Calciopédia
·09 de novembro de 2022
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De tempos em tempos, surgem notícias de jogadores reconhecidos internacionalmente que penduram as chuteiras precocemente por desgaste físico ou emocional. Promessa da geração sucessora de Fabio Cannavaro e Alessandro Nesta, Andrea Ranocchia não conseguiu se tornar o defensor regular que todos esperavam, mas superou problemas musculares e uma má fase que parecia interminável para ser peça-chave da reconstrução da Inter e figura importantíssima nos bastidores da equipe nerazzurra. Após a experiência em Milão, se transferiu ao Monza, mas optou por interromper a carreira aos 34 anos por conta de uma fratura no tornozelo, que lhe abalou profundamente.
O pequeno Andrea, nascido em Assis, na região da Úmbria, já aprontava com a bola no pé. Ele deixava os vizinhos invocados porque costumava quebrar as vidraças dos prédios ao jogar futebol. Tinha idade de menino, mas o tamanho já era de zagueiro aos 16 – apesar de atuar como atacante e trequartista pelos juniores do Bastia, time de Bastia Umbra, a pouco mais de 9 quilômetros de sua cidade natal.
Aos 12 anos, o jovem arrumou as malas para Perugia, capital da região, onde vestiu as cores do time homônimo da cidade. O clube, no entanto, declarou falência em 2005 e Ranocchia migrou para o Arezzo, após Fulvio Rondini, responsável pelas categorias juvenis, prospectá-lo no Campeonato Regional de Estudantes de Perugia. Lorenzo Rubinacci, técnico da base, concordou de imediato. Andrea se tornou grato aos dois pelo incentivo para não largar o futebol, um caminho cogitado diante da frustração depois do ocorrido na agremiação biancorossa.
Após disputar o Campeonato Primavera, o zagueiro foi alçado aos profissionais do Arezzo em 2006-07, sob a orientação de Antonio Conte. “É aquele que exige o melhor, especialmente dos jovens”, disse o ex-beque. Ele debutou na Serie B aos 18 anos e também recebeu conselhos de Mirko Conte e Moris Carrozzieri, que o ajudaram a evoluir defensivamente. A pouca idade não isolou Ranocchia no banco de reservas: ele somou 29 participações e anotou um gol em sua temporada de estreia, que terminou em rebaixamento.
Ranocchia estreou na Serie A pelo Bari e, pelos apulianos, se tornou um dos zagueiros mais promissores da Itália (Getty)
Mesmo na Serie C1, ganhou espaço no plantel sub-21 da Itália, treinado por Pierluigi Casiraghi, por conta do desempenho mostrado na campanha de quase acesso do Arezzo. Aos 19 anos, Ranocchia foi convocado para um amistoso contra a França, em 2007. Enquanto engatinhava na Nazionale, ele teve o passe adquirido pelo Genoa e acabou emprestado na sequência ao Bari, onde reencontrou o “padrinho” Conte novamente na Serie B.
Ranocchia esquentou o banco até conquistar a titularidade no segundo turno. Com 17 aparições, marcou um tento na campanha de acesso dos galletti à elite do futebol italiano – alavancada pela defesa menos vazada do campeonato, vencido pelo próprio Bari. Ele também garantiu as passagens para os Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, mas Casiraghi sequer o relacionou nas partidas da Itália.
Com a partida de Conte para a Atalanta, o Bari passou a ser tocado pelas ordens de Gian Piero Ventura. Em 2009-10, os apulianos repetiram a dose e montaram uma defesa digna de Serie A para frearem os gigantes de Milão e vencerem a Juventus. Para isso, foi fundamental manter Ranocchia, que permaneceu por empréstimo após seus direitos econômicos serem adquiridos na totalidade pelo Genoa, junto ao Arezzo. Leonardo Bonucci chegou da Inter e o entrosamento não foi problema com o novo companheiro. A consistência da dupla colocou os biancorossi como o segundo time com menos gols sofridos na virada do ano.
Isso também é consequência da evolução técnica e mental de Ranocchia. Mais vigilante na primeira divisão, o zagueiro diminuiu a frequência de erros por desatenção e aprendeu a jogar de forma refinada para desarmar os adversários. Porém, uma lesão no ligamento cruzado anterior do joelho direito emperrou a sequência da boa fase e, mais do que isso, anulou as chances do beque aparecer na convocatória de Marcello Lippi para a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Na época, Andrea era considerado mais promissor do que Bonucci, que acabou sendo chamado pelo tetracampeão mundial.
