Calciopédia
·14 de agosto de 2019
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A ideia de que todo grande time tem o seu maestro é um dos clichês futebolísticos que mais encontram respaldo na realidade do esporte. É muito raro lembrar de uma equipe que tenha marcado época e não contasse com um organizador de jogo no meio-campo que chamasse para si a responsabilidade nos momentos mais difíceis. A Inter que conquistou a Tríplice Coroa, em 2009-10, por exemplo, tinha um camisa 10 indiscutível: Wesley Sneijder.
Bem antes de sequer imaginar que seria ídolo num dos grandes clubes da Itália, o meia nasceu em Utrecht, cidade da região central da Holanda. A família Sneijder se unia pelo futebol. Ben, o avô, e Barry, o pai, foram jogadores em clubes semiprofissionais, enquanto Wesley e os irmãos Jeffrey e Rodney seguiram uma carreira mais sólida no esporte. Só que Wes, sem sombra de dúvida, deixou os seus entes queridos muito para trás.
Com menos de sete anos de vida, Sneijder já havia sido selecionado pela escolinha do Ajax, clube em que fez toda a sua formação como futebolista. Em 2002, o meia começou a integrar o elenco dos Godenzonen, estreando pelo time em fevereiro do ano seguinte. Rapidamente, Wesley ganhou espaço e importância na formação de Amsterdã e na seleção. O crescimento meteórico incluiu os primeiros gols como profissional e a primeira convocação para a equipe sub-21 da Oranje, em março. Esta trajetória fulminante ainda contou com a titularidade num jogo de quartas de final da Champions League, contra o Milan, mais três gols e seu debute no selecionado principal da Holanda, em abril.
Ambidestro, muito técnico e capaz de finalizar e trocar passes como poucos, Sneijder se consolidou no Ajax após marcar nove gols em 2003-04, conduzindo os ajacieden – que ainda tinham Zlatan Ibrahimovic e Rafael van der Vaart, por exemplo – ao título da Eredivisie. O camisa 18 participou da Euro 2004 como reserva e ganhou a titularidade da Holanda em 2006, após se recuperar de uma das muitas lesões que o acompanhariam na carreira. Nesse ínterim, continuou exercendo o papel de principal playmaker do seu clube e ganhou uma copa local.
Em 2006, a sua geração – que também contava com Arjen Robben, Robin van Persie e Dirk Kuyt – ganhou espaço de vez na seleção holandesa. Sneijder foi o principal articulador de jogadas da Oranje na Copa do Mundo, disputada na Alemanha, e saiu do torneio prestigiado. Ainda assim, permaneceu no Ajax, clube com o qual conquistaria mais uma Supercopa da Holanda e uma taça nacional.
Em 2006-07, após anotar 22 gols na temporada (18 deles na Eredivisie), Wes foi contratado pelo Real Madrid. A transação, avaliada em 27 milhões de euros, resultou na segunda maior venda de um clube holandês até então. O negócio era superado apenas pela contratação de Ruud van Nistelrooy pelo Manchester United, que custou 30,5 mi.
Na primeira temporada no Santiago Bernabéu, Sneijder mostrou que o investimento tinha razões para ter sido alto. O holandês vestiu a camisa 23, que era de David Beckham, e estreou marcando um gol decisivo no clássico contra o Atlético de Madrid. Em seguida, anotou uma doppietta contra o Villarreal – um dos tentos foi anotado em cobrança de falta, uma de suas especialidades. O baixinho terminou a campanha com nove bolas na rede, título espanhol e convocação para ser o camisa 10 da Holanda na Eurocopa.
Na Euro, Sneijder brilhou intensamente. A Oranje caiu num grupo complicado, ao lado da Romênia e de Itália e França, que disputaram a final da Copa do Mundo anterior – concluída com o título italiano. O craque estreou diante da Squadra Azzurra e participou de todos os gols da vitória por 3 a 0: deu o passe para o primeiro, de Van Nistelrooy, anotou o segundo, em ótimo contragolpe, e iniciou a jogada do último, anotado por Giovanni van Bronckhorst. No 4 a 1 contra a França, contribuiu com mais um passe decisivo e marcou um dos três golaços da noite – Robben e Van Persie fizeram os outros. Wes ainda contribuiu com mais uma assistência na eliminação, diante da Rússia.
