente tinha uma ligação muito forte. A Sofia transformou corintianos em palmeirenses. Ela era muito apaixonada. A gente dizia que o Allianz era a segunda casa dela. Ela estava aqui com a gente”, acrescentou Leonel.

“Estaremos sempre juntos. Ela era apaixonada por estar no Allianz, então estaremos sempre aqui. Por ela, para honrar toda as memórias boas dela. Com ela e por ela”, finalizou.

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