Calciopédia
·11 de janeiro de 2023
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Brasil e Argentina dividem um lugar respeitável no panteão da Serie A. A maioria dos clubes da primeira, segunda ou terceira prateleira da Itália certamente guardam com carinho a passagem de ao menos um sul-americano. Rodrigo Palacio é um desses que deixaram a sua marca no futebol italiano, não somente pela trança esvoaçante em suas arrancadas, mas também pela regularidade invejável à frente dos goleiros. Depois de faturar oito títulos pelo Boca Juniors, El Trenza não levantou taças em 13 anos de Velha Bota, embora tenha conquistado as torcidas dos times que defendeu.
Filho de José Ramón Palacio, espanhol que emigrou para a Argentina e fez carreira em clubes como Huracán e Olimpo, Rodrigo começou a carreira em sua cidade natal, Bahía Blanca – mas não pelo aurinegro de seu pai. La Joya, como ficou conhecido, estreou pelo alviverde Bella Vista, onde disputou divisões inferiores.
Ao ajudar o pequeno clube a quase subir para a terceira categoria, conseguiu chamar a atenção do Huracán de Tres Arroyos, militante na segundona – não confundir com o homônimo de Buenos Aires, um dos grandes argentinos em que seu pai atuou. Durante duas temporadas, Rodrigo mostrou muita dedicação e anotou 15 gols que viriam a contribuir para o acesso dos alvirrubros à elite portenha. Antes da promoção ser confirmada, porém, o atacante já havia feito as malas.
Ainda sem a trança característica, Palacio chegou a fazer um teste no Betis, da Espanha, mas acertou mesmo com um alviverde de seu país: o Banfield. Rodrigo chegou ao clube em janeiro de 2004 e, após causar forte impacto na primeira divisão argentina, já ostentando seu adereço capilar, como um jovem Padawan, teve sua evolução reconhecida com uma proposta do Boca Juniors. Assim, em janeiro de 2005, ele definiu sua ida para La Bombonera, onde seria o substituto de Carlos Tévez, então reforço de luxo do Corinthians.
Os dias badalados dos xeneizes em competições internacionais projetaram o jovem, que precisou de alguns meses de adaptação antes de brilhar. Ao lado de Martín Palermo e Juan Román Riquelme, Palacio se tornou protagonista em decisões, a exemplo da final da Copa Sul-Americana de 2005, vencida pelo Boca, quando anotou contra o Pumas no jogo de ida. Rodrigo já havia marcado três gols nas quartas, sobre o Internacional.
O Genoa foi o primeiro clube de Palacio na Europa e ele não decepcionou: se tornou um dos grandes nomes do time na década de 2010 (Getty)
A sua história na seleção argentina teve início na mesma época. Em 2005, figurou na lista de José Pékerman para um amistoso ante o México e passou a fazer parte do time comandado pelo treinador, a ponto de constar na convocatória para a Copa do Mundo de 2006. Na competição, Palacio fez apenas a sua terceira partida pela albiceleste: somou os seus únicos minutos no Mundial contra a Costa do Marfim, na fase de grupos. Já no ano posterior, também foi reserva na campanha do vice portenho na Copa América.
Pelo Boca Juniors, Palacio também participou intensamente de três títulos argentinos e os números nacionais são reflexo disso: marcou 54 gols em 131 aparições com a camisa azul e dourada, considerando os torneios Apertura e Clausura. Mas a conquista da Copa Libertadores de 2007 foi, sem dúvidas o maior feito do atacante em sua experiência pelos xeneizes.
O desequilíbrio e velocidade do jovem atacante, aliada à técnica refinada de Riquelme e o capricho mortal de Palermo na área deixou os boquenses imbatíveis na competição continental. Palacio se mostrou um coadjuvante participativo, especialmente no mata-mata, e deixou sua assinatura em quatro oportunidades – inclusive na finalíssima, diante do Grêmio. Em sua trajetória memorável no Boca, Rodrigo também foi vice do Mundial de Clubes de 2007, após o revés para o Milan, e ficou com a Bola de Bronze, dada ao terceiro melhor jogador do certame.