A Holanda caiu nas quartas de final, mas Sneijder voltou para Madrid cheio de honrarias. Foi o líder de assistências da Euro, integrou a seleção do torneio e ainda viu o seu gol com belo chute de fora da área, contra a França, ser escolhido como o mais bonito do certame. Após a venda de Robinho para o Manchester City, ganhou a 10 merengue, mas uma lesão que sofreu na pré-temporada condicionou suas atuações em 2008-09. O Real também não atravessou um ano positivo, chegou a trocar de técnico e foi eliminado clamorosamente nas oitavas de final da Liga dos Campeões graças a um placar agregado de 5 a 0 a favor do Liverpool.
O retorno de Florentino Pérez ao comando do Real Madrid, no verão de 2009, abreviou a passagem de Sneijder pela Espanha. O presidente quis reinventar o seu time de galácticos com as chegadas de Kaká e Cristiano Ronaldo, e o holandês, sem espaço, precisou encontrar outro clube. Seu destino foi a Inter, no final da janela de transferências. Wesley era desejado por José Mourinho, que o via como articulador central para o seu time, que jogava inicialmente no 4-3-1-2, visando ganhar amadurecimento para passar a um 4-2-3-1. O baixinho recebeu a camisa 10 e estreou um dia depois de ser contratado.
A partida em que estrearia, sem nem conhecer direito os companheiros, não era banal. O craque, porém, foi um dos melhores em campo no Derby della Madonnina. Cavou a expulsão de Gennaro Gattuso e contribuiu bastante para o chocolate aplicado pelos nerazzurri – 4 a 0, fora o baile. O primeiro gol de Sneijder pelo novo clube também foi decisivo. A Inter tropeçava na Udinese, em casa, até que, aos 93 minutos, o holandês deu uma verdadeira tacada de bilhar, acertando o canto esquerdo de Samir Handanovic, e decretou a vitória por 2 a 1.
O holandês se adaptou rapidamente ao time de Mourinho e rendia em alto nível, sem dar chance às lesões. Tais atuações, sempre com consistência, foram o prelúdio da frutífera passagem de Wes pelo clube da Lombardia. Logo em sua primeira temporada pela Beneamata, Sneijder foi capaz de marcar época. O camisa 10 conduziu a Inter a uma inédita Tríplice Coroa, na qual o maior feito foi a conquista do título europeu, que não ia para o lado azul e negro de Milão desde 1965.
Sneijder atuava como um verdadeiro garçom para Samuel Eto’o e Diego Milito, mas também era o maestro que decidia jogos. Na Serie A, contribuiu com quatro bolas nas redes e oito assistências, com destaque máximo para um duelo complicadíssimo contra o Siena, que ajudou a virar com um lançamento fantástico para Milito e uma doppietta em cobranças de falta.
Wes também deixou uma marca indelével na campanha da Liga dos Campeões. Na competição, o meia marcou três gols fundamentais e assinou seis passes decisivos para colegas – foi o líder do certame neste quesito. Na fase de grupos, ele e Milito conseguiram virar, com gols aos 86 e aos 89, um jogo dificílimo contra o Dynamo Kyiv, na Ucrânia, e evitaram a eliminação nerazzurra. Depois, com o time no mata-mata, o holandês anotou um gol sobre o CSKA Moscou, nas quartas de final; participou com um tento e uma assistência no 3 a 1 na ida das semifinais, contra o Barcelona; e, por fim, contribuiu com um passe vencedor na final, contra o Bayern Munique.
O craque manteve o bom desempenho durante a Copa do Mundo e comandou a Holanda na África do Sul. Sneijder marcou cinco gols, se destacando principalmente pela doppietta nas quartas de final, contra o Brasil. A Oranje foi uma das finalistas, mas acabou derrotada pela Espanha, na prorrogação. Wes foi um dos artilheiros do Mundial e, para muitos, merecia também a Bola de Ouro da competição e a da Fifa.
Apesar do clamor pró-Sneijder, Diego Forlán foi escolhido como o craque da Copa, um posto acima do holandês, e Lionel Messi, Andrés Iniesta e Xavi formaram o trio de gala da premiação organizada pela entidade máxima do futebol. Com isso, Wes agregou ao currículo “apenas” a glória de integrar os times ideais da Uefa, do Mundial e da FIFPro, além de ter sido eleito como o melhor meia europeu de 2010. Muitos acreditam que o holandês foi injustiçado e que deveria ter sido mais reconhecido pelo que mostrou.
No retorno a Milão, Sneijder não teria mais a tutela de Mourinho, que até aquele momento havia conseguido extrair o máximo de suas qualidades. Sob o comando de Rafa Benítez, o camisa 10 conquistou a Supercopa Italiana e, na sequência, amargou o vice da Supercopa da Europa, ante o Atlético de Madrid. Embora começasse a lidar mais frequentemente com lesões musculares, o holandês manteve o seu espaço no time e desempenhava as mesmas funções, embora a Inter não engrenasse.
