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Fala Galo

·25 de maio de 2022

Vender, vender, vender… Esse é o nosso ideal?

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*ESTE TEXTO É DE RESPONSABILIDADE DO AUTOR. NÃO REFLETE NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO PORTAL

Por: Max Pereira, colaborador independente


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Fundado no já longínquo 25 de março de 1908 por um grupo de garotos visionários e, muitos deles sem eira e nem beira, o Athletico Mineiro Football Club precisava de um campo para jogar. Quiseram os deuses do futebol que aqueles garotos fossem protegidos e acolhidos pela mítica e extraordinária Dona Alice Neves, costureira e dona de uma pensão na rua Goiás, bem no centro da jovem Belo Horizonte.

E foi ali, bem ao lado do casarão de sua benfeitora e porque não, sua primeira “CEO”, em um lote vago cedido por empréstimo ao clube que ainda engatinhava, capinado pelos próprios garotos que se dividiam entre as funções de dirigentes e de jogadores e com traves feitas de vigas retangulares de madeira cedidas graciosamente por apoiadores, que o Atlético fez a bola rolar pela primeira vez em sua história.

Foi ali, também, que o grande escritor Aníbal Machado, antes de se tornar um dos imortais da literatura brasileira, dividiu-se entre as funções de primeiro presidente e primeiro artilheiro da história do Galo mais famoso e mais querido do mundo. A cidade crescia e a especulação imobiliária, como sempre, fazia das suas. O Clube Atlético Mineiro buscou então uma nova casa. E foi na antiga Avenida Paraopeba, hoje Avenida Augusto de Lima, que o glorioso instalou seus novos domínios. O segundo campo do Atlético situava-se na quadra onde é hoje o Minas Centro, ironicamente localizado em frente onde era o campo do América e hoje se situa o emblemático Mercado Central. E foi exatamente ali, nos antigos domínios do Coelho que o Galo aplicou os icônicos e históricos 9 x 2 no seu maior rival regional.

Forçado por uma divida sufocante, resultante de uma série de gestões temerárias, o Atlético pouco tempo depois se viu obrigado a se desfazer de seu campo e mais uma vez a mudar de casa. Foi assim que o Glorioso subiu as Colinas de Lourdes, na época uma região periférica e pouco habitada, e lá construiu o emblemático Estádio Antônio Carlos que, para muitos, não seria apenas a sua terceira morada, mas os seus domínios para todo o sempre, amém.

Em pouco tempo, porém, o sempre turbulento e incandescente alvinegro se viu dividido entre duas necessidades, na verdade dois problemas que o estrangulavam e até mesmo ameaçavam a sua existência. O primeiro, como continuar abrigando e recebendo em seu acanhado estádio uma torcida que não parava de crescer. E o segundo, um novo, escorchante e incontrolável endividamento, fruto das recorrentes gestões irresponsáveis e inconsequentes, marca registrada e indelével da história alvinegra.

A solução para o primeiro problema, proposta pela administração do então presidente Gregoriano Canedo, seria construir às margens do que seria futuramente o leito da Avenida Antônio Carlos, na época apenas um projeto, em um terreno que pertencia ao clube e ficava localizado em frente onde hoje está instalado o Campus da UFMG, um moderno estádio com capacidade de 60 mil espectadores. Na verdade, o projeto que nunca saiu do papel e que foi assinado pelo mesmo arquiteto que projetou o Pacaembu, então a grande arena paulista daquela época, previa a construção de um complexo que compreendia, dentre outros, campo de treinamento, um clube de lazer para os associados, ginásio poliesportivo, restaurante, etc..

Em crise permanente e recorrentemente mal gerido, o Atlético não só não viu nascer ali a sua nova casa, como também acabou perdendo praticamente o terreno e o que sobrou dele para o clube é hoje uma incógnita. O velho Independência, construído para sediar jogos da Copa do Mundo de 1950 em BH, e depois o Mineirão, inaugurado em 1965, passaram a ser as soluções para o Atlético receber a sua massa torcedora, o que, claro, sempre implicou em despesas muitas vezes pesadas.

A solução para o segundo problema foi se desfazer do emblemático estadinho onde muitos craques desfilaram o seu talento e exibiram a sua alma atleticana. Uma solução política adveio. E a prefeitura de Belo Horizonte desapropriou a quadra sagrada para muitos atleticanos. Descaracterizado, o campo do Atlético deu lugar ao chamado campo de lazer. Enquanto isso, o Galo continuava mal administrado e mal cuidado. E novas e faraônicas dívidas continuam explodindo e balançando os alicerces do clube, agora também enfraquecido patrimonialmente.

Um velho advogado atleticano, daqueles que tinham como ritual do dia a dia, como primeira ação de todas as suas manhãs, ler e debulhar o Minas Gerais, órgão oficial do Estado das Alterosas, foi quem descobriu que a Prefeitura de Belo Horizonte pretendia alienar a quadra mais famosa do Bairro de Lourdes. Mas, será que a Prefeitura teria cumprido a lei e, assim, teria oferecido o tal imóvel primeiro ao seu antigo proprietário, no caso o Atlético, antes de iniciar a licitação noticiada naquela manhã no veículo oficial do Estado que também dava publicidade aos atos do executivo municipal?