Monitorado por Chelsea e Barcelona, Palacio viu a sua saída para a Europa ser protelada indefinidamente pelas lesões. Ele carimbou o passaporte apenas em 2009, aos 27 anos, mas não para os destinos de alto calibre que tinha em mente. Naquela época, vale destacar, Rodrigo apresentava futebol inferior ao mostrado entre 2005 e 2007, período em que brilhou na América do Sul, e viu o seu valor de mercado despencar – para azar do Boca, que rejeitou uma oferta gorda da Lazio em 2008. O Genoa aproveitou o momento, fez uma proposta de 5 milhões de euros ao time de Buenos Aires e se tornou o primeiro clube do argentino no exterior.
O argentino era desejado por Gasperini na Inter, mas só foi contratado pela equipe após a demissão do técnico (Getty)
De certa forma, se transferir ao Genoa significava estender a relação com o Boca Juniors. Afinal, os primeiros moradores do bairro de La Boca, em Buenos Aires, eram originários de Gênova – Zena, em dialeto lígure. O gentílico “zenéixi” logo virou “xeneize”, apelido dos boquenses. E Palacio seria muito feliz na cidade dos antepassados dos bosteros: voltaria a viver os seus melhores momentos e se tornaria ídolo da torcida.
Naquela época, o Genoa sonhava com voos mais altos: duas temporadas antes da aquisição de Palacio, retornara à elite após mais de uma década de ausência e, em 2009, sob a batuta de Gian Piero Gasperini, havia se classificado para a Liga Europa. As contratações de Rodrigo e do seu experiente compatriota Hernán Crespo representavam a ambição de manter o nível do time depois da venda de Diego Milito para a Inter.
Sob o comando de Gasperini, Palacio foi utilizado geralmente como ponta pelos dois lados, sendo peça importante no 3-4-3 do técnico. Nos dois primeiros anos na Itália, o argentino teve apresentações razoáveis e, apesar de não ter marcado tantos gols, foi o artilheiro do Genoa em 2009-10, com oito tentos, e vice em 2010-11, com nove. Nesse período, no qual ajudou os rossoblù a ficarem no meio da tabela da Serie A, teve seu maior destaque com uma doppietta e uma assistência no triunfo por 4 a 3 sobre a Roma, em fevereiro de 2011 – àquela altura, o time era treinado por Davide Ballardini, que tomara o lugar do demitido Gian Piero.
O bom desempenho rendeu a Palacio o afeto da torcida, que passou a chamá-lo de El Trenza, em razão de sua trancinha de jovem Jedi, e também o retorno à seleção argentina – que não defendia desde 2008; tendo, portanto, ficado fora da Copa do Mundo de 2010. Naquele mesmo ano de 2011, Gasperini havia assumido o comando da Inter e colocou a contratação de Rodrigo no topo de suas prioridades. Contudo, como o treinador chegou a Milão como quinta opção da gestão nerazzurra e não tinha muito prestígio, a transação não saiu do papel. Melhor para o Genoa, que manteve a peça que seria fundamental para evitar um desastre na Ligúria.
El Trenza foi goleador na Inter e ainda decidiu um Derby della Madonnina com toque de letra (AFP/Getty)
Em 2011-12, El Trenza decolou – e, por isso, se aproximou da média de gols alcançada no Boca Juniors. O Genoa até começou o campeonato com resultados interessantes e chegou a brigar na metade superior da tabela, mas tudo começou a mudar às vésperas do Natal, quando uma derrota por 6 a 1 para o Napoli levou à demissão de Alberto Malesani e à contratação de Pasquale Marino. Até ali, Palacio tinha seis tentos anotados na Serie A.
A troca não deu certo e o Genoa viu o seu rendimento despencar, a ponto de o time brigar para não cair. A salvação chegou apenas na última rodada, com Luigi De Canio, terceiro técnico que a equipe teve na campanha, e foi regada a gols de Palacio: no total, El Trenza anotou 19 na Serie A, sendo 13 desde que a crise começou. Os rossoblù somaram apenas três vitórias no returno e todas elas tiveram a marca do argentino.
No verão europeu de 2012, bem depois de demitir Gasperini, a diretoria da Inter deu o braço a torcer e Palacio, já aos 30 anos, aportou em Milão, numa transferência avaliada em 10,5 milhões de euros. Reduto de argentinos, a Beneamata “premiava” o desempenho de Rodrigo ao lhe dar a responsabilidade de ser um nome importante numa reconstrução a duras penas, que acontecia na terceira temporada após a conquista da tríplice coroa.