Após o sucesso no Bari, Andrea teve rápida passagem pelo Genoa, onde também brilhou (Getty)
Como previsto devido ao alto rendimento, o mercado de zagueiros no Bari foi movimentado na janela de verão. Enquanto Bonucci deu início a uma longa jornada na Juventus de Andrea Agnelli e Giuseppe Marotta, Ranocchia assinou com a Inter, num negócio que previa a aquisição de metade de seu passe mais o empréstimo de Mattia Destro ao Genoa. Porém, o contrato previa mais uma temporada do defensor na capital da Ligúria.
O alto investimento do presidente Enrico Preziosi, entretanto, não deu muito certo: o técnico Gian Piero Gasperini foi dispensado após não dar continuidade aos resultados satisfatórios de outrora e foi substituído por Davide Ballardini na 11ª rodada da Serie A. Ranocchia continuou presente em quase todos os jogos do Genoa. Ele foi o destaque da quarta melhor retaguarda do campeonato no primeiro turno de 2010-11 e ganhou o prêmio Armando Picchi de melhor defensor sub-21. Naquele mesmo ano, estreou pela seleção principal da Itália, atuando num amistoso contra a Romênia.
Em janeiro de 2011, por conta de uma séria lesão sofrida por Walter Samuel, a Inter apressou sua chegada e comprou a metade remanescente de seu passe. Trajado de nerazurro, o zagueiro mostrou personalidade para ter a confiança de Leonardo, em um clube entorpecido pela conquista da tríplice coroa na temporada anterior. Ranocchia chegou para ser parceiro de Lúcio numa zaga que ainda tinha Cristian Chivu à esquerda e Maicon na lateral direita. A configuração somou importantes vitórias no decorrer campanha, como diante de Roma, Lazio e Bayern Munique. Além disso, Andrea conseguiu o segundo troféu da carreira ao ajudar a Beneamata a faturar a Coppa Italia sobre o Palermo.
Até 2014, passaram pelo comando da Inter os técnicos Leonardo, Andrea Stramaccioni e Walter Mazzarri. Apesar das diferenças táticas entre os treinadores, havia um entendimento em comum entre todos eles: a liderança de Ranocchia, que segurava as pontas de uma equipe que não conseguia bons resultados. Até como centroavante, na hora do aperto, o beque chegou a ser utilizado. Além disso, como era comparado a Marco Materazzi, chegou a vestir a camisa 23 que era do tetracampeão mundial.
Depois de um início promissor, Ranocchia perdeu a confiança e até a faixa de capitão da Inter (Getty)
O prestígio acumulado ao longo dos anos o deixou bem posicionado para receber a braçadeira de capitão de Javier Zanetti, em 2014-15, logo depois da aposentadoria do lateral e das saídas de Samuel, Esteban Cambiasso e Diego Milito, que estavam à sua frente na hierarquia. Durante esse período, Andrea foi frequentemente convocado pela Nazionale e apareceu nas listas preliminares da Squadra Azzurra para a Euro 2012 e a Copa do Mundo de 2014. No entanto, Cesare Prandelli não incluiu o jogador em nenhuma das convocatórias finais.
Durante a atribulada campanha de 2014-15, Mazzarri foi trocado por Roberto Mancini e, então, a carreira de Ranocchia virou de ponta-cabeça. O retorno a um sistema com quatro zagueiros e a coexistência com veteranos, como Nemanja Vidic e Hugo Campagnaro, ou peças que ainda eram consideradas verdes para o futebol italiano, como os brasileiros Jonathan e Juan Jesus, deixou Andrea em parafuso.
Exposto, o capitão passou a errar em demasia todos os fundamentos e gestos técnicos que constituem um bom zagueiro: posicionamento, botes, jogadas aéreas, antecipações… Assim, a Inter amargou a oitava posição no campeonato e o umbro, imerso em inconsistência e incapaz de lidar com a pressão, perdeu a titularidade no ano seguinte. Pior: teve de passar a faixa para Mauro Icardi. Os problemas cresciam como uma bola de neve e Ranocchia parecia não acreditar mais em seu futebol.
Desacreditado e sem a confiança do treinador, sentado no banco de reservas, Ranocchia fez apenas 10 partidas pela Inter em 2015-16. O defensor também fez as últimas aparições com a camisa da Itália nesse período, quando voltou a ser comandado pelo seu mentor Conte nas qualificatórias da Euro 2016. Portanto, para seu próprio bem e talvez também do time, ele decidiu se afastar e aceitar um novo destino: retornar a Gênova, agora para ostentar as cores da Sampdoria, rival do Genoa, sua antiga equipe. Andrea atuou 14 vezes na reta final da campanha dos blucerchiati, que garantiram a permanência na elite com três rodadas de antecedência. Por lá, também não brilhou e colecionou falhas.
