Futebol Latino
·5 dicembre 2025
Pesquisadora pede “reflexão” sobre futebol feminino com Copa do Mundo no Brasil

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·5 dicembre 2025

Em meio a tantas agendas políticas e eventos internacionais que cobrem toda uma agenda de governo, torna-se relevante falar de um megaevento esportivo que está por vir: a Copa do Mundo Feminina da FIFA 2027. O Brasil sediará a décima edição do torneio, com 32 seleções competindo pelo título.
Vale ressaltar que o espetáculo promete muito mais do que partidas emocionantes. Trata-se de um marco histórico, com potencial para transformar o cenário do futebol feminino dentro e fora das quatro linhas. Mas, por trás dos holofotes, há uma agenda complexa que envolve políticas públicas, investimentos, disputas por visibilidade, direitos trabalhistas, representação midiática e o papel das mulheres nas estruturas de poder do esporte.
Pode se dizer que este é um convite a diferentes setores (imprensa, torcedores, organizadores e à sociedade civil) para irmos além da superfície e refletirmos sobre o que está em jogo fora das câmeras: da base à elite, da cobertura jornalística à gestão esportiva, do patrocínio à formação de meninas nos bairros periféricos. Se o futebol feminino chega mais uma vez ao centro do palco, que seja também o momento de ampliar o debate e fortalecer o compromisso com a equidade e a transformação social que ele carrega.
A menos de dois anos do Mundial em solo brasileiro, que terá oito sedes, a cobertura do evento ainda é discreta. Apesar dos avanços organizacionais e do bom momento da Seleção Brasileira feminina, a imprensa nacional tem dado pouca atenção às movimentações que antecedem o torneio. Questões estruturais, sociais e políticas envolvidas na realização da Copa como os preparativos nas cidades-sede, os planos de mobilidade e sustentabilidade, as ações voltadas ao turismo e as discussões sobre igualdade de gênero no esporte têm recebido espaço limitado na agenda midiática. A falta de aprofundamento nessas pautas reforça um cenário em que o torneio é tratado de forma pontual, sem a amplitude de debate que um evento desse porte poderia estimular.

Foto: Divulgação/CBF
Apesar de avanços, como a transmissão dos jogos da Seleção Feminina em TV aberta, a cobertura do torneio ainda é tímida. Essa visibilidade limitada pode dificultar o engajamento do público e reduzir o potencial da Copa como legado social e esportivo. É fundamental que a construção desse legado ocorra antes, durante e depois do evento, de modo a promover transformações duradouras na valorização do esporte feminino. Especialistas apontam que a ausência de narrativas mais consistentes sobre a preparação e o desenvolvimento do torneio evidencia desafios persistentes na consolidação do futebol feminino no país.
Por outro lado, há sinais claros de mudança. Existe um movimento crescente pela valorização do esporte feminino no país. Um canal esportivo recém-criado, por exemplo, tem investido na transmissão de torneios até então praticamente ignorados pela grande mídia brasileira, e os resultados têm sido animadores. As transmissões da atual edição da Libertadores Feminina já chegaram ao quarto lugar de audiência, mostrando que, quando há espaço e visibilidade, o público comparece e engaja. Esse tipo de iniciativa reforça o potencial de crescimento do futebol feminino e demonstra que a comunicação bem-feita pode, sim, mudar o jogo.
A professora Paola Lohmann, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Turismo da UNIGRANRIO e bolsista do edital Mãe Cientista pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ) aponta que ainda falta uma cultura consolidada de acompanhamento do futebol feminino. O que se reflete, por exemplo, em arquibancadas vazias. No entanto, ela destaca o potencial de crescimento e o papel essencial da comunicação na construção desse cenário:
“O mercado pode e deve ser trabalhado para fortalecer o esporte, mas é importante lembrar que a mudança cultural não acontece de forma imediata. É preciso preparar estratégias, tanto públicas quanto privadas, para estimular a torcida e o consumo dessa experiência, que pode ser única. Já existe uma nova geração que nasceu para torcer pelo futebol feminino, e os veículos de comunicação têm um papel fundamental nesse processo, ajudando a consolidar essa cultura. Eu tenho o sonho de ver os estádios cheios, torcendo por elas.”
Durante a COP30, realizada em Belém, foi lançada uma agenda explícita de justiça de gênero e participação feminina incluindo protocolos do Ministério das Mulheres para fortalecer a presença de mulheres e meninas em contextos de emergência e mobilidade social, reforçando que o movimento por equidade não é apenas no esporte, mas atravessa também as grandes instâncias de mobilização social. Ao mesmo tempo, a cidade-sede enfrentou desafios de hospedagem, infraestrutura, segurança e acessibilidade, que expuseram a necessidade de repensar o turismo e o legado com olhos críticos, não apenas como vitrine momentânea, mas como um processo contínuo de transformação.
Há riscos claros de que o Brasil desperdice mais uma oportunidade estratégica. Grandes eventos, como Copas do Mundo e Olimpíadas, são tradicionalmente utilizados para fortalecer a imagem internacional do país, impulsionar o turismo e promover melhorias urbanas. Observa-se, contudo, que frequentemente se repete um modelo caracterizado por altos custos de oportunidade e retornos limitados para as cidades-sede.
A insegurança e a ausência de uma divulgação eficaz e abrangente, por sua vez, reduzem ainda mais as possibilidades de visibilidade, engajamento e desenvolvimento econômico decorrentes desses eventos. É importante destacar, porém, que o impacto dessas iniciativas não depende apenas da comunicação, mas também de um trabalho prévio consistente, que envolva planejamento antecipado, definição de uma agenda estratégica e mobilização de diversos atores locais.

