Jogada10
·31 de dezembro de 2024
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Durcesio Mello está de prontidão para, em 2025, trocar os camarotes destinados às autoridades esportivas pelas arquibancadas do Estádio Nilton Santos. Nesta terça-feira (31), ele chega ao último dia como presidente do Botafogo social, encerra o quadriênio no cargo e passa o bastão para o também empresário João Paulo Magalhães, a quem apoiou nas últimas eleições contra, curiosamente, Vinícius Assumpção, vice-presidente da administração de janeiro de 2021 a dezembro de 2024. Em clima de despedida e com um sorriso estampado no rosto pelos títulos da Copa Libertadores e do Campeonato Brasileiro, Durcesio recebeu a equipe de reportagem do Jogada10, em General Severiano. No início da conversa, indicou que não se afastará totalmente dos bastidores após a gestão marcada pela venda do futebol para John Textor, sócio majoritário da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) alvinegra com 90% (os outros 10% são do Glorioso).
“Fico no Conselho Administrativo da SAF até 2026. Gostaria de voltar de vez para casa. Foi um desafio muito grande. Mas não tem jeito. Hoje, sem falsa modéstia, sou uma força política importante no Botafogo. Pretendo, então, ajudar naquilo que puder. Claro, sem me meter. Posso estar aqui, por exemplo, de 15 em 15 dias ou uma vez por semana. Na verdade, quero focar nos esportes olímpicos, trazendo recursos para melhorar o judô, a canoagem e o remo”, projetou.
Por falar em SAF, Durcesio Mello recordou o dia em que subiu na mureta de General Severiano e, diante da massa alvinegra, bradou a célebre frase: “O jogo virou”. Naquele momento, em janeiro de 2022, o Conselho Deliberativo aprovaria a transferência do futebol para a Eagle Holding, empresa de John Textor. Dois meses depois, com os contratos devidamente assinados, haveria, enfim, a separação entre o quadro social e o esporte bretão.
Durcesio discursa diante da torcida. Textor curtiu a foto – Foto: Vitor Silva/Botafogo
Para o presidente, o destino seria diferente se o futebol do Botafogo estivesse nas mãos de um fundo árabe ou de outros donos mais “impessoais”.
“O próprio Textor me contava, outro dia, que esta é a imagem preferida dele. Eu, ali na mureta, e a torcida soltando fogos. Demos muita sorte. John se apaixonou pelo Botafogo. É um investidor, sim. Visa o lucro. Mas tem um carinho muito grande pelo Botafogo e participa ativamente da vida do clube. Entende de futebol, conversa diariamente com o treinador, dialoga com o scout e toma as decisões. Ele se envolveu com o clube. É só ver as outras SAFs. Não precisa ir nem para o exterior. Vasco, o Grupo City no Bahia, América-MG, Coritiba… Não há o rosto de ninguém. Você acaba não sabendo quem está tocando”, exemplificou.
Pioneiro entre os grandes no modelo de clube-empresa e bem-sucedido ao abrir suas portas ao capital estrangeiro, o Botafogo puxou a fila para outras agremiações do futebol brasileiro, a partir de 2022. Grêmio, Internacional, Santos e Fluminense debatem a criação de uma SAF, algo que, para Durcesio, é um caminho sem volta no futebol brasileiro. Ao J10, o presidente alvinegro até deu um pitaco no modelo discutido pelo coirmão das Laranjeiras.
“No Brasil, há dois ou três clubes que se autossustentam, com muitas receitas pelas gestões profissionais. O futebol está cada vez mais caro. A SAF é, portanto, o caminho para os outros grandes. Mas não acredito em alguns modelos, como o Mário Bittencourt quer no Fluminense. Vender 49%, com o atual presidente sendo um CEO (Chief Executive Officer, cargo equivalente e um diretor-executivo)? Ninguém vai investir milhões de dólares se não tiver a chave do cofre. Acredito que não vai dar certo”, opinou o dirigente do Mais Tradicional.
Confira, na sequência, outros assuntos da entrevista exclusiva com o presidente alvinegro:
“É só ver o que a torcida faz comigo, de pedir para tirar fotos e gritar o meu nome por onde passo. Tive que me desprover de vaidades ao vender a SAF. Este foi um dos grandes méritos dos quais reconheço. O futebol é onde você aparece, é consultado toda hora e define destinos. Saio com a sensação de dever mais do que cumprido. Tiramos o time da Série B. Ganhamos Libertadores e Brasileiro. Não sou o melhor presidente de todos os tempos, há grandes nomes, mas estou na história como um dos grandes. Ninguém, porém, vai chegar aos pés de Carlos Augusto Montenegro como presidente eterno. É o maior botafoguense de todos os tempos. Ganhou um Brasileirão (1995), recuperou esta sede onde gravamos esta entrevista, ajudou todas as gestões e não deixou o clube fechar. Montenegro pagou desde bola de futebol até salário de jogador em momentos de crise.”
