Da Rue Vasco de Gama ao L’Équipe: Flamengo, PSG e o tempo que demorou 30 anos | OneFootball

Da Rue Vasco de Gama ao L’Équipe: Flamengo, PSG e o tempo que demorou 30 anos | OneFootball

In partnership with

Yahoo sports
Icon: MundoBola

MundoBola

·17 December 2025

Da Rue Vasco de Gama ao L’Équipe: Flamengo, PSG e o tempo que demorou 30 anos

Article image:Da Rue Vasco de Gama ao L’Équipe: Flamengo, PSG e o tempo que demorou 30 anos
Article image:Da Rue Vasco de Gama ao L’Équipe: Flamengo, PSG e o tempo que demorou 30 anos

Hoje o Flamengo joga uma final intercontinental contra o Paris Saint-Germain. Dizer isso em voz alta ainda soa estranho — quase mágico. E talvez por isso esse jogo me atravesse de um jeito diferente.

Porque eu vivi Paris quando o PSG ainda não era esse colosso global. Vivi Paris quando o Flamengo era uma saudade distante, acompanhada com atraso, recorte de jornal e fé.


OneFootball Videos


Morei em Paris há exatamente 30 anos, em 1995 e 1996, com 15 para 16 anos, quando meu pai foi fazer um curso de altos estudos. A França pré-Copa de 1998 era um país em que o futebol ainda ocupava um lugar secundário na preferência popular: o rugby era uma febre. O PSG, então, estava longe de ser esse império financeiro e midiático: era um clube médio, com lampejos, sem projeção europeia, quiçá mundial.

Foi ali que conheci o PSG de “Rái”— craque no hexágono, mas sempre contestado na Seleção — e de Leonardô, nosso cria, vindo do bicampeonato mundial pelo São Paulo. Naquela temporada, o PSG havia ganhado a Recopa europeia contra o Rapid Viena. Fui ao Parc des Princes naquela semifinal – foi a minha primeira experiência num estádio fora do Brasil.

Estava nos ultras com um amigo parisiense quando quase comemorei, por reflexo, um gol de voleio do Bebeto pelo La Coruña, vestido do “maiô” psgista e gritando “Paris, Paris” ao som da Aquarela Brasileira. Me segurei. Mas ali já estava claro: eu podia estar em Paris, mas meu corpo ainda reagia como brasileiro. E como flamenguista.

O mais importante é que eu nunca deixei de acompanhar obsessivamente o Flamengo naquele período — apesar de todas as dificuldades do mundo analógico, pré-internet. Eu sabia dos resultados principalmente pela revista France Football, que, como a Placar, tinha no final um “Tabelão” com resultados de campeonatos do mundo inteiro. Eu ia à banca “xeretar” a revista, sem poder comprá-la, e muitas vezes comemorava ali mesmo, semanas depois do fato consumado.

Delay de segundos? Não, de semanas

Na TV a cabo, havia um programa quase clandestino chamado Samba Football. Com duas ou três semanas de atraso, passavam gols de campeonatos da América do Sul. Não havia muita hierarquia entre o Guatemaltecão e o Brasileirão. Imagens borradas de torneios que pareciam perdidos no tempo. Jogos de 95 e 96 que só fui ver de fato anos depois, já de volta ao Brasil.

Quando eu sabia que o Flamengo estava em finais — e foram três importantes naquele biênio — o ritual ficava mais tenso e intenso. Eu comprava cartões telefônicos, uma revolução na época (no Brasil ainda se usavam fichas nos orelhões). Cada cartão tinha 20 unidades. Cada unidade, um segundo. Me lembro ter telefonado para o Brasil no dia da final do Carioca de 1995.

Foram necessários três cartões para meu avô tricolor criar coragem e dizer que o Fluminense tinha nos vencido bem no finalzinho. Em um minuto, tentou replicar o que foi Guido em “A Vida é Bela” alguns anos depois.

Flamengo x Independiente foi outra tristeza, que soube por um amigo, também por telefone, um Maracanã suporado de gente e mais uma decepção.

A única alegria telefônica daquele período foi o Carioca de 1996. Um tio vascaíno, visivelmente contrariado, me informou do título. Lembro perfeitamente: saí na Place de la République com o Manto Sagrado, cantando horrores, sozinho, adolescente, feliz e sem me importar em absoluto por estar deslocado.

Minha ligação com o jornalismo esportivo se aprofundou ali. Além da France Football, eu devorava L’Équipe sempre que possível — em minha cabeça, uma espécie de Jornal dos Sports carioca, só que colorido, elegante, lindo e grampeado. Quase nunca havia uma linha sobre futebol não europeu, mas eu acompanhava a Ligue 1 religiosamente. Zidane brilhava no Bordeaux. E eu sonhava, ingenuamente, em um dia ver o Flamengo ali.

Recortes de afeto

Havia ainda os recortes. Meu avô e um vizinho ilustre de Laranjeiras — o icônico narrador Doalcei Bueno de Camargo — me mandavam matérias de O Globo e do Jornal dos Sports com as raras glórias rubro-negras daquele período.

Foi com um desses recortes, o pôster de campeão carioca de 1996, que tirei uma foto que infelizmente não tenho mais: eu, com o Manto Sagrado, comendo um bolinho de bacalhau comprado no restaurante português vizinho ao apartamento do meu avô em Paris — ironicamente localizado na Rue Vasco de Gama.

Tudo isso — o futebol distante, o atraso, o papel, o telefone, o jornal — me moldou. Me fez jornalista. Anos depois, eu trabalharia no LANCE!, este um sonho que se tornou realidade. Mas, antes disso, eu já era jornalista sem saber, aprendendo a amar o futebol pelas margens, pelo esforço, pela espera.

Fechando o ciclo

E hoje, 17 de dezembro, o tempo fecha um círculo improvável. O Flamengo está na capa do L’Équipe. Jorginho ao lado de Doué. Filipe ao lado de Luis Enrique. O jornal agora é um tabloide grampeado, colorido, quase um LANCE! francês. Mas o impacto é o mesmo: um sonho antigo realizado. O Flamengo finalmente ocupa aquele espaço que, por décadas, parecia interditado.

Não é só uma final intercontinental. É um acerto de contas com o tempo. Com o menino que atravessava Paris com uma camisa rubro-negra na mochila. Com o adolescente que comemorava título com semanas de atraso numa banca de jornal. Com o torcedor que nunca deixou de acompanhar, mesmo quando tudo conspirava contra. Hoje o Flamengo joga contra o PSG.

Mas, para mim, esse jogo já começou há 30 anos. E, aconteça o que acontecer em campo, há vitórias que o tempo já garantiu. Fé no Mengo!

View publisher imprint