A demissão do técnico espanhol e a chegada de Leonardo, que ocorreram logo depois do título do Mundial Interclubes, fizeram com que a equipe voltasse a jogar melhor e chegasse a disputar o scudetto, que terminou com o Milan. No fim das contas, Wes concluiu 2010-11 com 11 assistências, sete gols e mais uma taça – o bi da Coppa Italia. A lua de mel com os interistas, porém, se aproximava do fim.
Em 2011-12, Sneijder teve de se readaptar taticamente. Primeiro, sob o comando de Gian Piero Gasperini, atuou mais recuado; depois, com Claudio Ranieri, era escalado quase como segundo atacante, visto que o romano preferia um meio-campo de características mais defensivas. O fato é que as lesões ficaram ainda mais frequentes para o jogador, que se aproximava dos 28 anos.
Wes disputou cerca de 3 mil minutos em cada uma das duas temporadas anteriores, considerando todas as competições, e viu o número cair vertiginosamente em 2011-12. Naquela campanha, atuou pouco mais de 1,9 mil. Quando estava em campo, ainda entregava bom futebol, mas estar 100% fisicamente era cada vez mais raro.
No verão de 2012, depois de disputar mais uma Euro, sua relação com a diretoria da Inter se desgastou de vez. Como a agremiação atravessava crise financeira e Sneijder nem sempre estava disponível, as cartas foram colocadas na mesa: só haveria renovação do vínculo em caso de redução dos rendimentos. O holandês começou 2012-13 como titular, mas uma lesão na coxa no final de setembro o tirou dos campos. Depois, as questões contratuais e alguns problemas disciplinares resultaram em seu afastamento por parte de Andrea Stramaccioni.
No final de janeiro de 2013, a Inter deu adeus ao cérebro do seu meio-campo. Sneijder recebeu sondagens de clubes de ponta, mas decidiu aceitar a proposta do Galatasaray, que lhe ofereceu um gordo salário. Wes vestiu a camisa da Beneamata em 116 oportunidades, nas quais deu 35 assistências e marcou 22 gols: 12 deles ocorreram em finalizações de fora da área; oito em cobranças de falta.
Sneijder se tornou ídolo na Turquia. O craque vestiu a camisa aurirrubra do Gala por quatro temporadas e meia, nas quais recuperou a forma física e conseguiu realizar 175 partidas e 46 gols, que resultaram na conquista de oito títulos – incluindo um bicampeonato da Süper Lig, o principal torneio local. No período, Wes foi treinado por Roberto Mancini, ganhou o status de carrasco do Fenerbahçe e manteve seu espaço na seleção holandesa.
O craque foi, inclusive, titular absoluto do forte time de Louis van Gaal, que impressionou na Copa de 2014 e acabou sendo o terceiro colocado no Brasil. Foi a última grande competição do jogador pela Oranje, visto que o país não se classificou para a Euro e o Mundial seguintes.
Em 2017, Sneijder pagou a própria cláusula rescisória ao Galatasaray, pois teve a chance de atuar pelo Nice, da França. O trequartista holandês, contudo, não correspondeu às expectativas do ambicioso time da Riviera – que promoveu o seu reencontro com Mario Balotelli – e logo mudou de casa novamente. Após apenas oito jogos pelas águias, foi atuar no Al-Gharafa, do Qatar, e lá permaneceu até junho de 2019. Dois meses depois, o meia anunciou sua aposentadoria para assumir um cargo na diretoria do Utrecht.
Quase uma década depois de deixar Milão, Sneijder deixa saudades no torcedor interista. Não só porque o camisa 10 ocupou um espaço extremamente importante numa era de ouro do clube, mas porque, depois de sua saída, nenhum outro jogador dominou o meio-campo como ele.
Wesley Sneijder Nascimento: 9 de junho de 1984, em Utrecht, Holanda Posição: meia-atacante Clubes: Ajax (2002-07), Real Madrid (2007-09), Inter (2009-13), Galatasaray (2013-17), Nice (2017-18) e Al-Gharafa (2018-19) Títulos: Eredivisie (2004), Copa da Holanda (2006 e 2007), Supercopa da Holanda (2006), La Liga (2008), Serie A (2010), Coppa Italia (2010 e 2011), Supercopa Italiana (2010), Liga dos Campeões (2010), Mundial de Clubes da Fifa (2010), Campeonato Turco (2013 e 2015), Copa da Turquia (2014, 2015 e 2016), Supercopa da Turquia (2013, 2015 e 2016) e Qatari Stars Cup (2019) Seleção holandesa: 134 jogos e 31 gols