Como havia mostrado nas passagens em outros clubes, lhe sobrava disposição e regularidade. Além dos 38 gols e 23 assistências em 100 jogos pelo Genoa, El Trenza sempre se mostrou um atacante versátil, voluntarioso e capaz de ajudar na fase defensiva. Taticamente, seria bastante útil para o projeto recém-iniciado pelo jovem técnico Andrea Stramaccioni – e, de fato, foi. Inclusive, para muitos interistas, Palacio representou a figura do homem certo na hora errada: deixou a impressão de que poderia ter sido muito mais importante para a história da agremiação se não tivesse passado por Milão numa época de vacas magras.
Tal qual no Genoa, Palacio assumiu papel de protagonismo na Inter (Getty)
Logo em seu ano de estreia pela Inter, Palacio teve sua temporada mais prolífica na Itália, com 22 gols marcados – que lhe renderam o posto de artilheiro da equipe, superando Diego Milito e Antonio Cassano. El Trenza começou sua contagem com um tento sobre o Vaslui, na Liga Europa, e chegou a brigar pela artilharia do torneio: com seis bolas nas redes, ficou atrás apenas de Edinson Cavani e Óscar Cardozo, com sete, e Libor Kozák, autor de oito. Rodrigo também anotou 12 vezes na Serie A, sendo o principal goleador nerazzurro na competição, e deixou sua assinatura em jogos importantes, como na vitória interista sobre a Juventus no Derby d’Italia disputado em Turim. Foi a primeira derrota da Velha Senhora no Allianz Stadium.
Apesar do desempenho do argentino, a Inter foi eliminada nas competições de mata-mata e ficou apenas na nona posição da Serie A, sem vaga em torneios europeus, o que levou à troca de Stramaccioni por Walter Mazzarri. Em 2013-14, sob o comando do novo técnico, o atacante manteve a verve goleadora e voltou a ser o artilheiro da equipe, com 19 tentos, sendo 17 no Campeonato Italiano. Além de ter sido o principal nome do setor ofensivo na campanha de quinto lugar da Beneamata, superando os compatriotas Milito e Mauro Icardi, El Trenza ainda decidiu um clássico ante o Milan com um lindíssimo toque de letra aos 86 minutos de jogo.
Pelo ótimo desempenho em Milão, Palacio recuperou o seu posto na seleção argentina, da qual se despediria após o vice na Copa de 2014. Escanteado em 2010, ganhou a confiança de Alejandro Sabella para ser a primeira alternativa ao ataque estrelado da albiceleste no Mundial de 2014, após ter sido peça importante nas Eliminatórias. Rodrigo atuou em cinco dos sete jogos da campanha portenha, saindo do banco em todos e, geralmente, tomava a vaga de Ezequiel Lavezzi. Apesar de participativo na trajetória da equipe, poderia ter consagrado seu nome na história: teve a faca e o queijo na mão diante de Manuel Neuer, na prorrogação da decisão realizada no Maracanã, mas a letalidade deu lugar ao preciosismo e a bola subiu demais em sua finalização. A Alemanha acabou vencendo por 1 a 0.
No retorno à Itália, o camisa 8 nerazzurro continuou com a moral elevada e manteve o posto de titular da Inter. Porém, devido à ascensão de Icardi, perdeu o protagonismo na produção de gols para a equipe e se transformou num garçom para o companheiro. Aliás, em 2014-15, sob o comando de Mazzarri na parte inicial da temporada, e de Roberto Mancini no restante, Palacio teve seus últimos momentos de titularidade. E terminou o ano com rendimento bastante razoável: 12 tentos e nove assistências.
Já veterano, Rodrigo encontrou fôlego para ser titular e lutar com a camisa rossoblù (Arquivo/Bologna FC)
Aos 33 anos, o argentino perdeu espaço para jogadores como Ivan Perisic, Éder e Stevan Jovetic, durante mais uma tentativa da diretoria de renovar o plantel interista. Palacio balançou as redes cinco vezes em 2015-16 e quatro na temporada seguinte, a sua última em traje nerazzurro. Independentemente do declínio natural com o avançar da idade, fez jus ao DNA albiceleste que se instalou no clube: El Trenza totalizou 169 jogos, 58 gols e 31 assistências. Por conta da má fase da agremiação, títulos ficaram faltando e os melhores resultados obtidos foram o quarto posto na Serie A 2015-16 e duas disputas de semifinais de Coppa Italia, em 2013 e 2016.