E foi assim que o Atlético iniciou uma jornada jurídica para recuperar o terreno onde antigamente se localizou o mais emblemático campo de sua história. E essa caminhada atravessou vários mandatos. O Atlético saiu-se, como não poderia ser diferente, vencedor em todas as instâncias do judiciário. Mas, para receber de volta e de forma definitiva o imóvel ainda faltava cumprir uma última e talvez intransponível etapa.  O principal entrave à intentona alvinegra passou a ser o fato de que deveria devolver para os cofres municipais todo o dinheiro que havia recebido a título de desapropriação, devidamente corrigido. Dinheiro que o clube, como sempre endividado até o pescoço, não tinha.

Foi aí que a Multiplan entrou na vida do Atlético e o Shopping Diamond Mall passou a fazer parte da história do clube e da cidade. Dono das paredes do então mais moderno Shopping da Cidade, o Atlético, por um prazo de 30 anos estipulado em contrato, passaria a receber um aluguel. Inicialmente previsto pra funcionar em apenas dois níveis em razão do zoneamento, o Shopping e o Atlético viram essa regras serem alteradas e o terceiro e quarto níveis se tornaram realidade. Melhor para o clube que viu a sua receita de aluguel aumentar. E, como perguntar não ofende, as regras atuais de zoneamento naquela região permitiram novas ampliações?

Ter um estádio próprio, uma casa que fosse sua, que pudesse ser autossuficiente e superavitária e que ainda acolhesse com conforto e respeito a sua ensandecida, apaixonada e cada vez maior e fiel massa torcedora passou a ser um sonho de todo atleticano e eu sou um desses. Mas, qual o preço deve ser pago para ver esse sonho sair do papel? Vender, vender e vender o que for preciso?

A história do Atlético é repleta de exemplos e de fatos que recomendam prudência, tato e cuidados extremos na condução dos interesses nobres desse clube. E agora no próximo dia 30 de maio os conselheiros do Atlético irão decidir o futuro do que resta do Atlético nesta quadra de tanta história para o clube e de tanta afetividade para os atleticanos. É exatamente isso: o que resta e que certamente dentro de pouco tempo não mais restará e voltará a ser apenas mais uma lembrança. Quiçá não se torne uma vez mais uma maldita e mórbida lembrança.

Nas redes sociais uma troça com o hino do clube se transformou em meme e revela o quanto os atleticanos estão ficando incomodados com os rumos que o clube está tomando nesta temporada. O que parece uma piada ou, para muitos, uma brincadeira de mau gosto, é na verdade um grito de alerta travestido em uma crítica contundente: é verdade que o hino do clube mudou? É verdade que o que era “Vencer, vencer, vencer, este é o nosso ideal“ é agora “VENDER, VENDER, VENDER, ESTE É O NOSSO IDEAL?”.

Nos artigos “OS VENDILHÕES DO TEMPLO ATLETICANO” e “VENDER, VENDER OU VENDER, SOLUÇÃO OU UM TIRO NO PÉ?”, publicados respectivamente no Blog Canto do Galo em 24 de dezembro de 2021, e aqui no Fala Galo em 12 de abril deste ano, exortei aos conselheiros que só votassem, a favor ou contra, se sentirem realmente seguros e apenas depois de examinarem todas as variáveis envolvidas e somente após o clube ter respondido a todas as suas perguntas e eliminado todas as suas dúvidas.

Não custa repetir que as conquistas do Glorioso e a notável performance da receita na temporada passada e, nem tampouco, o início vitorioso de 2022 com a conquista de mais dois títulos, não podem embriagar nenhum torcedor e, muito menos, levar qualquer conselheiro a aprovar qualquer medida da diretoria que, nos termos do estatuto vigente, requer a sua anuência, sem observar tudo o que está envolvido, os riscos existentes, os passos seguintes, as estratégias de negócio decorrentes, a relação custo benefício e as consequências a curto, médio e longo prazos.

Assim, nunca é demais lembrar que “vender ou vender nem sempre é a melhor solução. Pode ser um tremendo tiro no pé. Debater à exaustão e buscar o melhor caminho para o Atlético não é apenas um discurso politicamente correto. É obrigação de qualquer atleticano”.

Tudo o que acontece dentro de campo é consequência direta do que acontece fora das quatro linhas. E você, conselheiro, na hora de votar se lembre de que está em suas mãos garantir que no futuro o atleticano continue cantando alto, firme e orgulhosamente “VENCER, VENCER, VENCER, ESTE É O NOSSO IDEAL”.

“VENDER, VENDER, VENDER, APESAR DE TANTAS TURBULÊNCIAS HISTÓRICAS, SEGURAMENTE NÃO É E NUNCA FOI O NOSSO IDEAL”

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