🏳️‍🌈 'Torcedor LGBTQ+ também paga ingresso e compra camisa' | OneFootball

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Ian Chicharo Gastim·16 de junho de 2021

🏳️‍🌈 'Torcedor LGBTQ+ também paga ingresso e compra camisa'

Imagem do artigo:🏳️‍🌈 'Torcedor LGBTQ+ também paga ingresso e compra camisa'

Se você ainda está se perguntando por que o OneFootball criou uma campanha para celebrar o Mês do Orgulho Gay, talvez João Abel, autor do livro Bicha!: A Homofobia Estrutural no Futebol, possa te ajudar a entender.

Repórter e social media do O Estado de S. Paulo, o jornalista, que também é coautor de O Contra-Ataque: O Futebol É Uma Manifestação Cultural, conversou com o OF sobre homofobia no futebol e ressaltou um ponto que talvez você não tenha pensado sobre: dinheiro.


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Sim, amigo. O boleirão tradicional não é o único torcedor que contribui – inclusive financeiramente – para o seu clube de coração.

Apesar de ser um ambiente ainda muito associado aos homens heterossexuais, a comunidade LGBTQ+ também gosta e consome futebol.

Essa ideia de “vamos falar com os nossos torcedores LGBTs” também tem uma lógica de mercado por trás. É claro, todo o clube quer ter mais torcedores, eles pagam ingresso, compram camisa oficial. Então, está bem, tem uma lógica de mercado por trás, mas está acontecendo [maior atenção de clubes com torcedores LGBTQ+].

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Em sua obra, o jornalista traz uma profunda análise do cenário de homofobia no esporte mais popular do país e expõe a luta de todos que desejam mudar a dura realidade da discriminação no mundo do futebol.

“Segundo um levantamento da CBF, são quase 90 mil de atletas profissionais no Brasil. Eu tenho uma certeza de que, em algum clube do Brasil, provavelmente, algum jogador hoje não se sente confortável para falar sobre a sexualidade dele”, afirma Abel.

Se é uma escolha sua [não falar sobre temas ligados à sexualidade], tudo bem. Mas não falar porque você tem medo de represália é um problema.

Ao OneFootball, Abel destacou o papel das redes sociais, para conectar LGBTQ+s dentro do futebol, e comentou como anda a luta pela inclusão da comunidade no esporte. 👇

Sempre teve LGBT que gosta de futebol, a questão é que eles não se conheciam. Não tinham essa convivência. As redes sociais foram fundamentais para quebrar essa barreira e conectar as pessoas. Mas maioria deles ainda são grupos virtuais, o estádio ainda é um ambiente muito tóxico para essas pessoas.

OF: Como atrair o público LGBTQ+, se os estádios ainda são ambientes tóxicos para eles?

J.A.: O estádio é um ambiente em que, realmente, você não tem muita expressão. E aí cabe aos clubes criarem esse ambiente. No Bahia, por exemplo, se a pessoa levanta uma bandeira LGBT hoje na Fonte Nova, eles sabem que tem uma torcida específica LGBT do Bahia. Então, isso é teoricamente OK.

Se um palmeirense faz isso no Allianz Parque, ele provavelmente vai ser repreendido. Então, cabe aos clubes também criarem um pouco desse ambiente, de mais aceitação.

O estádio é um ambiente em que o torcedor precisa se enquadrar, segundo um estereótipo, e a rede social é o que tem dado vazão essas reclamações.

OF: Você quase não vê nenhum atleta tomando partido da homofobia. Se eles tomassem mais partido, a situação seria diferente?

Eu acho que com certeza. A gente precisa aqui de atletas de grande porte começarem a falar sobre isso. Eu já vi o Griezmann falando sobre homofobia, eu já vi outros jogadores na Europa falando sobre esse assunto, mas aqui no Brasil é quase zero.

Não é uma preocupação para eles assim como agora é o racismo, que começou a ser bastante discutido, mas a homofobia não é uma preocupação e precisa ser.

Por que a pessoa que assiste futebol, especialmente adolescentes, jovens, eles se inspiram nesses caras, nos jogadores de primeira linha dos grandes clubes, então, eles precisam falar sobre isso.

OF: O que os clubes podem fazer para combater, de fato, a homofobia?

