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·16 de abril de 2025
Em evidência por Trump, Groenlândia aposta no futebol: 'É o esporte mais popular'

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A Groenlândia tem estado em evidência nos últimos tempos, depois de Donald Trump, recentemente eleito presidente dos Estados Unidos, ter demonstrado a sua intenção de anexar o território. Isto reacendeu tensões diplomáticas com a Dinamarca e tem rendido muito debate. Inclusive em nossa redação, que foi buscar, por curiosidade, como a ilha encara o futebol.
Atualmente, a Groenlândia pertence ao Reino da Dinamarca - geralmente referido apenas por "Dinamarca" - e tem o mesmo estatuto que as Ilhas Faroé, com um Governo próprio e gerido como um país autônomo.
Contudo, têm as suas diferenças políticas, sociais e até esportivas - se as Ilhas Faroé são um membro da Fifa e de uma Confederação e podem, por isso, jogar eliminatórias para competições internacionais, como Euros e Copas do Mundo, a Groenlândia ainda não ostenta esse estatuto.
Então, afinal, por que é que Trump tem interesse na maior ilha - mais de dois milhões de metros quadrados, mais do dobro da segunda maior, Nova Guiné - do mundo?
A resposta resumida tem apenas a ver com um tema: estratégia. Localizada no Oceano Atlântico Norte, a Groenlândia permite aos EUA uma proximidade geográfica a várias potências de relevância para a sua realidade, como a Rússia e a China - países determinantes para a economia global e a relação com os EUA.
Mas não fica por aí. Os EUA têm uma única base militar na Groenlândia, que fica a cerca de seis horas de voo da capital Washington DC, e está equipada com tecnologia avançada, que lhe pode ser útil para a segurança do território norte-americano, como, por exemplo, no controle de lançamentos de mísseis. Isto permitiria controlar quanto tempo estes demorariam a chegar aos EUA e quanto tempo teriam para reagir a esta ameaça.
Por fim, há também um interesse econômico. É que a Groenlândia é um território com grandes riquezas naturais, como cobre e outros minerais considerados raros e, por isso, de elevado valor.
Como vimos, não é por questões desportivas que o multimilionário Donald Trump quer anexar este famoso território. Contudo, todo este burburinho à volta de uma figura tão imponente em pleno Oceano Atlântico despertou-nos a curiosidade: como será o futebol (e esporte em geral) na Groenlândia?
É que, ao contrário do que o nome indica (Greenland - terra verde), a ilha é 80% coberta por gelo e apenas uma pequena parte do seu vasto território é habitável, com temperaturas, naturalmente, muito baixas - entre janeiro e março a média é -12ºC.
Os livros de história dizem-nos que o nome foi dado por Erik, o Vermelho, um viking que foi exilado da Noruega e da Islândia para aquela ilha e tentou atrair mais habitantes com um nome mais apelativo. Contudo, hoje em dia, estudos científicos mostram que a Groenlândia foi, efetivamente, muito verde há mais de 2,5 milhões de anos, antes da elevada descida das temperaturas ter congelado o território.
Fomos em busca de respostas (com nossos parceiros portugueses do zerozero) e chegamos à conversa com Kenneth Kleist, eleito presidente da Associação de Futebol da Groenlândia (KAK) em outubro de 2023.
"Queremos tornar o futebol uma parte ainda mais forte da nossa cultura. O futebol é, de longe, o desporto mais popular na Groenlândia, e gostaríamos de o desenvolver ainda mais com a adesão a uma confederação e a construção de um campo coberto, para que o futebol possa ser praticado durante todo o ano. Atualmente, a temporada futebolística dura apenas 3-4 meses e sabemos que, se jogarmos durante todo o ano, melhoraremos a cultura do futebol. E nos esforçamos para estabelecer boas parcerias com países, clubes e personalidades", começou por dizer, em entrevista exclusiva.
"A Groenlândia tem uma grande cultura baseada na abertura e na generosidade. A maior parte dos habitantes prefere viver na Groenlândia, porque gostam da natureza, da boa comida e da proximidade das suas famílias. Temos uma cultura orgulhosa e soberana, que não se junta a nenhuma outra. A juventude da Groenlândia é globalizada, como a de qualquer outro país", acrescento, com um claro orgulho na voz das suas raízes.
