“A gente já teve que bordar nossas camisas pra entrar em quadra”: a trajetória de resistência de Tampa até a primeira Copa do Mundo de Futsal Feminino da FIFA | OneFootball

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·19 November 2025

“A gente já teve que bordar nossas camisas pra entrar em quadra”: a trajetória de resistência de Tampa até a primeira Copa do Mundo de Futsal Feminino da FIFA

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No universo do futsal feminino, poucas trajetórias traduzem tão bem a resistência de uma geração quanto a da jogadora “Tampa”, ala da Seleção Brasileira. Antes de estrear na primeira Copa do Mundo Feminina de Futsal da FIFA, a atleta guarda memórias de quem lutava por espaço. Desafios que mostram que a modalidade evoluiu e que vivia uma realidade dura.

“A maioria desse grupo está aqui há 10 anos. A gente já teve que bordar nossas camisetas pra entrar em quadra. Teve um Mundial, acho que em 2015, que o uniforme chegou atrasado e veio sem número. Então tivemos que pintar com 'canetão' para poder jogar.”


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Esse relato, comum para quem viveu os bastidores do futsal feminino, ajuda a explicar por que a Copa do Mundo tem um peso tão grande para essa geração. Essa lembrança resume o começo de uma geração que entrou para a história porque está no primeiro mundial com chancela FIFA e que agora se prepara para o momento mais esperado de todos.

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Tampa comera gol em amistoso contraa Nova Zelândia em Lajes (SC) em período de preparação para Copa do MundoCréditos: Fomconradi

APELIDO E IDENTIDADE

Tudo começa quando Tampa ainda era conhecida como Lediane. Natural de Constantina, no norte do Rio Grande do Sul, aos 12 anos ela já jogava entre meninas da equipe adulta. Era pequena em em relação às companheiras de time. “Eu era bem menor que as outras. Meu treinador começou a me chamar de Tampinha por causa disso”, relembra.

Quando chegou à Female, de Chapecó, seu novo treinador estranhou o nome “Lediane” e perguntou se ela tinha algum apelido. A resposta veio acompanhada de uma tentativa dos pais de evitar o apelido. “Meus pais disseram que não gostavam de Tampinha. Bastou isso para o apelido pegar. Colocaram ‘Leide’ na minha camisa, mas ninguém me chamava assim. Todo mundo me chamava de Tampa. Hoje muita gente nem sabe que meu nome é Lediane.”

DO FUTSAL ESCOLAR AO PROFISSIONAL

Tampa começou a jogar futsal na escola aos 9 anos. Depois veio a escolinha do professor Rogério e do professor Fabiano, treinos e as competições escolares estaduais. Com 16 anos, o convite para dar início a uma nova fase em sua vida como atleta. “Fizemos amistosos contra uma equipe de Chapecó. O treinador me convidou para ir pra lá. Minha mãe resistiu no início. Eu ia só no fim de semana, treinava e voltava. Quando terminei a escola, falei que queria viver disso. Foi quando fui morar em Chapecó e comecei minha carreira profissional no Female.”

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Tampa durante treino para o Champioship Thailand, torneio preparatório para o mundial nas FilipinasCréditos: Fabio Souza/CBF

No clube catarinense, viveu seus primeiros anos como jogadora profissional. Em 2017, Tampa deixou o Brasil pela primeira vez para jogar no Pescara, na Itália. A mudança foi um marco na carreira. “Foi difícil, mas decidi colocar a cara a tapa. Gostei da Itália desde o início. É claro que senti falta da minha família, da comida, das raízes mas gosto muito de jogar lá.”

Em 2018 teve um breve retorno ao Brasil para jogar pelo Leoas da Serra, voltou à Itália em 2019 para atuar pelo Ternana, retornando novamente ao Leoas no mesmo ano e permanecendo até 2022. Depois disso, defendeu o TikiTaka Planet até 2023, passou duas temporadas no Bitonto e atualmente joga pelo Roma. A estrutura do futsal italiano também influenciou sua formação. “Quando saí do Brasil, a gente não tinha a organização que existe hoje. A liga Brasileira cresceu muito desde que o futsal passou a ser CBF. Na Itália tinha mais apoio. Fui atrás daquilo porque acreditava que seria bom pra mim e foi.”