Os clubes são feitos de pessoas. Então, o primeiro passo é mudar a estrutura a ponto de levar os LGBTs para dentro da estrutura dos clubes, na diretoria e nos conselhos. Vou me apegar ao caso da Ponte Preta, por exemplo. Pela primeira vez, o clube tem um presidente preto agora e ele tem um uma mentalidade de criar a Ponte Preta em uma democracia racial porque ele vivencia o racismo diariamente.

Então, você precisa dar espaço para essas pessoas, os conselhos deliberativos, eles são todos os formados por homens, em geral, de meia-idade. São pessoas que têm uma determinada renda, então, eles não são inclusivos.

Você precisa que aquelas pessoas estejam lá dentro, que tem essa mentalidade, para criar os mecanismos de mudança e inclusão.

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OF: O Bahia é uma “ilha” nesse sentido no Brasil?

J.A.: Não sei exatamente a partir de que faísca isso surgiu, mas surgiu no Bahia. Eles criaram o que eles chamam de Núcleo de Ações Afirmativas. Então, o Bahia hoje tem um núcleo que é voltado para discutir essas questões, e para discutir tanto de dentro para fora, quanto de fora para dentro. É para discutir intolerância religiosa, racismo, machismo, homofobia.

Eles criaram produtos, camisetas também. Mais uma vez, a lógica da grana está aí. Você vê que o Bahia, por exemplo, quando começou a pandemia, o clube jogou uma partida com a logo do SUS estampada. Essa camisa, eu conheço vários amigos meus que compraram e não são torcedores do Bahia.

Você se apropria dessas causas, dá visibilidade a elas, e as pessoas se identificam. Isso é que muitos clubes ainda não entenderam, então, é interessante ver como surgiu o Bahia.

Mas tem outros clubes que estão fazendo isso também. O Internacional, por exemplo, tem uma dirigente que é trans, e ela faz esse trabalho dentro do clube, em um outro núcleo, que no Inter eles chamam de Diretoria de Inclusão.

Os clubes ainda não tiveram este poder de mudar a estrutura de fato, mas alguns começam a criar algum tipo de discussão, a criar um ambiente que no futuro, quem sabe, a gente possa ver os clubes unidos em prol desta pauta.

OF: As federações estão fazendo algo para combater a homofobia no futebol?

Os clubes estão até um passo à frente das federações. Eu lembro de campanhas no estádio meio bizarras: não seja homofóbico porque seu time pode perder pontos no campeonato. Ou seja, não seja homofóbico porque seu time pode ser punido, não porque é crime, é errado.

E é tudo muito pontual. As federações estão um passo atrás. A própria medida do STJD, de punir clubes por questões relacionadas à homofobia, foi mais uma reação do tribunal após o STF criminalizar a homofobia.

OF: Você enxerga alguma mudança na sociedade que possa ajudar no combate à homofobia no futebol?

J.A.: Eu tenho enxergado até um caminho um pouco menos tradicional nesse sentido de luta. Acho que é uma coisa que, na verdade, nem passa tanto por homofobia, mas mais por uma intersecção entre cultura LGBT e futebol.

E isso tem acontecido de uma maneira um pouco mais forte, no sentido de ver um meme numa rede social, de uma coisa muito de Cultura gay e, de repente, já está misturado com conteúdo de futebol.

Eu tenho entendido que as pessoas estão quebrando essa barreira, no sentido desse estereótipo de que gay não pode gostar de futebol, entende? Eu acho que isto está quebrado um pouco nos últimos anos. Assim, são dois estereótipos que se chocam, não tem jeito.

O estereótipo do boleiro, que é sempre um um homem padrão e cidadão de bem, e o estereótipo do homossexual, que em geral é caracterizado como sendo feminino.

Só que isso é uma caracterização que não necessariamente é correta. Existem diversos tipos de pessoas, não se pode jogar tudo dentro na mesma caixa.

Eu tenho sentido que isso está será se misturando um pouco, e é algo bom para quebrar barreiras. Talvez jogadores possam se sentir mais confortáveis para falar sobre o assunto.


Para marcar o Mês do Orgulho Gay – uma celebração global da comunidade LGBTQ + -, o OneFootball apoia e presta uma homenagem aos membros LGBTQ + no mundo do futebol por meio de uma série de conteúdos dedicados.


Foto de destaque: Jeremy Olson/ZUMA Wire/IMAGO