Na expectativa de recuperar seu futebol, o defensor aceitou ser emprestado a algumas equipes, como a Sampdoria (Getty)
De volta à Inter no verão, Ranocchia também foi escanteado por Frank De Boer e Stefano Pioli. Porém, quando foi utilizado, comprometeu de forma avassaladora – participando de derrotas pesadas para Chievo, Napoli, Hapoel Be’er Sheva e Sparta Praga, ocasião em que foi expulso e acabou aumentando o vexame nerazzurro na péssima campanha pela Liga Europa.
Depois dessas performances espaçadas e sem brilho, o zagueiro foi cedido por empréstimo novamente. O destino foi o Hull City. Na Inglaterra, o italiano conseguiu apresentar um saldo razoável, com 16 partidas e dois gols marcados. Mas não foi o suficiente para evitar o descenso dos Tigres nem apagar falhas decisivas como em um dos tentos no confronto direto contra o Crystal Palace.
Depois disso, o zagueiro não recebeu ofertas. Era, então, hora de pegar o voo para Milão e encarar uma realidade indigesta: o banco da Inter. Com Luciano Spalletti na área técnica, Ranocchia foi limitado a 11 jogos em 2017-18 e, ainda assim, balançou duas vezes as redes. Apesar de não acionar o beque com frequência, o treinador reconheceu a influência dele no vestiário. “Ele é o verdadeiro capitão porque é aquele que fala com frequência. Você não o nota, mas diz o que precisa ser dito durante as dificuldades”.
Inclusive, de forma relativamente inesperada, Andrea voltou a ter um papel importante com a camisa nerazzurra. O respaldo que tinha nos bastidores passou a pesar em sua performance: sempre que utilizado, embora a conta-gotas, Ranocchia correspondia. Não à toa, chegou a chorar de emoção quando a Inter conseguiu se classificar para a Liga dos Campeões, em 2018. A Beneamata acabou eliminada precocemente do torneio, mas, naquele mesmo ano, o defensor anotou seu primeiro gol em competições europeias com um baita voleio ante o Rapid Vienna, pela Europa League.
A volta por cima veio na própria Inter: Ranocchia jogou pouco, mas ofereceu segurança no fim da carreira (Getty)
A chegada de Conte à Inter, em 2019, renovou as esperanças de Ranocchia, que imaginava uma maior utilização. Isso não chegou a ocorrer, visto que Milan Skriniar, Stefan De Vrij, Diego Godín e Alessandro Bastoni estavam à frente na hierarquia e o treinador mantinha suas firmes convicções – nelas, Andrea só poderia ser a peça de centro na linha de três defensores, de modo que só jogou quando o holandês foi escolhido para descansar.
De qualquer forma, o zagueiro completou a marca histórica de 200 partidas vestido de nerazzurri na vitória contra o Ludogorets, pela Europa League. O ciclo chegou ao fim em grande estilo: além do vice no torneio continental e da Serie A, em 2020, Ranocchia conquistou o scudetto em 2021, ainda sob a batuta de Conte, e, já na gestão de Simone Inzaghi, ganhou uma Supercopa nacional e mais uma Coppa Italia, em 2022. No mata-mata, aliás, ele foi fundamental para iniciar a reação contra o Empoli, nas oitavas de final, com um lindo gol de voleio nos acréscimos do segundo tempo. Em junho de 2022, sua aventura com a Beneamata se encerrou após 226 jogos, 14 gols e quatro títulos.
Três semanas depois, Ranocchia foi convencido a embarcar na empreitada ambiciosa de Silvio Berlusconi e Adriano Galliani no Monza. Como prometido a ele, o recomeço foi como titular na vitória contra o Frosinone, pela Coppa Italia. Em sua estreia pela liga, na segunda rodada, porém, a derrota para o Napoli ficou ofuscada. O defensor saiu do jogo após tentar evitar a saída de bola para escanteio. Os exames indicaram uma fratura exposta na fíbula, com tempo de recuperação previsto para três meses. Andrea, contudo, anunciou a aposentadoria exatamente 30 dias depois.
“Não tenho mais nada para dar dentro de mim. Eu e Galliani ficamos amigos. Ele é um cavalheiro e entendeu. Agora, aproveito para juntar essas emoções que chegaram nos últimos meses e pensamentos para o futuro. Não vou voltar a jogar futebol, não é isso que eu quero”, publicou no Instagram. Um fim de carreira longe do que Ranocchia merecia, na mesma medida em que ele não atingiu o potencial que tinha dentro de si.
Andrea Ranocchia Nascimento: 16 de fevereiro de 1988, em Assis, Itália Posição: zagueiro Clubes: Arezzo (2006-08), Bari (2008-10), Genoa (2010) e Inter (2011-16, 2016-17 e 2017-22), Sampdoria (2016), Hull City (2017) e Monza (2022) Títulos: Serie B (2009), Coppa Italia (2011 e 2022), Serie A (2021) e Supercopa Italiana (2021) Seleção italiana: 21 jogos