Durcesio e o tradicional gesto de apontar. O agraciado da vez é o presidente eleito JP Magalhães – Foto: Reprodução Instagram
“Os débitos diminuíram sensivelmente, e o Botafogo virou um clube equilibrado. Comemorei, como se fosse um título, quando negociamos a parte trabalhista da dívida. A parte civil também foi outra vitória. As dívidas serão pagas em 12 anos, com uma taxa de juros que não é mais da Selic. Hoje, então, o clube está viável. Ou seja, o que vamos pagar nas dívidas cíveis, trabalhistas e fiscais comprometem somente de 10% a 15% da nossa receita anual. Se o Textor deixasse o Botafogo hoje, o associativo tem condições de gerir o clube ou vendê-lo facilmente a outro dono. Quem assumir encontraria um clube vencedor, com dívidas equacionadas e receitas em outro nível. Mas espero que ele não saia. Até porque já disse que deixará o Botafogo de herança para os filhos.”
“Primeiro, não tínhamos estrutura e nem temos ainda. Estamos montando. Nos últimos quatro anos, mudávamos toda hora os locais de treinamento. Só agora, com a SAF, começamos a profissionalizar a base. Já tivemos alguns resultados no sub-15… Espero que, em dois ou três anos, revelemos jogadores. É do mercado. Para fazer a roda girar, é preciso o suporte da base. Não só comprar jogadores. Vamos comprar um segundo terreno do Espaço Lonier e juntar, enfim, as categorias inferiores ao time profissional. Esta sempre foi a ideia. O Palmeiras investe há anos em um CT maravilhoso e revela jogadores de grande porte e os vende muito bem depois de um ano. O Flamengo também já trabalha com uma estrutura. Não podemos ficar atrás”.
“Está sendo feito um trabalho com ele. Talento incontestável. Titular nas seleções sub-15, sub-17 e 20. Mas nem é mais convocado. Até porque não jogava. Se ele tivesse ficado mais tempo no sub-20, teria mais protagonismo. Subiu muito rápido. Ao ir para o sub-23 do Botafogo, time que chegou à final no Brasileiro de Aspirantes, foi um dos destaques da campanha, ao lado do Kauê. Este também será uma grande promessa em 2025.”
Durcesio Mello em sua sala de trabalho, durante a conversa com o J10 – Foto: Leonardo Pereira/J10
“Manter o bom relacionamento com a SAF e a estrutura profissional que construímos com governança corporativa e compliance. João Paulo encontrará uma casa mais organizada. Estamos livres de penhoras, algo que era, aliás, nosso grande desafio, no primeiro ano, em 2021, antes de nos tornarmos SAF. Hoje, temos apenas execuções pontuais. A casa está arrumada e pronta para receber o toque autoral do novo presidente.”
“Não fui bem-sucedido em relação ao Mourisco Mar. Não conseguimos reformar a parte estrutural para, na segunda etapa, fazer a piscina. Trabalhei duro nos últimos três anos, mergulhei na sede e não consegui os recursos. Fui atrás de Lei de Incentivo, patrocinadores, mas falhei. João Paulo é um homem de muitos contatos e alguém que pode aportar muito neste tema. Gostaria que fosse uma das prioridades da gestão dele, além das melhorias para o sócio proprietário.”
“O primeiro ano, em 2021. Não éramos SAF e não havia recurso. A folha de pagamento era muito pequena para buscar o acesso à Série A e ocupávamos a 14ª colocação da Segunda Divisão, antes da chegada do Enderson Moreira (técnico que comandou a arrancada do Glorioso). Subir era fundamental. Mas não era uma exigência para vender o futebol ao Textor. Venderíamos do mesmo jeito. Ele atropelou os concorrentes com os quais negociávamos. Só que estaríamos em um nível muito inferior, com uma receita pífia. Quase R$ 9 a 10 milhões naquele ano.”
“O Mauro Ney Palmeiro está todo dia aqui comigo. Me ajuda muito. É um querido. O Nelson Mufarrej votou conosco no João Paulo. O CEP (Carlos Eduardo Pereira) não converso mais. Sumiu. Não o vejo há quase quatro anos. Só aparecia em reuniões do Conselho Deliberativo e, mesmo assim, por vídeos.”
“A minha relação com ele é ótima. Pessoa maravilhosa e a quem devo muito neste processo. Apenas achei que ele não era o ideal para o Botafogo. Tive receio de perder a eleição com ele também. Falei, pessoalmente, isso a ele. Mas, ao fim da eleição, liguei para parabenizá-lo. Foi uma disputa acirrada. Virou um amigo.”