O mercado italiano permaneceu aberto para Palacio, apesar de o primeiro escalão do futebol do país não ser mais o seu lugar. Como agente livre, o argentino fechou com o Bologna e passou a ter uma perspectiva da tabela similar à da época do Genoa: olhar para cima, buscando o máximo de tranquilidade na classificação, mas sem deixar de se preocupar com o rebaixamento.
Por conta da idade avançada do atacante, se imaginava que a sua experiência na Emília-Romanha seria curta. No entanto, Palacio provou que essa avaliação estava equivocada: passou quatro anos no Bologna e, além disso, se tornou titular quase inamovível do time, com minutagem superior a 2 mil minutos por temporada. Mesmo veterano, se valeu de sua condição física privilegiada e continuou a ser um jogador diligente taticamente.
Mais experiente e profundo conhecedor da Serie A, Palacio contribuiu nas campanhas intermediárias do time rossoblù, que flutuou entre o 10º e o 15º lugar em quatro temporadas – a primeira, sob o comando de Roberto Donadoni; a segunda, dividida entre Filippo Inzaghi e Sinisa Mihajlovic; as demais, seguindo as orientações do próprio sérvio. O argentino, que chegou a capitanear o elenco em diversas ocasiões, deixou a marca dele 20 vezes nas 132 partidas disputadas, além de ter fornecido 17 passes para gol.
Em seus últimos jogos pelo Bologna, Palacio se tornou o mais velho a anotar uma tripletta na Serie A (Getty)
No Bologna, El Trenza ainda teve tempo para fazer história na Serie A. No finalzinho de sua passagem pelos veltri, em maio de 2021, Palacio marcou três gols sobre a Fiorentina, no empate por 3 a 3 no Dérbi dos Apeninos. Aos 39 anos e 86 dias, se tornou o jogador mais velho a anotar uma tripletta na elite italiana. Não havia forma melhor para se despedir do time rossoblù e do campeonato.
Mas se enganava quem achava que o Bologna seria o seu último clube. O veterano enxergou no Brescia, recém-rebaixado à Serie B, uma possibilidade para entregar o fôlego remanescente no país em que passou o maior período de sua carreira. Embora fosse opção de banco do time de Pippo Inzaghi, ajudou os biancazzurri a avançarem aos playoffs – nessa época, já sob o comando de Eugenio Corini. Os andorinhas não conseguiram o retorno à elite, ainda que Palacio tenha somado seis gols e quatro assistências em 33 aparições. Ao final do contrato, Rodrigo, com 40 anos, se despediu do Mario Rigamonti e, algumas semanas depois, do futebol.
As chuteiras com trava foram penduradas, mas ele tirou os tênis de quadra do fundo do baú. Palacio acertou com a Polisportiva Garegnano, da quarta divisão do basquete italiano, e, ao se tornar armador da equipe de Milão, concretizou um sonho de infância. Bahía Blanca, onde nasceu, é considerada a capital da modalidade na Argentina, além de ser a cidade natal de lendas, como Manu Ginóbili. Dos 7 aos 16 anos, Rodrigo atuou no La Falda, até que precisou escolher entre jogar bola com os pés ou as mãos.
Herói de Libertadores, mais de 350 jogos em uma das ligas mais competitivas do mundo, um recorde neste mesmo campeonato e duas participações em Copas do Mundo no currículo. Há quem diga que seus feitos poderiam ter sido maiores e, de fato, houve essa expectativa. Porém, não é à toa que alguém se torna o terceiro argentino mais bem colocado no ranking de partidas pela Serie A, atrás apenas de Javier Zanetti e Roberto Sensini. Passavam-se os anos e a regularidade se mantinha intacta, tal qual seu nó de trança. Após realizar sonhos de milhares e ganhar o carinho de três grandes torcidas italianas, o pequeno Palacio ainda pode consumar um desejo pessoal nas quadras da Velha Bota.
Rodrigo Sebastián Palacio Alcalde Nascimento: 5 de fevereiro de 1982, em Bahía Blanca, Argentina Posição: atacante Clubes: Bella Vista (2000-02), Huracán de Tres Arroyos (2002-04), Banfield (2004-05), Boca Juniors (2005-09), Genoa (2009-12), Inter (2012-17), Bologna (2017-21) e Brescia (2021-22) Títulos: Copa Sul-Americana (2005), Recopa Sul-Americana (2005, 2006 e 2008), Campeonato Argentino (2006, 2007 e 2009) e Copa Libertadores (2007) Seleção argentina: 28 jogos e 3 gols