Há, no entanto, as suas dificuldades para este desejado desenvolvimento, como seria de esperar pelas suas condições climáticas e localização geográfica. É impossível cultivar campos de grama natural e por isso jogam em campo artificial. Algo que pode obrigar a jogarem fora de seu terreno, mesmo como mandantes.
Kenneth Kleist admite que a principal dificuldade nesta fase é adquirir o financiamento necessário para "dar vida" à ambição atual para continuar o desenvolvimento da modalidade no país "numa perspetiva sólida a curto e a longo prazo".
Uma vez que "11% de todos os groenlandeses praticam futebol" e é o esporte mais popular da ilha, esse investimento é necessário e um dos focos desse tal investimento é a construção de um novo estádio nacional, o Estádio Arktisk - ainda em fase de arquitetura e planejamento, sem prazos definidos -, para "substituir" o Estádio Nacional, em Nuuk.
Atualmente, a Groenlândia tem 39 clubes, sem divisões, que jogam regionalmente e, uma vez por ano, reúnem-se para o campeonato anual, que se joga durante uma semana.
"Estamos definitivamente prontos para jogar contra outras nações. A nossa equipe tem uma grande combinação de jogadores que jogam nas Ilhas Faroé, na Dinamarca e na Groenlândia. Isso nos dá um sentimento e um estilo de jogo internacionais", garantiu Kleist.
Como já aqui falamos, a seleção nacional da Groenlândia tem o mesmo estatuto que as Ilhas Faroé no Reino da Dinamarca, mas, por outro lado, não é membro da Fifa ou de qualquer confederação. A KAK foi fundada em 1971 e, pelo menos, desde 1998 que tenta se inscrever em uma Confederação. De resto, há registros de um pedido de inclusão à Uefa - feito por volta da mesma altura que Gibraltar -, mas que foi recusado, por uma "série de problemas", como revelou Allan Nørager Hansen, presidente da Federação Dinamarquesa entre 2002 e 2014.
"Não há registros fiáveis do que se passou na altura. Pode ter havido muitas razões para a recusa. Sabemos que o nosso pedido foi discutido e que muitas das nações mais pequenas tiveram dificuldades em passar pelo sistema com os seus pedidos para as confederações", conta-nos Kenneth Kleist.
"Não há dúvida de que a adesão à Fifa aumentará as nossas possibilidades de desenvolvimento enquanto país futebolístico. Não nos interessa agora olhar para trás. Temos de olhar para a frente e tentar dar o nosso melhor para sermos o melhor parceiro de colaboração possível. As Ilhas Faroé estavam mais bem organizadas do que nós quando se candidataram na década de 80. Têm sido magníficos no desenvolvimento da sua cultura de futebol e são uma grande inspiração para nós", acrescentou.
Antes de se tornar membro da Fifa, a Groenlândia tem de se tornar membro de uma confederação e daí a importância desta recusa da parte da Uefa. Os groenlandeses não baixaram os braços desde então e têm estudado alternativas, sendo que, nos últimos anos, investiram na possibilidade de se juntarem à Concacaf (Confederação das Associações de Futebol da América do Norte, Central e Caribe), algo que, segundo Kleist, é apoiado pela Federação Dinamarquesa, com quem têm "uma relação estreita".
E porquê a Concacaf? O dirigente esclarece: "É preciso uma candidatura à região a que o país pertence geograficamente - e a Groenlândia é uma parte natural da América do Norte, em termos continentais. A Concacaf não tem as mesmas regras que a Uefa no que respeita ao reconhecimento da ONU, por isso, se juntarmos estes elementos, há muitas coisas que apontam para a Concacaf".
No entanto, nesta fase, há poucas novidades sobre o desenvolvimento dessa candidatura, feita há mais de um ano, em maio de 2024. Kenneth Kleist explica que "todas as negociações e diálogos com a Concacaf, a federação dinamarquesa e os políticos nacionais" sobre o tema serão "à porta fechada", por forma a "garantir o respeito por todas as partes envolvidas e manter a confidencialidade das discussões".
"O período que se aproxima é da maior importância para o futuro do futebol e da vida esportiva da Groelnândia e queremos garantir aos nossos parceiros, políticos e equipe de negociação que poderão avançar com discussões abertas e honestas sem interferências", concluiu.