SONHO VIVIDO EM FAMÍLIA

A ligação com a família aparece como fator decisivo na carreira de Tampa. O pai tinha o sonho de ser jogador de futebol e chegou a ser observado por empresários do Internacional. Ele não pôde seguir a carreira, mas transformou a frustração em incentivo. Além de Tampa, os dois irmãos também são jogadores de futsal. "Meu avô naquela época não deixou porque eles trabalhavam na roça, no interior, então eles precisavam do meu pai em casa pra que ele trabalhasse na terra da família. E desde então meu pai sempre falou que quando ele tivesse um filho, uma filha, ele gostaria que fosse apaixonado pelo esporte da forma que ele foi, e que de alguma forma realizasse o sonho que era dele."

Tampa se emociona ao lembrar dos esforços e da dedicação da família, especialmente do pai. “Eu saí de casa cedo e é difícil ficar longe. Meu pai sempre me apoiou muito. Me levava, buscava, acordava às 5h da manhã pra me acompanhar. Meus irmãos também dividem esse sonho comigo. Eles assistem aos jogos, me dão feedback. Minha família, meus pais, meus irmãos, minha esposa estão vivendo esse sonho junto comigo.”

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As 14 convocadas do treinador Wilson Sabóia para a primeira Copa do Mundo FIFA da história da modalidade Créditos: Fabio Souza/CBF

SELEÇÃO BRASILEIRA: "RENASCIMENTO"

A Seleção Brasileira entrou na vida de Tampa em um momento delicado. Em 2014, ela enfrentava uma fase ruim da carreira e foi o ponto de virada. O técnico da Seleção era Éder Popioski, que acreditou nela quando Tampa já não acreditava. Ela pensava em desistir para terminar a faculdade e trabalhar. “Ele falou que faltava um nome, que precisava das minhas características e que, por mais que eu estivesse numa fase ruim, queria me dar essa oportunidade. Sempre sonhei em estar na seleção. Ali veio a minha primeira convocação e foi como um renascimento. Fiz um gol na final e, naquele momento chorei. Foi um divisor de águas”, lembra emocionada.

Mesmo com convocações recentes, Tampa não considerava sua vaga garantida para a primeira Copa do Mundo de Futsal Feminino. Assistiu ao anúncio ao lado da esposa e de amigas do clube e a novidade foi recebida com lágrimas. “Para elas era certo. Para mim, não. Quando ouvi meu nome, chorei. A gente esperou anos e anos por essa Copa”, conta.

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Tampa e Débora Vanin quando estavam no Female há 17 anos (à esq.) e atualmente na Seleção Brasileira (à dir.)Créditos: Arquivo pessoal

Agora Tampa vive a contagem regressiva para a estreia no dia 23 de novembro, contra o Irã. Ela vive um misto de ansiedade e a consciência de estar fazendo parte de algo histórico. Sobre o grupo, a atleta destaca a sinergia e a entrega. “Tenho certeza que esse grupo vai dar mais que 100%. É um sonho que a gente divide. Se cada uma colocar o que sabe, vai ser muito difícil não conquistar. Temos uma seleção forte, unida, dedicada. Coragem, força e vontade de colocar o nosso nome na história não vão faltar.”

Ao lado de Débora Vanin, amiga desde os 16 anos quando foi para Chapecó, ela vai realizar o sonho que as duas tanto esperavam. “É uma sensação de alegria de estar aqui representando meu país na primeira Copa do Mundo FIFA. O frio na barriga existe. Queremos entrar logo em quadra, cantar o hino, dar o primeiro passe. É algo que esperamos há muito tempo.”

LEGADO PARA PRÓXIMAS GERAÇÕES

Tampa também projeta o impacto que a primeira Copa do Mundo Feminina de Futsal pode gerar para a modalidade no Brasil. Para ela, o torneio tem potencial para transformar a realidade das próximas atletas. Ela reconhece que representa mulheres que lutaram para que o futsal feminino chegasse onde está. “A gente já viveu muita coisa e eu espero que as novas gerações tenham ainda mais do que temos hoje. Que encontrem competições mais organizadas, mais valorização e um calendário com mais torneios, para que possam viver de fato aquilo que nós lutamos tanto para construir.”

Tampa acredita que a visibilidade trazida pela FIFA representa um divisor de águas. “Com essa primeira Copa do Mundo, o futsal tem muito a crescer. Estamos sendo vistas, e isso antes era muito difícil. Eu acho que essa Copa pode fazer o futsal feminino dar um salto.” Mas, além do futuro da modalidade, ela também pensa no presente. E o objetivo é claro. “Queremos entrar para a história como a primeira campeã mundial da FIFA. Temos coragem, força, união e muita vontade de vencer”, conclui.

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