Foto: Secretaria de Comunicação Social/Governo Federal
“O Brasil teve a chance de transformar estruturalmente seu cenário esportivo e urbano ao sediar eventos como o Pan de 2007, a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Esses eventos colocaram o país em contato com padrões internacionais de gestão e planejamento, e muitos profissionais brasileiros se destacaram a ponto de hoje estarem à frente de grandes projetos em nível global. No entanto, apesar de termos desenvolvido um capital humano altamente qualificado, perdemos a oportunidade de consolidar políticas públicas e legados permanentes que poderiam ter transformado não só o esporte, mas também o turismo, a mobilidade e a economia criativa de forma mais ampla”, apontou a pesquisadora, agregando:
“Além disso, temos visto os efeitos muito negativos da má gestão dos recursos públicos, que resultaram na permanência de obras inacabadas, em verdadeiros ‘elefantes brancos’ e em espaços subutilizados. Não queremos que esse cenário se repita. Precisamos aprender com essas experiências e garantir que futuros investimentos sejam acompanhados de planejamento, transparência e sustentabilidade, para que deixem benefícios reais e duradouros para a população.”
Em entrevista concedida ao jornal O Globo em outubro passado, Jill Ellis, diretora de futebol da FIFA e bicampeã mundial pela seleção dos Estados Unidos, destacou que o torneio de 2027 será “a maior Copa do Mundo feminina de todos os tempos” e afirmou que o evento na América do Sul representa “como se o futebol voltasse para casa”. Na mesma entrevista, Ellis ressaltou que a edição sediada no Brasil “deve marcar um novo capítulo na história do futebol feminino”, enfatizando que a FIFA “não está apenas vindo ao país, mas trabalhando junto com ele” para garantir que o evento tenha legado social e esportivo duradouro. A técnica também lembrou o impacto simbólico de grandes jogadoras sul-americanas, mencionando que Marta, em especial, “lhe causava medo em campo — ‘Meu Deus, temos que jogar contra ela’, disse Ellis —, porque representava o talento, a garra e a inspiração que movem gerações”.

Foto: Carl Recine/Getty Images
O evento deve ser pensado, em paralelo, como um instrumento de formação das novas gerações. O futebol pode e deve ser incorporado à educação como ferramenta de inclusão, autoestima e oportunidade para meninas em todo o país. Do mesmo modo, a economia criativa — que envolve audiovisual, comunicação, design, moda, eventos e gastronomia — precisa ser integrada à cadeia produtiva da Copa.
O evento tem potencial para gerar empregos e movimentar a economia, mas é necessário garantir que mulheres (especialmente negras, periféricas e indígenas) estejam incluídas nas oportunidades que surgirem. Da mesma forma, é fundamental trabalhar para que os pequenos empresários também estejam inseridos nesse processo, recebendo apoio e condições para participar ativamente. A Copa deve ser uma vitrine para produtos e serviços desenvolvidos e ofertados no país, valorizando o empreendedorismo local e fortalecendo a economia nacional. Dessa maneira, o evento se torna não apenas um espetáculo esportivo, mas um motor de desenvolvimento sustentável, inclusivo e representativo da diversidade brasileira.
As agendas de sustentabilidade ambiental e de inovação tecnológica também devem estar presentes: desde transportes mais limpos nas cidades-sede até conexões de melhor qualidade para favorecer para uma melhor experiencia de turistas, visitantes e residentes. A tecnologia pode democratizar o acesso, conectar torcedoras e torcedores de diferentes regiões e impulsionar experiências digitais voltadas ao futebol feminino. Por fim, é urgente considerar a dimensão da segurança e do acesso das mulheres aos estádios e aos espaços públicos durante o evento. É preciso garantir ambientes seguros, acolhedores e acessíveis para torcedoras de todas as idades, mães com crianças, mulheres com deficiência e pessoas de diversos gêneros.
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